A última onda de Mark Foo, Mavericks, 23 de Dezembro de 1994  A última onda de Mark Foo, Mavericks, 23 de Dezembro de 1994 Foto: Doug Acton sexta-feira, 28 janeiro 2022 17:19

A surfar uma onda monstruosa – esta seria uma belíssima maneira de morrer !

 O facto de hoje em dia o surf de ondas grandes e sítios como a Nazaré serem fenómenos de sucesso mediático mundial muito se deve a Mark Foo...

 

 

 

A última onda de Mark Foo, Mavericks, 23 de Dezembro de 1994  – Foto: Doug Acton

Por Pedro Quadros

 

“A surfar uma onda monstruosa – esta seria uma belíssima maneira de morrer !” *

 

Mark Foo, 1958-1994

 

*“To go out surfing a monster wave – that would be a glamorous way to die”

 

 

 

"O facto de hoje em dia o surf de ondas grandes e sítios como a Nazaré

 

serem fenómenos de sucesso mediático mundial

 

muito se deve a Mark Foo..."

 

 

 

O facto de hoje em dia o surf de ondas grandes e sítios como a Nazaré serem fenómenos de sucesso mediático mundial muito se deve a Mark Foo. Em meados dos anos 80, numa altura em que o surf de ondas grandes era praticado apenas por um pequeno grupo de surfistas marginais e focado quase que exclusivamente no North Shore (costa norte da ilha de Oahu, Hawaii), este surfista havaiano foi o primeiro a perceber o enorme poder mediático e de marketing que o surf de ondas grandes poderia ter.

Em meados dos anos 80, quando o surfista ainda era muito visto como o vadio da praia (“beach bum”), Foo considerava-se a si próprio como o surfista-atleta, comportando-se com uma atitude profissional em tudo na sua vida. Muitíssimo cuidadoso com a sua imagem, sempre aprumada, estava sempre disponível para os fotógrafos e jornalistas de surf.

Foi-se envolvendo na indústria do surf, consolidando-se como um pensador do surf, escrevendo artigos e crónicas para jornais de informação geral, colocando-se como comentador de campeonatos de surf televisionados. Um dos seus talentos era a construção de certas sentenças bem apontadas, como esta, “Se queres ter sucesso no surf, tens de surfar ondas grandes” ** .

**“ If you want to make it big, you have to surf big waves”

Mark Foo, modelo do surfista profissional

 

Fruto de muito trabalho e dedicação, foi-se tornando mais confortável em ondas grandes, embora fosse uma pessoa calma e tranquila, muito longe da caricatura do excitado por sensações fortes (“thrill-seeker”), tão habitual para descrever os surfistas de ondas grandes.

Contrastando com a sua dedicação à saúde e forma física conseguiu um patrocínio de uma marca de cervejas, a Michelob.

Gradualmente vai-se introduzindo no mundo fechado dos surfistas de ondas grandes havaianos, não sem levantar ondas entre os estabelecidos. È lendária a intensa rivalidade com Ken Bradshaw , transplantado do Texas para o Hawaii, passando do futebol americano para o surf de ondas grandes, e que se considerava a si próprio como o “Sheriff” das ondas do North Shore. Esta rivalidade era tão dura que conta-se que um dia de ondas grandes na praia de Sunset, Bradshaw enraivecido por o Foo ter arrancado numa onda que ele entendia que devia ter sido dele, teria surpreendido o Foo ainda dentro de água, deitando-o abaixo da prancha, puxando a prancha e partindo os 3 fins com a palma da mão. Conta-se ainda que o Bradshaw  terá mesmo arrancado com os dentes um pedaço do rail da prancha de Foo.

 

Ken Bradshaw, o “Sheriff” do North Shore

 

 

 

"Tens de nos deixar ir. Eddie iria..."

