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SRI LANKA UM PARAÍSO POR DESCOBRIR
João "Flecha" Meneses esteve no Sri Lanka e descreve-nos a sua maravilhosa perspectiva.
"Marik Farm – 282 mil refugiados, em 2009. O mundo soube disso? Nós surfistas, soubemos disso, enquanto planeávamos viagens pelo mundo, sonhando com as ondas do Sri Lanka?"
SRI LANKA UM PARAÍSO POR DESCOBRIR:
O fundo de coral é afiado e corta-me os pés nas saídas e entradas na maré vazia, contrastando com a onda suave, divertida, duas a três manobras e acaba no canal, onde só eu remo de volta! Há 4 dias que aqui estou e o ritual é sempre o mesmo. Duas horas de surf antes do pequeno-almoço, seguido de uma boleia de rickshaw para surfar ondas vizinhas, um passeio de final de tarde por templos budistas e aldeias do interior abrigadas de tsunamis, quintas de chá/museus vivos deixados pelos ingleses, fortalezas portuguesas com igrejas holandesas e, por fim, volto à onda solitária, em frente ao jardim da guest house colonial. Estamos juntos por mais uma hora até à última luz do sol, segue-se o jantar, o corpo descansa dentro da rede de mosquitos e volta a acordar com o dia ainda vestido de ramelas. E o ritual repete-se!
A viagem ao Sri Lanka estava a ser uma agradável surpresa, não ia com grandes expectativas, com a off season para Arungam bay, de antemão sabia que o surf seria na costa sudoeste, um pouco abaixo de Colombo, onde predominam a maioria dos hotéis, mas onde ainda há muito por explorar. Estes dias seriam apenas um descanso da Índia, onde estaria em cidades mais pequenas e praias menos poluídas, não ia pelas ondas e por isso fui surpreendido com tantas horas dentro de água.
O Sri Lanka aos olhos de um turista vive em paz! E de facto vive. E é seguro para qualquer visitante! Contudo, se estivermos mais informados, deparamo-nos com uma guerra silenciosa… muitas pessoas desaparecidas, muitas feridas abertas entre a população, muitos exilados. O fim da guerra trouxe prosperidade para alguns, morte pobreza e exílio para outros. Em 2009, com o mundo a fechar os olhos, deu-se a batalha sangrenta entre os Tigres Tamil e as tropas Governamentais. Não foi bem uma batalha, foram crimes de guerra! De um lado o exército lançou bombas indiscriminadamente sobre civis, do outro lado também os generais dos Tigres Tamil utilizaram pessoas como escudos humanos, encurralando milhares de inocentes, entre eles, muitas crianças.
Há livros que te atravessam no caminho. Still Counting The Dead/Survivors of Sri lanka´s Hidden War, da jornalista Frances Harrison, ali estava, numa pequena estante na loja do aeroporto de Bangalore, Índia, quando faltavam 10 minutos para embarcar para o Sri lanka. Podia optar por outros livros, mas aquele escolheu-me. Ficaria fechado durante toda a minha estadia no antigo Ceilão. Assim que o abrisse, mergulharia num Sri Lanka triste, raivoso, com feridas internas, longe do paraíso que descobrira. Mesmo assim, jamais me arrependo de o ter comprado e lido de uma forma sôfrega. Aprendi que o parecer às vezes não é. E no mundo do turismo, os bonés com palas laterais, não nos deixam olhar o mundo real.
Hoje penso que fui egoísta, quis mergulhar no lado paradisíaco do Sri Lanka, não quis aprofundar sobre os meandros do fim da guerra civil entre os Tamil e os Sinhaleses.
Marik Farm – 282 mil refugiados, em 2009. O mundo soube disso? Nós surfistas, soubemos disso, enquanto planeávamos viagens pelo mundo, sonhando com as ondas do Sri Lanka?
Nas guerras cometem-se erros. Danos colaterais, melhor dizendo de uma forma cínica e militarista, que vão custando vidas de inocentes. Podemos tentar encontrar justificação para muitos actos irreflectidos em que uma situação de guerra coloca os seres humanos, mas não podemos perdoar torturas, violações de mulheres, raptos e outras atrocidades.
Ondas perfeitas, Paz e água quente. O antigo Ceilão segue no caminho certo, já se abriu ao mundo e hoje em dia é um destino quase obrigatório na rota do surf. Dizem que quer ultrapassar Bali no número de turistas. A qualidade das ondas para surfistas iniciados e intermédios, aliada a belas praias, reservas naturais com animais selvagens, templos hindus e budistas, igrejas cristãs, belas fortificações portuguesas e, mais recentemente, com o final da guerra e a construção de novas vias de transporte, contribuem determinantemente para a transformação desta ilha num paraíso turístico. Sabendo ainda que é um país seguro, tanto para o mochileiro aventureiro como para famílias com crianças.
Mas a história já nos ensinou que as desigualdades e as injustiças transmitidas de geração em geração são motor de ódio entre os povos e que com o combustível certo incendeiam qualquer paraíso. Espero que a Paz no Sri Lanka tenha vindo para ficar. Que não fique alicerçada em pilares de areia seca… O que será de uma criança que assistiu ao assassinato de um pai e soube da violação da sua mãe? Poderá lutar pelas palavras! Sim! Porém, sabemos que o desejo de vingança pode cegar o coração mais puro, utilizando métodos mais radicais do que simples palavras, mergulhadas em dor e razão…
Nós, surfistas, que vamos à frente, desbravando caminho na procura de praias desertas e do conhecimento das comunidades locais, que involuntariamente (ou não) contribuímos para o desenvolvimento de regiões pobres, abandonadas pelo mundo mas ricas em ondas. Nós, surfistas, com cada vez mais peso nas economias de países que dependem do turismo de mar, temos a obrigação e também o poder para questionarmos sobre os Direitos Humanos dos locais para onde viajamos, pressionando governantes e outras entidades a investigarem o que o mundo não quer ver.
Com esse mesmo mundo corrompido, em que a palavra vale tão pouco, saber utilizar esse poder exige mais coragem do que surfar qualquer onda que nos intimide!
João “Flecha” Meneses
"Um mundo novo todos nós queremos, que tenha tudo de novo e nada de mundo"
Mia Couto
- Créditos fotos: Joana Dâmaso