UMA VOZ QUE VEM DE SÃO PEDRO DO ESTORIL- S.C.P. - CLUBES DE FUTEBOL NO SURF? terça-feira, 12 março 2019 07:19

UMA VOZ QUE VEM DE SÃO PEDRO DO ESTORIL- S.C.P. - CLUBES DE FUTEBOL NO SURF?

"Este ano fizeram várias propostas aos nossos melhores atletas. O Miguel Blanco, foi o primeiro a ser apresentado, mas sabemos que outros se seguirão."

 

A recente entrada do Sporting Clube de Portugal e do Estoril Praia no seio do Surf têm gerado uma certa controvérsia no seio da comunidade.

O Surf tem-se vindo a afirmar de uma forma sólida na sociedade Portuguesa como uma atividade/modo de vida e desporto. De cerca 10,000 praticantes nos anos noventa a quase 700,000 na atualidade (segundo o ultimo estudo efetuado em Portugal), o surf massificou e tornou-se como um nicho de maior interesse para alguns dos grandes players económicos.

A entrada dos Clubes de Futebol no Surf em Portugal já não é novidade. Após a tentativa ténue do S.L.Benfica há cerca de uma década atrás eis que agora, quando o Surf se encontra a caminho das olimpíadas em 2020 (Toquio), entram com uma outra atitude o Sporting e o Estoril Praia. Ambos os Clubes estão inscritos na Federação Portuguesa de Surf e já contam com duas contratações de peso no Surf nacional, Teresa Bonvalot representa neste momento o Sporting Clube de Portugal e Miguel Blanco o Estoril Praia.

Há aqui diversas questões que se colocam, nomeadamente qual o verdadeiro interesse destes players no Surf? Será que vêm apenas para procurar protagonismo numa modalidade que agora tem números interessantes? Será que o ensino do Surf enquanto negócio é uma mais valia para estes novos players? será que vêm organizar eventos megalómanos de surf? ou será que a sua aparição vai ser tão rápida quanto o seu desaparecimento assim que perceberem que o estilo de vida surf é de dificil "match" com o Futebol? 

Certo é, nesta nova realidade, que estes clubes se encontram a contratar quadros experientes do surf nacional que os irão ajudar construir a sua entrada o mais forte e direcionada possível no Mundo do Surf.

A Surftotal falou com diversas personalidades que lideram alguns dos principais Clubes de Surf em Portugal, clubes estes que têm vindo a dar um forte contributo na construção das bases do Surf Português.

 

Entrevista integral de João Ferreira - Surfing Clube de Portugal:

João conta-nos como é que tem sido estes últimos 2 anos à frente do Surfing Clube de Portugal? quais as maiores motivações para encabeçares este projeto?
Os últimos dois anos foram fantásticos. Em 2018, o Surfing Clube de Portugal foi o clube com mais campeões nacionais (6), foi vencedor, pela 8ª vez, da Taça de Portugal em Longboard e tivemos o António Dantas Campeão Europeu Junior de Longboard. Continuamos a formar jovens nas mais diversas áreas do Surfing, não só atletas, mas também treinadores, juízes, staff especializado em organização de eventos e gestão de espaços desportivos, fotógrafos, speakers, etc. Hoje podemos ver em vários clubes, escolas de surf, na federação portuguesa de Surf, Câmara Municipal, agências de viagens e em eventos de Surfing, pessoas que iniciaram ou realizaram toda a sua formação no nosso clube. Só podemos estar orgulhosos do caminho que percorremos.
Essa é a maior motivação para continuar neste projeto. Quando menos esperas, alguém chega ao pé de ti e agradece-te pelo que fizeste por ela.
Também há uma nova dinâmica no clube. O crescimento é notório e a profissionalização de todas as áreas para que o clube possa enfrentar os próximos anos que serão de uma exigência superior, é um grande desafio. Estamos a atravessar um dos momentos mais complexos na nossa modalidade. A insegurança nos planos de água, o aumento exponencial de praticantes e a inércia das entidades que regulam a modalidade, podem criar conflitos difíceis de resolver. Sempre estive ligado ao Surfing e amo este desporto. Quero continuar a contribuir para um crescimento saudável e positivo da nossa modalidade.

