*Por Pedro Quadros

"Será a porta para finalmente chegarem aos patrocínios mais lucrativos

provenientes das marcas exteriores ao surf e para acelerarem os seus próprios negócios..."

Na semana passada o John John Florence(JJF) informou-nos (via Instagram) de que se ia retirar do Margaret River Pro devido a uma lesão num joelho ocorrida na finalização de uma onda no seu heat dos oitavos de final. Nestes casos, como é habitual, lamentamos e desejamos uma rápida e sólida recuperação ao surfista. E a maior parte de nós fica por aqui.

No entanto, não fui o único a achar algo curioso naquela publicação – a referência específica aos Jogos Olímpicos. O “habitual” seria ele afirmar esperar estar recuperado a tempo de chegar a 1 Setembro no Top 5 do Men´s Championship Tour , afinal o principal circuito de surf competitivo no mundo. Mas não o fez. Em vez disso referiu a sua preocupação com os “Jogos Olímpicos a chegar neste verão”, não mencionando nada acerca das suas expectativas no Tour (pelo menos que eu saiba neste momento).

Para se entender melhor do que aqui se fala é necessário ter em atenção que neste momento JJF está no Top 5 do ranking da World Surf League, classificação que, se conseguir manter até 1 de Setembro, permitir-lhe-á disputar a Rip Curl WSL Finals a realizar em Trestles, Califórnia, de 8 a 17 Setembro.

No formato 2021 do Men´s Championship Tour, o Campeão do Mundo será definido nesta última prova aberta exclusivamente aos surfistas do Top 5 da WSL (a pontuação que os competidores forem amealhando até lá dá-lhes o direito a participar deste último evento, em que o contador de pontos é recolocado a zero).  Ora, ele retirou-se já nos 8avos de final – se conseguisse avançar aumentaria as suas hipóteses de alcançar o Top 5 (a nota  10 colocava-o como um dos favoritos à vitória naquele evento e depois do Medina ter sido eliminado). Estimando que o tipo de lesão anunciado demorará bastante tempo a sarar, é possível que o JJF falte aos próximos eventos, reduzindo ou mesmo eliminando as hipóteses de vir ser Campeão do Mundo em 2021.

"Sou um daqueles para quem a ideia do surf nos Jogos Olimpicos

é desconfortável..."

Mas há mais – graças ao Ranking do World Tour de 2019 o John John Florence já  terá o seu lugar assegurado  na equipa norte-americana que vai aos Jogos Olímpicos de Tóquio, a realizar de 23 Julho a 8 de Agosto.  Com este anúncio, ele junta-se ao outro surfista norte-americano que supostamente também terá o seu lugar garantido em Tóquio, o Kolohe Andino, que antes da actual perna australiana do Tour tinha anunciado estar lesionado no tornozelo, o que o levou a suspender a competição. Nota : no momento em que escrevo parece haver ainda alguma confusão sobre a forma como os surfistas do WT da WSL se podem classificar para os JOs. Há rumores insistentes acerca da pressão por parte da International Surfing Association (ISA) para que os surfistas do WT estejam presentes nos World  Surfing  Games em San Salvador, de 29 Maio a 6 Junho, o que obrigaria os surfistas a verdadeiras maratonas intercontinentais, com a agravante de muitos países ainda estarem com situações sanitárias preocupantes.

E aqui entra também o Kelly, que neste momento não está seleccionado para a equipa olímpica, por ter ficado com a 3º posição entre os surfistas norte-americanos. Mas ainda pode vir a ser chamado se um daqueles dois tiver uma lesão que impossibilite a presença dele. Por coincidência, também ele suspendeu a competição devido a uma série de lesões : em ambos os tornozelos, na anca direita e ainda está a recuperar da fratura do pé direito.

Assim, neste momento todos os surfistas norte-americanos com maior possibilidade de ir aos JOs suspenderam a competição no World Tour, o que leva à impossibilidade de chegarem  ao Top 5 em Setembro - para o Kolohe e Kelly diria que a impossibilidade é quase certa, para o John John muito provável.

Atrevo-me a especular – serão as lesões explicações para estes três se pouparem, recuperarem e dedicarem-se a preparar para os Jogos Olimpicos, em detrimento do World Tour 2021 ?

O que seria compreensível – o primeiro (e primeira) surfista a obter a medalha de ouro nos JOs ficará com o seu nome inscrito na história dos JOs e do surf.  Um resultado destes no evento desportivo de maior dimensão mundial e com mais público, ainda por cima um público global, catapultará esses dois vencedores para um outro patamar de notoriedade e reconhecimento, impossível de alcançar no mundo estreito do surf.

"O primeiro medalha de ouro masculino.

Por ser o melhor surfista competitivo de sempre..."

Será a porta para finalmente chegarem aos patrocínios mais lucrativos provindos das marcas exteriores ao surf e para acelerarem os seus próprios negócios - o John John possui a Florence Marine X,  o Kelly a Outerknown e a Kelly Slater Wave Company (e outros negócios virão).

Seguirei o surf nos Jogos Olimpicos mais com curiosidade do que com interesse ou paixão. Sou um daqueles para quem a ideia do surf nos Jogos Olimpicos é desconfortável pois não tem nada a ver com o que procuro no surf : divertimento,  ar livre, viagens, amizades. Embora compreenda que para muitos fans que vêem o surf como desporto e principalmente para os surfistas profissionais, o surf ser considerado um desporto olímpico seja um motivo de conquista e orgulho. Estou curioso em perceber qual será a reacção do público não surfista, pela imagem que se passará do surf num evento que o projecta para novos públicos.

Embora não me preocupe muito por quem ganhará medalhas, gostava muito que o Kelly Slater fosse (seja ?) o primeiro medalha de ouro masculino. Por ser o melhor surfista competitivo de sempre, por ter sido e continuar a ser um excelente embaixador do surf, por tantas inovações que tem trazido para o surf. E quanto às mulheres?  Gostava também muito que fosse a Stephanie Gilmore, por ter um dos estilos de surf mais bonitos (que coloco à altura de um Curren, enfim quase lá) e pela postura do sorriso e boa disposição permanentes, o que faz dela uma excelente embaixadora do surf, particularmente do surf feminino.

Afinal de contas, se o surf vai-se apresentar nesta montra gigantesca ao menos que mostre os melhores praticantes.