UMA VOZ QUE VEM DE CARCAVELOS - C.R.C.Q.L - CLUBES DE FUTEBOL NO SURF?
"O Surf tem e terá sempre uma comunidade e um “life style” com o verdadeiro espírito do surf e isso devemos ter sempre presente" - Pedro Pecas Monteiro
A recente entrada do Sporting Clube de Portugal e do Estoril Praia no seio do Surf têm gerado uma certa controvérsia no seio da comunidade.
O Surf tem-se vindo a afirmar de uma forma sólida na sociedade Portuguesa como uma atividade/modo de vida e desporto. De cerca 10,000 praticantes nos anos noventa a quase 700,000 na atualidade (segundo o ultimo estudo efetuado em Portugal), o surf massificou e tornou-se como um nicho de maior interesse para alguns dos grandes players económicos.
A entrada dos Clubes de Futebol no Surf em Portugal já não é novidade. Após a tentativa ténue do S.L.Benfica há cerca de uma década atrás eis que agora, quando o Surf se encontra a caminho das olimpíadas em 2020 (Toquio), entram com uma outra atitude o Sporting e o Estoril Praia. Ambos os Clubes estão inscritos na Federação Portuguesa de Surf e já contam com duas contratações de peso no Surf nacional, Teresa Bonvalot representa neste momento o Sporting Clube de Portugal e Miguel Blanco o Estoril Praia.
Há aqui diversas questões que se colocam, nomeadamente qual o verdadeiro interesse destes players no Surf? Será que vêm apenas para procurar protagonismo numa modalidade que agora tem números interessantes? Será que o ensino do Surf enquanto negócio é uma mais valia para estes novos players? será que vêm organizar eventos megalómanos de surf? ou será que a sua aparição vai ser tão rápida quanto o seu desaparecimento assim que perceberem que o estilo de vida surf é de dificil "match" com o Futebol?
Certo é, nesta nova realidade, que estes clubes se encontram a contratar quadros experientes do surf nacional que os irão ajudar construir a sua entrada o mais forte e direcionada possível no Mundo do Surf.
A Surftotal falou com diversas personalidades que lideram alguns dos principais Clubes de Surf em Portugal, clubes estes que têm vindo a dar um forte contributo na construção das bases do Surf Português.
Entrevista integral de Pedro "Pecas" Monteiro do Centro Recreativo e Cultural Quinta dos Lombos:
Pecas conta-nos como é que tem sido estes últimos 2 anos à frente do Quinta dos Lombos? quais as maiores motivações para encabeçares este projeto?
R: Eu já colaboro com a Secção de Desportos Náuticos, do Centro Recreativo e Cultural da Quinta dos Lombos (CRCQL) desde 1998. No entanto era um grande desejo meu criar um projeto com um verdadeiro conceito de clube de surf, que desenvolvesse várias componentes importantes desta modalidade, e é em 2017 com essa mesma Secção de Desportos Náuticos do CRCQL, que se dá o pontapé de saída deste projeto com o nome de Lombos Praia.
O que me motiva é reencontrar as verdadeiras raízes do surf, estimulando o espírito de comunidade de praia, de surf, e de vivência com o mar, que ultrapassa a simples ida à praia para fazer um treino ou uma aula, mas onde o sócio (alunos, atletas, famílias, etc.) comece a viver uma cultura de surf na sua verdadeira essência. Principalmente proporcionar a quem quer, e não só para quem pode.
Tem sido uma caminhada desafiante implementar este conceito, pois apesar do surf ter tido um crescimento exponencial em Portugal em termos de negócio e escolas, os clubes perderam aqui o seu papel fundamental na formação e representação da modalidade, da comunidade e cultura.
Qual ou quais os principais objetivos de um clube de surf Quinta dos Lombos?
R: Os principais objetivos são a criação de um clube de Surf regido por todos os princípios da modalidade, seja na área da prática desportiva, na área da formação e da competição, na área social, educacional e ambiental, e por fim no lazer e turismo. Queremos captar, formar e desenvolver talentos proporcionando-lhes condições, para que estes atinjam os seus objetivos e representem com orgulho e educação o nosso clube, Lombos Praia, bem como a cultura e o respeito da praia que representam, Carcavelos.
*Pedro "Pecas" Monteiro à esquerda, numa das suas incursões ao apoio da causa Surf adaptado.
"A minha opinião é controversa, para ser franco."
Tem fins lucrativos?
R: O CRCQL tem estatuto de utilidade publica, logo não tem fins lucrativos.
O CRCQL tem várias modalidades, sendo que as principais são o Futsal, o Basquetebol, e o Surf. O Clube tem um Pavilhão Desportivo em Carcavelos (Pavilhão Desportivo dos Lombos), e a Secção de Desportos Náuticos na Praia de Carcavelos – Lombos Praia (Carcavelos Surf Center).
Qual ou quais os maiores desafios porque passa um clube como o Quinta dos Lombos?