 

 

 

Afirma-se finalmente como um dos melhores surfistas de ondas grandes na famosa ondulação na Baía de Waimea, de 19 de Janeiro de 1985, em que ele e um punhado de surfistas foram atingidos por uma onda “close-out” de 70 pés (mais de 25 metros). Tendo sido o único ainda com prancha, recusou várias vezes ser resgatado pelo helicóptero da Guarda Costeira.  Queria sair do mar a surfar, não numa cesta. No set seguinte, com uma pequena multidão na praia a assistir, enfrentou a onda maior. Ao tentar arrancar nessa onda gigante, foi atirado pelo lip em queda livre, mas conseguindo mesmo no ar manter-se em cima da prancha como se estivesse a dropá-la. Caiu, partiu a prancha em vários bocados, e finalmente aceitou ser resgatado pelo helicoptero. Mas a foto deste drop correu o mundo, estabelecendo a sua posição como um dos surfistas com maior projecção mediática, já fora do mundo restrito das ondas grandes.

Passa a ser convidado para o Quiksilver Eddie Aikau, o principal (e único…) campeonato anual de ondas grandes, realizado na Baía de Waimea, desde que as condições estivessem consistentes durante um dia inteiro, o tempo indispensável para se poder realizar o campeonato. Como este local é muito inconsistente, só se tem realizado 9 vezes desde 1984. Aqui também o Foo conseguiu deixar a sua marca -  num ano em que se estava a decidir se haveria condições para realizar o evento, Foo estava tão entusiasmado e impaciente que, ao insistir com a director da prova (George Downing, lenda havaiana das ondas grandes) , e na presença de jornalistas, proferiu uma das sentenças mais conhecidas do  mundo do surf – “Tens de nos deixar ir [nestas condições de mar]. Eddie iria”***

***”Eddie would go” [referência ao Eddie Aikau, célebre surfista havaiano , salva-vidas da Baía de Waimea, que morreu num esforço para salvar companheiros]

 

 

 "É necessário ser-se uma pessoa especial para surfar uma onda de 35 pés.

 

Alguém com vontade de assumir os riscos

 

que acompanham as sensações de excitação supremas..."

 

 

 

Foo escreveu o que se pode considerar como o manifesto do surf nas ondas gigantes – The Unridden Realm**** – publicado no número de Setembro de 1990 da revista Surfer. Neste texto, ele proclamava que “O domínio não conquistado [The Unridden Realm] existe nos piores pesadelos da maioria dos surfistas. Embora para alguns seja  fonte de desejos e aspirações (..) Ondas de 35-pés-plus (acima de 18/20 metros). É o que chamamos “domínio não conquistado”. Uma onda destas envolve forças com tanto tamanho e energia, que ninguém tem conseguido surfar uma com sucesso”.

Prossegue, “(..)O que os não-iniciados nunca entenderão é que não estamos a lidar com altura linear. Estamos a lidar com energia. Energia, volume e velocidade (..) Dado que é impossível comunicar a diferença entre uma onda normal e uma onda deste domínio devemos olhar para as semelhanças. (..)Quando o terço superior de uma onda de 30 pés (10/12 metros) começa a inclinar-se para a frente, estamos a falar  em algo como como o volume de água de uma onda de 10-12 pés (3-4 metros) tornando-se o lip da onda. (..) Isso significa que para se surfar com sucesso uma onda acima de 35 pés, o surfista teria de estar já a descer um terço da onda no momento em que a onda se levantar para fechar.”

Afirma ainda que “(..) É necessário ser-se uma pessoa especial para surfar uma onda de 35 pés. Alguém com vontade de assumir os riscos que acompanham as sensações de excitação supremas. Essa pessoa terá de aceitar sacrifícios e paciência. Terá de estar totalmente confiante e familiarizado com o seu equipamento.”

Finaliza, proclamando que “(..) Algum dia, alguém há de ultrapassar e apoderar-se de um destes ídolos etéreos de 35 pés. Quando isso acontecer, as coisas não irão realmente mudar. Apenas se empurrará a fasquia para uma marca mais alta. A verdade é que o domínio não dominado estará lá para sempre” (“The truth is,the unridden realm will be there forever”).

