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O surf começa depois dos 40
Deixamos de evoluir tecnicamente mas consolidamos o que aprendemos no passado...
"Como diz Kelly Slater é na leitura da onda que ganhamos vantagem,
a maturidade dá-nos esse atributo..."
Bernardo Seabra o autor desta crónica prepara-se para interagir com a natureza no seu estado mais puro.
Na juventude somos imortais e como dizia o meu querido pai nas suas dolorosas memórias durante a guerra colonial “o corpo humano é fascinante, aguenta quase tudo”.
Através do surf conseguimos perceber essa sua sentença militar, recordo as inesperadas quedas no coral, os pontos na cara, os ferimentos da quilha, as desidratações, o material inapropriado, o jejum prolongado, a falta de alongamentos, os drops inconscientes, as entradas perigosas, as ressacas, as manobras arriscadas.
Ele está certo, em jovem apesar dos imprevistos sobrevivemos a quase tudo.
"apesar disso surfar depois dos 40 traz alguns dissabores,
começamos a tratar a lombar e cervical por tu..."
A verdade é que começamos a surfar sem saber as verdadeiras razões do bem que nos faz, é só depois dos 40 que tomamos consciência disso mesmo, passamos a ser nós a escolher o surf em detrimento do afortunado acaso do surf ter chegado a nós.
Mas apesar disso surfar depois dos 40 traz alguns dissabores, começamos a tratar a lombar e cervical por tu, é um convívio penoso com as articulações e é estar em alerta para as visitas mais frequentes e prolongadas das malditas lesões, a tal manobra arriscada ou o drop inconsciente deixam de fazer parte do menu.
Por outro lado valorizamos um dia menos conseguido de surf, o sentido de afirmação já há muito que se foi embora, a consciência da escassez do tempo transforma-se em gratidão, surfar bem ou mal já não é o mais importante, o manifesto da paixão vem pelo aceitar o que a natureza nos dá.
"não vão explodir três manobras de seguida,
mas a execução duma manobra só será certamente
mais intensa e profunda..."
Deixamos de evoluir tecnicamente mas consolidamos o que aprendemos no passado, não vão explodir três manobras de seguida mas a execução duma manobra só será certamente mais intensa e profunda.
E como diz Kelly Slater é na leitura da onda que ganhamos vantagem, a maturidade dá-nos esse atributo, ele confessa que parte do seu sucesso profissional depois dos 40 veio do conhecimento do mar, a arte de prever a imprevisibilidade da onda.
O importante é continuar a sonhar com paixão e resiliência e acreditar que o fascínio do corpo jovem descrito pelo meu pai deixou de ter idade. É esse espírito através do surf que devemos manter, apesar das mazelas alimentar sempre a ilusão e o sonho de que a melhor onda ainda está para vir.
texto: Bernardo “Giló” Seabra