Qual ou quais os principais objetivos de um clube de surf como o Surfing Clube de Portugal?
O principal objetivo é a formação de jovens. Desde sempre estivemos preocupados com o ensino da modalidade e com o desenvolvimento harmonioso e equilibrado dos jovens que nos procuram. Promovemos a prática de todas as especialidades num espírito de formar watermans. Pessoas que saibam lidar com o mar e se preocupem com as questões ambientais.
Lidamos com todo o tipo de população. Desde os mais hábeis, até aqueles que nunca viram o mar. O caso do Lucian Prodan, o Moldavo que “aterrou” no clube com 11 anos, sem saber nadar nem falar português, é o exemplo perfeito. Ele está agora perfeitamente integrado e é um jovem que irá viver do surf enquanto quiser.
Outro objetivo importante prende-se com a segurança. Sempre promovemos as nossas atividades com o lema safety first. Felizmente na “nossa” praia, os acidentes têm sido uma raridade. No entanto, e com a crescente pressão económica sobre os planos de água, sentimos a necessidade de avançar para uma parceria com a Brave Hard, a Câmara Municipal de Cascais e Junta de Freguesia de Cascais/Estoril e temos um nadador salvador a acompanhar permanentemente as atividades desenvolvidas na nossa praia. Uma aposta forte na segurança que gostaríamos de ver replicada nos locais de maior concentração de praticantes.

*João Ferreira tem vindo a fazer um trabalho importante na formação de jovens atletas. Tanto enquanto Presidente do Surfing Clube de Portugal, como no Desporto Escolar.


Tem fins lucrativos?
O Surfing Clube de Portugal é uma entidade sem fins lucrativos. Há anos em que é mais fácil realizar tudo o que temos planeado e em outros é mais difícil.
No entanto, posso afirmar que sempre desenvolvemos os nossos planos de forma a dar as melhores condições aos nossos sócios e a todos os atletas. Temos conseguido realizar os nossos eventos com uma qualidade superior, sempre reconhecida pelos participantes e nunca tivemos uma grande marca a patrocinar-nos. Desde que assumi a presidência do clube, desenvolvemos parcerias com as mais diversas entidades publicas e privadas, proporcionando a milhares de jovens a experiência do Surf.
Acreditamos que em breve poderemos dar mais um salto qualitativo com a aproximação de um sponsor forte que nos permitirá aperfeiçoar o nosso modelo de formação.

Qual ou quais os maiores desafios porque passa um clube como o Surfing Clube de Portugal?
O principal desafio é sobreviver aos constantes ataques do capital. Com o crescente número de escolas de surf, clubes fantasma e empresas marítimo- turísticas, o papel dos clubes é ingrato. No clube não se ganha dinheiro como nestas empresas e todos querem um lugar ao sol. É legitimo, mas desequilibrado. A luta diária é muito complexa e cansativa. Por vezes afasta pessoas que poderiam contribuir para a formação de um tecido mais equilibrado, saudável e sustentável.

 

"O que não devem fazer é mentir às pessoas,

criando expectativas que não concretizam".



