"São bichos especialmente interessantes, comparando-os com outros grupos sociais"- João Kopke

..."por estarem em contacto com um estilo de vida muito próprio."

João Kopke, 22 anos de idade, top 16 nacional e antigo multicampeão nacional de surf Esperanças, conhecido pelo seu talento musical, nomeadamente pelos dotes no contrabaixo e canto lírico, disciplinas que estuda no Conservatório Nacional em Lisboa, fala-nos sobre a sua nova web série,"o Desfiltrado", cujo primeiro episódio foi editado durante a primeira etapa da Liga Meo 2018, na Ericeira. 

 

STOTAL - No seguimento do lançamento do episódio 1 de Desfiltrado, da nova temporada, fala-nos um bocadinho sobre o conceito e o que se pretende atingir?

João Kopke - Desde miúdo que convivi com surfistas de todas as idades e de todos os feitios. Apesar das diferenças entre a malta que gosta de apanhar ondas, havia uma coisa que era transversal a toda a gente – são bichos especialmente interessantes, comparando-os com outros grupos sociais, por estarem em contacto com um estilo de vida muito próprio. E, principalmente, os surfistas profissionais sempre foram muito mais interessantes e divertidos nos momentos e que não eram confrontados com as câmeras dos webcasts e com as perguntas que serviriam de igual modo um surfista, um jogador de futebol ou um gestor… Foram esses momentos espontâneos que quis começar a captar: o universo do behind the scenes do principal circuito nacional, para mostrar ao grande público como são, na realidade, os surfistas. O MEO este ano decidiu associar-se a esta forma de comunicar surf mais natural e, em conjunto, adicionámos momentos propícios a produzir imagens impactantes, como as giant bubbles do episódio 1.

 

Há tempos, aquando das tempestades Félix e Dóris, também levaste o surf a paragens pouco comuns, como a Torre de Belém, o Terreiro do Paço e a Cruz Quebrada. O que te passa pela cabeça quando embarcas em missões deste género que, acima de tudo, são francamente descabidas e não lembram ao menino Jesus! 

Passa-me um pouco de duas coisas: a primeira é mesmo essa: “Bora fazer algo que não lembre nem ao menino Jesus.” A segunda é algo que considero como a missão de todos os surfistas – inovar e continuar a inovar. O surf surgiu como um movimento de contracultura. Antes de sermos “meninos de Cascais”, éramos seres que desafiavam o convencional, que iam para a água e fugiam da polícia porque surfar era proibido e que viajavam sem rumo na esperança de encontrar um lugar nunca antes explorado, com ondas. Desafiar e descobrir está, para mim, na génese do surf e, por isso, ser o primeiro a surfar ao lado de um dos monumentos mais importantes do país ou ir, finalmente, desbravar uma onda que vejo quebrar desde sempre no Terreiro Do Paço, é uma espécie de tributo que faço ao surf.

 

"são bichos especialmente interessantes,

comparando-os com outros grupos sociais,

por estarem em contacto com um estilo de vida muito próprio"

 

          *Três "bichos", da esquerda para a direita, Miguel Blanco, João Kopke e Luis Perloiro" durante uma prova do circuito nacional de surf no ano 2013. Click por Fátima Perloiro

 

Além de todos os projetos em que estás envolvido, a música e a fotografia são outras das tuas grandes paixões. Fala-nos de como consegues conciliar tudo e de como isto entra numa simbiose perfeita de vida?

