Ela surfa melhor que tu... !

“Lisa Andersen surfa melhor do que tu” , título de uma das capas de revista mais marcante da história do surf

 

*Por Pedro Quadros

 

Em 1996, numa altura em que o surf era ainda mais dominado por homens do que é hoje, a Surfer Magazine, a revista de surf mais influente, escolheu para a capa a frase “Lisa Andersen surfs better than you”, que acompanhava a foto dela a fazer um “aerial off-the-lip” .

Pode-se defender que o surf profissional  feminino tem duas grandes fases , o antes e o depois da Lisa Andersen. Campeã do mundo quatro anos seguidos, de 1994 a 1997, e dona de um surf tão poderoso como elegante, ao demonstrar que uma mulher podia surfar melhor do que a grande maioria dos homens, tornou-se na face do surf feminino num momento crucial em que este começou a crescer de modo sustentado. Se isto hoje é uma evidência incontestável, e o surf feminino merecidamente respeitado, muito se deve a ela.

 

 

Aos 16 anos foge de casa para ser a surfista número 1 do mundo:

Nascida em 1969, começou a  surfar aos 13 anos na Flórida, impelida pela rebelião típica da adolescência  – “Eu comecei a surfar logo após os meus pais terem-me afirmado que não poderia fazê-lo”. 

Foi aprendendo a surfar lendo e analisando as fotos das revistas de surf. Aos 16 anos, após ter visto o pai, num ataque de raiva, possivelmente embriagado, ao saltos em cima da sua prancha, destruindo-a irremediavelmente, e de ter estado detida durante nove dias por ter sido acusada de roubo de uma motocicleta, reuniu as suas parcas poupanças e os seus bens mais queridos e comprou um bilhete de ida para a Califórnia. Debaixo de uma almofada deixou à mãe uma folha de papel : “Não sou uma má pessoa. Não cometi nenhum crime e não deixo que me tratem deste modo. Vou-me embora para ser a surfista número 1 do mundo”.

Foi para Huntington Beach, a sul de Los Angeles, considerada a “Meca” do surf mundial, onde estavam sedeadas as maiores marcas de surf bem como as principais revistas de surf. Passou por muitas dificuldades, trabalhou em tempo parcial em restaurantes, muitas vezes teve de dormir na praia. 

 

Aos 17 anos, tornou-se surfista profissional:

Em 1986, aos 17 anos, tornou-se surfista profissional após resultados promissores em campeonatos amadores (na altura havia uma distinção clara entre competições amadoras e profissionais). Foi alcançando vários pequenos patrocínios, até que finalmente foi descoberta pela Quiksilver, a  maior marca de surf nos Estados Unidos.

Ambicionando surfar como Tom Curren (Campeão Mundial em 1985, 1986 e 1990, reconhecido ainda hoje como “mestre do estilo”), foi desenvolvendo uma técnica de surf própria, descrita pelo Matt Warshaw, na sua The Encyclopedia of Surfing, como “dirigindo e focando a sua velocidade melhor do que qualquer outra mulher antes dela, de modo a conseguir aplicar o máximo de energia nas suas manobras”.

 

 

Aplicando o máximo de energia nas suas manobras. foto: Roxy

 

A competir para ser a No. 1, grávida da primeira filha:

 

Embora já fosse vista como uma surfista com potencial para ser campeã do mundo, os resultados competitivos mantinham-se modestos , muito por falta de auto-confiança.

Hoje afirma que foi a maternidade que a ajudou a dar o ímpeto tão ambicionado ao seu desempenho competitivo. Em 1993, a Lisa fez algo inédito até hoje no surf profissional, continuou a surfar e a competir até aos seis meses de gravidez, conseguindo mesmo concluir o ano no nono lugar do circuito mundial. E cinco semanas após ter dado à luz já estava de volta, tendo chegado à final de uma competição.  Esta motivação de ter uma filha a depender dela impeliu-a para o seu primeiro título mundial em 1994 bem como para o domínio do circuito feminino durante quatro anos seguidos, até 1997. A sua filha, Erica, acompanhava-a pelas etapas do circuito mundial.

1996 é o ano do pico do seu sucesso, tendo começado logo  com a famosa capa da Surfer, já referida. Os media desportivos, como a revista Outside, revelam-na como combinação de talento, beleza e de uma história de vida inspiradora. 

 

Lisa e Erica no pódio numa competição na França. Foto: Jeff Hornbaker

 

Contributo decisivo para o relançamento da imagem do surf feminino:

Em 1998 vê-se obrigada a interromper a sua participação no circuito mundial devido às dores por causa de uma lesão nas costas que já vinha a afligi-la há anos. Em 2000 ainda regressou à competição, conseguindo o quinto lugar mundial. Mas em 2001, com o nascimento do seu filho, Mason (fruto de uma relação fugaz), iniciou o seu processo de abandono da carreira competitiva. Consumado em 2003, quando não conseguiu qualificar-se para o circuito mundial desse ano, que passou a ser dominado pela Layne Beachley, que viria a ser sete vezes campeã do mundo.

 A Lisa, para além de ter contribuído decisivamente para colocar o surf feminino num patamar técnico mais alto, teve também um papel essencial no relançamento da imagem do surf feminino, pois para além da combinação já referida entre beleza e desempenho técnico, foi a cara do lançamento da primeira grande marca de surf orientada exclusivamente para mulheres, a Roxy (pertencente à Quiksilver). De salientar que o seu contributo foi essencial para o desenho de um novo tipo de calções, específicos para mulheres surfistas, que para além do conforto lhes permitia uma alternativa mais discreta ao bikini. 

Hoje ela reconhece o papel essencial que o surf teve na sua vida, ao levá-la de uma adolescência difícil a uma vida repleta de sucessos, como ela afirma : “o surf salvou-me”.

 

 

 Dirigindo e focando a sua velocidade melhor do que qualquer outra mulher antes dela

 

 

 

Trailer do filme biográfico TROUBLE: The Lisa Andersen Story:

 

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