Sobre a entrada dos clubes de futebol no surf, agora que o Sporting e Estoril entraram, qual a tua opinião?
Nós fomos o clube que sentiu mais essa entrada. No ano passado, parte do Skimboard transferiu-se para o Estoril, e este ano fizeram várias propostas aos nossos melhores atletas. O Miguel Blanco, que teve um comportamento exemplar connosco, foi o primeiro a ser apresentado, mas sabemos que outros se seguirão. A Teresa Bonvalot informou-nos que não resistiu ao chamamento do seu clube do coração (Sporting Clube de Portugal) e vai estar de leão ao peito. Pelas informações que tenho, estes clubes não serão casos únicos.
Mais uma vez é legitimo. Qualquer clube pode criar as secções das modalidades que quiser desde que os seus estatutos o permitam.
O que não devem fazer é mentir às pessoas, criando espectativas que não concretizam. Por exemplo, um clube propôs uma parceria ao Surfing Clube de Portugal que não passou de uma manobra de diversão. Quando reunimos para a concretizar, rapidamente nos apercebemos que a intensão era apenas de utilização das nossas instalações em proveito próprio.
Sabemos também, que há atletas que já foram prejudicados porque mudaram-se a pensar que teriam condições que não se concretizaram.
É a lei do mais forte. Todos os clubes de surfing tradicionais (já não são muitos) têm de se organizar e adaptar à nova realidade sobre a condição de se não o fizerem, rapidamente poderem desaparecer.

Qual achas que poderão ser os benefícios para o surf com a sua entrada?
São grandes clubes com estruturas que podem oferecer para além de uma maior visibilidade, melhores condições financeiras e de apoio ao trabalho do atleta.
Podem vir a dar um peso e importância maior a todos os clubes nas assembleias gerais da Federação Portuguesa de Surf, situação que hoje em dia não acontece. As suas esferas de influência poderão permitir níveis de organização, controlo e dinamização da modalidade superiores.
Em que países do mundo os clubes de futebol entraram no surf para além de Portugal?
Existem no mundo clubes que tem as duas modalidades disponíveis para os seus sócios. O nosso clube chegou a ter uma equipa de futebol nos anos 80 que entrou em vários torneios regionais. Dos clubes mais emblemáticos a nível mundial, só me lembro do Adriano de Sousa ter assinado com o Corinthians em 2012, para treinar na academia e realizar treinos nas piscinas do clube.
Mais recentemente, todos verificaram a aproximação do Gabriel Medina com o Neymar, que esteve em Peniche. Jogadas publicitárias? Talvez…

 

"há atletas que já foram prejudicados porque mudaram-se

a pensar que teriam condições que não se concretizaram".



Consideras como potencial concorrência para os clubes de surf tradicionais que têm vindo a fazer um trabalho de bases no surf nacional?
É obvio. Num país como Portugal, onde a clubite é gritante, estes clubes terão um ascendente sobre todos os atletas que vivem desde crianças o fenómeno do futebol.
Mas não será necessariamente mau. Se as transferências forem reguladas por uma entidade superior, o clube formador poderá usufruir de verbas que lhe permitirão continuar a realizar o seu importante trabalho. Como por exemplo, no futebol o Ronaldo foi transferido para a Juventus e o Sporting voltou a receber por ter sido o principal clube formador.
Deverão ser analisadas, debatidas e aplicadas regras para que os clubes formadores não desapareçam e tudo seja entregue aos privados e grandes clubes, impedindo que jovens como o Ronaldo, sem capacidade financeira para pagar aulas/treinos possam vir a tornar-se estrelas.

Última questão, qual o papel da FPS na ajuda aos clubes de surf tradicionais?
O único apoio que o Surfing Clube de Portugal tem recebido é no pagamento do chefe de juízes e diretor técnico das provas que organiza em parceria com a FPS.

 

"Se as transferências forem reguladas por uma entidade superior,

o clube formador poderá usufruir de verbas

que lhe permitirão continuar a realizar o seu importante trabalho"



Algo mais a dizer?
Sim. Tenho pena que o excelente ano desportivo de 2018 do Surfing Clube de Portugal não tenha sido mais reconhecido e divulgado pelos meios especializados do Surfing. Só quando promovemos a modalidade com atividades formativas ou competitivas, produzindo todos os conteúdos (escritos, fotográficos e registos de vídeo) é que temos visibilidade nestes meios. Os nossos atletas, em representação do clube, ganham etapas e o título da Liga Meo e são apenas apelidados de atletas da linha. O Sporting e o Estoril chegaram ao Surf e têm logo direito a destaque em todos os meios, passando os atletas a ter clube. Uma pena…

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