R: Os clubes sempre tiveram a necessidade de encontrar as suas lógicas de funcionamento para se conseguirem desenvolver, dependendo muito do espírito de associativismo, e dos subsídios estatais (Camaras, Juntas, etc.), mas devido às dificuldades das vidas familiares, e à sociedade que vivemos hoje em dia, esses são recursos cada vez mais escassos. Com isto, um dos maiores desafios é desenvolver outro tipo de modelos que sejam mais auto subsistentes, e com equipas profissionais sendo que a nossa base não é um negócio mas sim o objeto de carater de clube, ambicionando sempre um trabalho a favor da comunidade e não do proveito próprio.
Outro desafio é trabalhar para que haja uma real mudança de mentalidade em relação à importância dos clubes no panorama do Surf Nacional, como a base indispensável na formação de um atleta.
Sobre a entrada dos clubes de futebol no surf, agora que o Sporting e Estoril entraram, qual a tua opinião?
R: A minha opinião é controversa, para ser franco. Um lado de mim olha para esses clubes como clubes que nada têm a ver com a modalidade, que em nada se identificam com o surf, e que nada contribuíram. E depois destes anos, muitos de nós a lutar por uma lógica de clube, ver um “Golias” entrar e levar os melhores atletas para os seus núcleos, leva-me a pensar que não é justo. Leva-me também a pensar que o único objetivo destes clubes é o interesse que não o da modalidade em si, mas o que a mesma lhes pode dar, seja na imagem que os atletas lhes dão porque o surf agora é “sexy”, porque eles alcançam bons resultados e têm boa imagem, e por fim interesse em vender aulas de surf como mais um negócio, e isso leva-me a questionar as suas verdadeiras intenções.
Por outro lado, libertando o meu lado mais emocional, tento encontrar alguma legitimidade das entradas destes clubes no Surf, pois uma vez que o mesmo é uma modalidade Federativa sob a tutela do IPDJ, sendo inclusive testada nos Jogos Olímpicos já em 2020, entra assim na esfera das modalidades profissionais, com apoios governamentais contruindo assim uma maior visibilidade. Pegando nestes pontos é normal que surjam novos “players” com interesse em agregar o surf como mais uma modalidade nas suas estruturas.
O Surf tem e terá sempre uma comunidade e um “life style” com o verdadeiro espírito do surf e isso devemos ter sempre presente, o qual devemos tentar defender e preservar. Mas o mundo do desporto competição, é um mundo dos clubes, das marcas e da indústria (porque nós próprios o alimentamos), abrindo assim caminhos para que estas situações surjam.
Qual achas que poderão ser os benefícios para o surf com a sua entrada?
R: Existem vários benefícios, como por exemplo o aumento da visibilidade na modalidade do Surf e maior tempo de antena nos meios de comunicação, que poderá beneficiar a indústria e os próprios atletas. Mas, outra vez tentando encontrar pontos positivos para mim como dirigente de um clube de surf, são o contributo para os “standards” que podemos nós próprios atingir numa dinâmica de verdadeira essência de clube. Digamos que a visão que temos de clube de surf passa por tudo aquilo que esses clubes já têm noutras modalidades, com equipas de trabalho profissionais, apoio aos atletas, resultados competitivos, imagem, mediatismo, apoio financeiro, patrocinadores, etc.
Com estas entradas a visão tornar-se-á mais evidente para quem nos apoia, bem como para quem nos representa, como profissional, como atleta, como marca, e sócio/adepto.
Em que países do mundo os clubes de futebol entraram no surf para além de Portugal?
R: Não tenho conhecimento de algum relevante. Penso que ao não existir nada que sobressaia neste panorama a nível mundial, significa que estas situações acabam por não resultar pela essência do surf não estar presente.
Consideras como potencial concorrencia para os clubes de surf tradicionais que têm vindo a fazer um trabalho de bases no surf nacional?
R: Tal como disse, não é uma concorrência justa, mas devemos saber ser competitivo e aproveitar isso como um estímulo para que nos tornarmos mais humildes e profissionais.
"Penso que ao não existirem Clubes de Futebol no Surf no panorama a nível mundial,
significa que estas situações
acabam por não resultar pela essência do surf não estar presente."
Última questão, qual o papel da FPS na ajuda aos clubes de surf tradicionais?
R: A FPS melhorou em vários pontos, tem hoje uma equipa mais profissional, e em termos gerais vejo um trabalho positivo.
A FPS deverá ter uma estratégia melhor delineada que estimule o papel fundamental que os clubes têm na base do desenvolvimento do surf nacional e que promova o seu profissionalismo. Quando isso acontecer, os clubes ganharão mais importância e tornar-se-ão mais fortes, logo menos vulneráveis.
Algo mais a dizer?
No Surf, os clubes “GRANDES” somos nós, e não os grandes clubes de futebol. A nós falta-nos orçamento para termos equipas profissionais, a eles falta-lhes tudo o que nós já temos. Só precisamos de saber aproveitar isso como vantagem e sabermos ser competentes e competitivos.
Como CRCQL – Lombos Praia, temos a consciência do caminho que ainda há por percorrer. Queremos acima de tudo respeitar esse processo, crescendo em estrutura sustentada nas bases que achamos serem as fundamentais no surf e como clube.
O nosso Mote:
“Acreditamos no Surf, em Valores, na Amizade, nos Sorrisos, Respeito e Compromisso. Acreditamos que Juntos somos mais Fortes”