****”O domínio não conquistado” [numa tradução muito fraca, tal é a força do título]

 

 

 " Se procuras o supremo prazer,

 

tens de estar disposto a pagar o preço supremo"

 

 

Foo e Bradshaw, após terem feito a paz entre ambos, desenvolvem um grande companheirismo, tornando-se ambos  pioneiros do surf de ondas grandes rebocado ao usarem um barco Zodiac para rebocar uma prancha de surf de ondas grande de 9’6” (cerca de 2,85 mts) em que foram colocados suportes de pé (“foot-straps”), como os usados nas pranchas de windsurf. Ter em atenção que no “The Unridden Realm”, o próprio Foo tinha-se questionado se o surf rebocado por um barco ou por um jet-ski seria realmente surf.

O surf de ondas grandes começa a crescer em todo o mundo. Crescimento acelerado com a revelação de Maverick’s, local de ondas gigantes, na ponta de Half Moon Bay, no norte do estado da California, o mercado de surf maior e mais importante do mundo. Até então, o pedestal de principal local de surf de ondas do mundo tinha sido a Baía de Waimea. Mavericks, vai-se tornando na nova fronteira do surf gigante – é um sítio intimidante, gelado e inóspito, frente a altos penhascos onde está instalada uma base aérea. É uma zona frequentada por tubarões brancos. A própria onda situa-se em mar alto, sendo necessária uma longa e difícil remada para lá se chegar.

Inicialmente Mavericks era surfada apenas por um pequeno grupo de surfistas locais extremamente dedicados. Naturalmente vai atraindo surfistas de outras paragens. Assim, em finais de Dezembro de 1994, Bradshaw convida Foo a viajar até lá para apanhar uma ondulação que estava a chegar no dia seguinte.

Terá sido então uma decisão de última hora, a de viajar de Honolulu para San Francisco, e desde aí percorrer uma quarentena de quilómetros até Half Moon Bay , onde chegaram de madrugada. Segundo testemunhas, Foo estaria cansado da viagem, não tinha dormido o suficiente. Estava com frio. E talvez ainda mais decisivo, mostraria alguma hesitação em surfar naquelas condições.

A ondulação estaria “pequena” para Maverick’s, ondas entre 15 e 20 pés com período de intervalo entre ondas de 20 segundos. Era uma ondulação que impunha respeito, com ondas grossas e fortes, velozes. Os set’s vinham com muitas ondas.

Por volta das 11:20, Foo apanha a primeira onda de um set, com cerca de 15 pés (8 metros). Ao descer a parede, cai da prancha, penetra na parede da onda, mas é enrolado pelo lip e projectado com este. O vídeo mais abaixo mostra esta onda, onde se pode ver o corpo do Foo a ser arremessado. Para quem observava, parecia ser um “wipe-out” (queda) dura, mas suportável para alguém do seu nível.

O californiano Mike Parsons, que apanhou a onda seguinte e que também caiu, recorda-se de ter sentido um encontrão contra algo ou alguém enquanto estava submerso. Hoje em dia entende que terá sido o corpo de Foo, enquanto este se debatia para voltar à superfície.

Foo terá permanecido submerso durante a passagem de todo o set de ondas. Quando os outros surfistas e assistentes começam a preocupar-se e a procurar pelo Foo,  o corpo deste aparece finalmente à superfície, já no canal, perto de um dos barcos de apoio. Agarrado ao corpo pelo “shop” pendia o tail , arrancado do resto da prancha.

A causa da morte foi declarada como sendo afogamento. Especula-se que o shop ou a prancha tenham ficado presos numa qualquer reentrância ou rocha no fundo do mar, e portanto impedido Foo de chegar até à superfície.

A notícia da sua morte teve repercussões mundiais, ultrapassando em muito o mundo do surf.

Mark Foo tinha 36 anos e estava noivo.

 

“Se procuras o supremo prazer, tens de estar disposto a pagar o preço supremo”*****

*****”If you want the ultimate thrill, you’ve got to be willing to pay the ultimate price”

 

 

 

Video de homenagem ao Mark Foo

 

 

 

 

 

Video de homenagem ao Mark Foo

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