UMA VOZ QUE VEM DA ERICEIRA- E.S.C- CLUBES DE FUTEBOL NO SURF?
"O Sporting, por exemplo, poderá sempre investir numa piscina de ondas, em Alcochete. Têm certamente espaço e milhões para o fazerem". Miguel Barata de Almeida
A recente entrada do Sporting Clube de Portugal e do Estoril Praia no seio do Surf têm gerado uma certa controvérsia no seio da comunidade.
O Surf tem-se vindo a afirmar de uma forma sólida na sociedade Portuguesa como uma atividade/modo de vida e desporto. De cerca 10,000 praticantes nos anos noventa a quase 700,000 na atualidade (segundo o ultimo estudo efetuado em Portugal), o surf massificou e tornou-se como um nicho de maior interesse para alguns dos grandes players económicos.
A entrada dos Clubes de Futebol no Surf em Portugal já não é novidade. Após a tentativa ténue do S.L.Benfica há cerca de uma década atrás eis que agora, quando o Surf se encontra a caminho das olimpíadas em 2020 (Toquio), entram com uma outra atitude o Sporting e o Estoril Praia. Ambos os Clubes estão inscritos na Federação Portuguesa de Surf e já contam com duas contratações de peso no Surf nacional, Teresa Bonvalot representa neste momento o Sporting Clube de Portugal e Miguel Blanco o Estoril Praia.
Há aqui diversas questões que se colocam, nomeadamente qual o verdadeiro interesse destes players no Surf? Será que vêm apenas para procurar protagonismo numa modalidade que agora tem números interessantes? Será que o ensino do Surf enquanto negócio é uma mais valia para estes novos players? será que vêm organizar eventos megalómanos de surf? ou será que a sua aparição vai ser tão rápida quanto o seu desaparecimento assim que perceberem que o estilo de vida surf é de dificil "match" com o Futebol?
Certo é, nesta nova realidade, que estes clubes se encontram a contratar quadros experientes do surf nacional que os irão ajudar construir a sua entrada o mais forte e direcionada possível no Mundo do Surf.
A Surftotal falou com diversas personalidades que lideram alguns dos principais Clubes de Surf em Portugal, clubes estes que têm vindo a dar um forte contributo na construção das bases do Surf Português.
Entrevista integral de Miguel Barata de Almeida, Presidente do Ericeira Surf Clube(E.S.C.):
Miguel conta-nos como é que tem sido estes ultimos 2 anos à frente do Ericeira SC.? quais as maiores motivações para encabeçares este projeto?
Estes dois últimos anos têm sido bastante trabalhosos e gratificantes, na organização do clube, no desafio de cerca de 18 eventos anuais, em que se destaca claramente a organização da Taça de Portugal de Surfing, com toda a logística e meios financeiros envolvidos, para poder fazer face aos mais variados gastos. O momento mais alto destes dois últimos anos, foi sem dúvida a vitória colectiva da Taça de Portugal de Surfing em 2018. Vencemos, convencemos, fomos solidários e muito crentes.
A principal motivação é poder ao lado dos jovens atletas e praticantes no apoio ao seu crescimento desportivo e individual, dinamizando variados mecanismos e procurando estar sempre presente. Em 2018 fomos o Clube com mais federados na FPS, o que por si só é indicativo do enorme crescimento que o Surfing tem tido na nossa região.
Qual ou quais os principais objetivos de um clube de surf como a Ericeira SC.?
Embora tenhamos alterado os nossos Estatutos e introduzido um Regulamento Interno em 2017, a promoção e organização de eventos de surfing de competição e outros dedicados à comunidade, continua a ser o principal objectivo do Clube, embora gostasse muito de ver a nossa Escola de Formação a ter um crescimento que pudesse proporcionar o aparecimento de novos valores e um outro desafogo financeiro que poderia ser investido em infraestruturas e nos Atletas.
*Miguel Barata de Almeida à direita com dois atletas que participaram numa prova organizada pelo Ericeira Surf Clube.
"Os Clubes de Futebol, são clubes sem qualquer vocação marítima,
não irão ajudar no crescimento da modalidade."
Tem fins lucrativos?
O Ericeira Surf Clube é uma Associação sem fins lucrativos.
Qual ou quais os maiores desafios porque passa um clube como a Ericeira SC.?
