"Enquanto surfarmos, teremos esperança" - João Macedo sobre a sua Organização Hope Zones Foundation e o papel dos surfistas na conservação ambiental
João Macedo é co-fundador da Hope Zones Foundation.
"Não podemos mudar o mundo num piscar de olhos. Mas e se escolhermos uma área e formos passo a passo?" - esta é a premissa da Hope Zones Foundation, uma organização co-fundada por João Macedo e que conta com a contribuição de vários surfistas, como Miguel Blanco e Nicolau Von Rupp. A Hope Zones Foundation pretende trabalhar na preservação de determinadas zonas da costa portuguesa, incluindo os surfistas neste esforço e mantendo o diálogo com as comunidades locais, os pescadores, as Câmaras Municipais - no sentido de pensar a conservação costeira sem prejuízos para as comunidades locais, e com a contrbuição das mesmas.
A Surftotal conversou com João Macedo para saber um pouco mais sobre a história, o objectivo, a filosofia e as ambições da Hope Zones Foundation.
Como e quando surgiu este projecto?
A Hope Zones Foundation surge de uma parceria com um amigo alemão, o Moritz Seidel e a mulher dele, Marie-Antoine Seidel. Depois juntámos um grupo de amigos e familiares. Foram várias conversas ao longo de três anos na Universidade Nova de Lisboa, da qual me formei, e o professor Luís Lage acompanhou-nos. Com o meu background com o Save The Waves Coalition, e tendo sido co-fundador do movimento das Reservas Mundiais de Surf, pensámos no que poderíamos tentar fazer na zona costeira em Portugal para de alguma maneira incluir a comunidade de surf nas decisões nos esforços para conservar de forma sustentável a zona costeira.
"Não podemos criar uma situação
em que estas zonas dependam apenas do turismo"
Quais são os principais objectivos e os principais obstáculos?
Pretende-se uma relação com a comunidade piscatória como forma essencial de conseguir fazer uma preservação da natureza que vá ao encontro daquilo que as economias e comunidades locais precisam para sobreviver nestes locais lindíssimos. Nós, pessoas viradas para a conservação de forma mais pura, podemos às vezes esquecer que há habitantes locais que querem desenvolver e evoluir as suas vidas. Não podemos criar uma situação em que estas zonas dependam apenas do turismo.
Tudo o que possa ser parte do desenvolvimento sustentável de uma zona costeira tem que contemplar estas profissões ancestrais como a pesca. Quando são feitas de forma artesanal e numa escala mais pequena, têm todo o potencial de enriquecer as comunidades locais e influenciar um pouco as grandes cidades que podem ser alimentadas por estas mais pequenas comunidades.
Estamos focados apenas em certas zonas costeiras para começar. A Nazaré é uma zona de grande foco, além do quintal de muitos de nós, a Praia Grande. E Cascais, que tem uma ligação muito antiga com o surf.
via Instagram (@hope_zones_foundation)
"Há uma ligação muito importante entre a ciência e o activismo"
Na equipa da Hope Zones Foundation estão incluídas de vários backgrounds, e de lugares do mundo diversos. Como é que essa faceta eclética se reflecte no projecto?
Há uma ligação muito importante entre a ciência e o activismo, que é o que faz com que haja mudanças na esfera dos decisores políticos.
Os surfistas têm um impacto muito grande a nível local. Podem e devem alavancar essa influência e conhecimentos e contactos para efectivamente fazer mudanças nacionais, europeias e internacionais. [Da ligação entre estas várias áreas] surgem muitos conceitos como surf conservation e surf ecossystem…
"O ensino do surf é uma forma de activismo"
Na tua opinião, os surfistas devem estar na linha da frente desta luta? E sentes que a comunidade surfista se envolve o suficiente?
Os surfistas historicamente sempre tiveram um papel muito grande. No Havai, por exemplo, o John Kelly criou o SOS – Save Our Surf, uma das organizações mais antigas, antecessora da Surf Rider Foundation a Save the Waves, e muitas ondas. Ele foi um dos primeiros a tentar impedir a construção de marinas e outras estruturas, o que às vezes punha em conflito a comunidade das embarcações com a comunidade de surf. Hoje em dia sabe-se que tem mais a ver com manter as estruturas actuais em vez de construir novas.
Os surfistas têm há muitos anos este papel de protectores do mar, e nesse sentido é uma coisa positiva e a ser partilhada. Daí eu também estar ligado ao ensino do surf, e sinto que isso também é uma forma de activismo. A Hope Zones tem uma parceria estratégica com a Surf Academia, escola que fundei há mais de 20 anos. Acaba por ser um dos nossos eixos de activismo.
"Nunca deve haver um sentimento de culpa
por não se fazer o suficiente"
Claro que há sempre mais a fazer. Mas acho que desde que a consciência esteja apurada, qualquer acto – reciclar, apanhar lixo da praia, andar uma vez por semana de bicicleta… Cada um tem a coisa que consegue encaixar melhor no quotidiano. Podem voluntariar, ser parte de movimentos, criar ONGs, há todo um leque de envolvimento que cada um pode fazer para ir mais longe. Mas acima de tudo é dar esses pequenos passos. Nunca deve haver um sentimento de culpa por não se fazer suficiente. Tudo o que são passos com consciência são passos bons.
Claro que às vezes é importante que a conservação não seja associada apenas a coisas baratas que não tenham uma certa dimensão e uma certa organização. É preciso haver este crescimento que as organizações trazem. A Fundação Oceano Azul em Portugal é um bom exemplo. Trazem profissionalismo, ciência, empregos para pessoas especializadas.
"A ambição deve ser grande, e os surfistas são ambiciosos"
Este projecto tem “esperança” no próprio nome, mas esperança nem sempre é a palavra que vem à cabeça quando se fala do ambiente hoje em dia – é possível ter esperança? Como se muda de perspectiva para manter essa esperança viva?
Nós como surfistas, enquanto continuarmos a surfar teremos esperança de apanhar mais uma onda boa, de ter mais uma boa experiência.
É essa a esperança que continuo a ter e nunca quero deixar de ter na nossa comunidade para fazermos o que está ao nosso alcance para contribuir para um mundo melhor, reverter o impacto do excesso da industrialização e usar esta tecnologia e inteligência e estas características boas que temos como seres humanos, e não estarmos só focados nas características mais pesadas e negativas.
A ambição deve ser grande, e os surfistas por natureza também são ambiciosos.
O que se segue para a Hope Zones Foundation?
Candidatámo-nos a uma grant e estamos à espera de resposta. Queremos muito ter um impacto específico na Nazaré, continuar a fazer as recolhas de lixo no porto de abrigo e continuar a contribuir para a plantação de algas, um piloto científico, para que haja formas alternativas de rendimento nestas zonas costeiras e para que as algas ajudem a criar mais biodiversidade.