Face ao enorme crescimento que o fenómeno do Surfing tem tido nos últimos anos, em que por exemplo na Ericeira, e arredores, existem cerca de 1.000 Alojamentos dedicados ao Surf, mais de 30 Escolas de Surf Licenciadas, praias lotadas no Verão será sempre procurar um ponto de equilíbrio, mantendo sempre a nossa dignidade e trabalhando em prol da comunidade.
Para que possam ter uma ideia, neste momento enquanto preparamos a nova época desportiva e de eventos, estamos, em conjunto com a grande maioria das Escolas de Surf da Ericeira, a procurar encontrar um ponto de equilíbrio, praia a praia no sentido de serem criadas regras que procurem ir ao encontro do desejo da maioria dos intervenientes, e ainda prestes a iniciar um Projecto em conjunto com a C.M. Mafra e os Agrupamentos de Escolas do Concelho.
Sobre a entrada dos clubes de futebol no surf, agora que o Sporting e Estoril entraram, qual a tua opinião?
Tenho estado a procurar amadurecer uma opinião mais formada em relação a este assunto e tenho muitas reservas sobre a sua actuação. São clubes sem qualquer vocação marítima, não irão ajudar no crescimento da modalidade. Devem querer ainda mais visibilidade. Cada um deverá estar ligado às suas modalidades tradicionais. Espero que esta entrada não seja mais do que apoio financeiro a 1 ou 2 atletas e que fiquem longe de nós.
Qual achas que poderão ser os benefícios para o surf com a sua entrada?
Só vejo benefícios ao nível da criação de infra-estruturas. O Sporting, por exemplo, poderá sempre investir numa piscina de ondas, em Alcochete. Têm certamente espaço e milhões para o fazerem. Aliviavam as nossas praias e spots, e seria certamente uma boa solução para muitos dias do ano em que o mar não se encontre nas melhores condições.
Em que países do mundo os clubes de futebol entraram no surf para além de Portugal?
Desconheço por completo, mas julgo que nenhum Clube de Futebol pretenda dedicar-se ao surf. É completamente fora do seu core natural e acredito que se mantenham afastados.
Consideras como potencial concorrência para os clubes de surf tradicionais que têm vindo a fazer um trabalho de bases no surf nacional?
Concorrência desleal a partir do momento em que poderão oferecer salários e outros meios que nós não poderemos oferecer. Não que os Clubes não o quisessem fazer, mas as mais de 300 Escolas de Surf e Treinadores Privados, retiram a possibilidade dos Clubes se puderem organizar e tentar proporcionar condições financeiras necessárias para o desenvolvimento das suas carreiras desportivas. Para além disso, qualquer atleta poderá mudar de Clube anualmente sem que existam quaisquer entraves. Muitas vezes escolhem os Clubes devido aos seus planos de treino. Agora imagine-se se lhes acenam com outras condições. Nós aceitamos todos aqueles que queiram estar no nosso Clube. Não os escolhemos como certamente estarão a fazer os referidos clubes.
"Nós aceitamos todos aqueles que queiram estar no nosso Clube.
Não os escolhemos como certamente estarão a fazer os referidos clubes."
Ultima questão, qual o papel da FPS na ajuda aos clubes de surf tradicionais?
Embora continue a acreditar que na FPS existem pessoas com bons princípios, não deixo de ficar triste por algumas situações estruturais não venham a ser resolvidas como desejaríamos. A Federação são os Clubes. Jamais poderemos ter uma Federação entregue a interesses privados e a comunicar muito mal com os Clubes. A FPS tem a obrigação de chamar a si os Clubes e não os Projetos Privados e Individuais. Os Clubes também têm de ser diferenciados. Não podemos ter Clubes com mais de 100 Federados a serem tratados da mesma forma que um, com apenas dois ou três federados. Não podemos ter na Federação mais de 300 escolas e apenas 80 Clubes, em que somente 10/20 é que se manifestam como Clubes.
Também sei ser justo e afirmar que a FPS apoia alguns eventos através do pagamento total ou parcial do Staff Técnico, e em verbas nos escalões de Formação.
Algo mais a dizer?
Temos excelentes exemplos de projectos de Clubes que estão a vingar, fruto de muita entrega e dinamismo dos seus intervenientes. Não será a entrada destes clubes de futebol que nos irá impedir de executar os nossos planos de atividade e objetivos.