Eu encontro interesse em quase tudo… Não há nada na vida que me deixe mais feliz do que a sensação de estar a aprender algo novo. Essa característica levou-me a procurar o contacto com muitas “artes” na vida, que vão do interesse que tenho por documentários sobre vida selvagem no National Geographic ao estudo das Relações Internacionais. Mas a expressão artística, em várias formas, é-me particularmente interessante. No meio disto, está o surf. E isso criou um problema – como é que posso sentir-me uma pessoa completa e ter tempo para dedicar aos interesses diferentes que tenho? Contar as histórias dos caminhos por onde me leva uma prancha de surf é uma forma de conjugar várias áreas nos conteúdos que produzo. Utilizar a expressão artística (como a música, a fotografia ou a palavra) para o fazer foi a maneira de chamar de trabalho as coisas de que gosto. E acho que é algo interessante não só para mim mas também paras pessoas que me acompanham, se estas tiverem um interesse pelo surf mas também por algo mais do que só ondas. Porque, para mim, pelo menos, o surf é muito mais do que ondas.

 

Temos que juntar a isto tudo o facto de seres (também) um ávido competidor do circuito nacional. Que procuras retirar, essencialmente, da Liga MEO Surf enquanto atleta-competidor? Tens algum objetivo bem definido ou procuras apenas participar e fazer parte de algo onde "as coisas acontecem”?  

É verdade que sinto menos pressão do que no passado para obter resultados. No entanto, estranhamente ou não, estar mais tranquilo em relação à competição renovou muito a minha vontade de competir. E tenho objetivos definidos, mas talvez de uma forma diferente de outros atletas no sentido em que são, mais do que tudo, formas de me superar a mim próprio: este ano, gostaria de subir um pouco no ranking e chagar mais consistentemente às fases de man on man na Liga. Em algumas etapas, como a Praia Grande ou Cascais, sinto-me confortável para dizer que tenho nível para chegar a uma final, porque posso conciliar surf progressivo com power surf. Mas, essencialmente, o meu objetivo para este ou qualquer outro circuito onde compito, é elevar a fasquia do meu próprio surf. Ser visto pelos outros atletas como alguém que pode tirar um coelho da cartola e mandar qualquer um para casa.

 

"sei que todos nós já tivemos a sensação de, a caminho, durante ou depois de uma surfada,

sentir uma pontada de felicidade quase absoluta" 

 

*João Kopke em Mundaka. Foto arquivo pessoal 

 

Falando de Surfing. Na tua perspetiva, qual é o prazer supremo do Surf?

Acho que não há nada em concreto que descreva “o” prazer do surf. Mas também sei que todos nós já tivemos a sensação de, a caminho, durante ou depois de uma surfada, sentir uma pontada de felicidade quase absoluta. E acho que o surf tem este poder, como muito poucas outras coisas têm. Que forma isso assume para cada um, acho que depende. Para alguns, é uma sessão de tubos perfeitos, sozinho. Para outros, é conseguir a melhor filmagem, ou ganhar um campeonato. E há aqueles que valorizam a viagem com amigos e umas cervejas na praia, depois de uma surfada no outro lado do mundo. Diria que é difícil definir exatamente o que é, mas o certo é que, todos os exemplos de surfistas diferentes que dei, partilham o terem apanhado uma onda pela primeira vez e nunca mais terem conseguido parar.

 

Ainda no Surf… o que te move neste meio? 

Por um lado, a possibilidade de viver as experiências que mencionei acima – a superação, a viagem, o contacto constante com a natureza e esta espécie de amor por ser empurrado por uma onda, em cima de uma prancha de surf. Por outro lado, a possibilidade de partilhar estas experiências com uma comunidade que as entende e com as quais se identifica, o que dá conversas interessantíssimas e uma sensação de “família” face à comunidade “surfística”.

 

Como pessoa divertida que és e sempre de bom humor, partilha um dos momentos mais hilariantes por que já passaste no surf?

Provavelmente não serão as histórias mais divertidas que eu já vivi no surf. Existem muitas e não me lembrarei certamente da melhor. Mas posso contar-vos a história do dia em que o Filipe Jervis ganhou o Pro Junior mais importante da época competitiva, nas Canárias, e fomos celebrar. Estava o Nuno Telmo em lágrimas de emoção que rapidamente passaram a lágrimas de não conseguir parar de rir quando, depois da entrega de prémios, começou o desfile do contingente português por todo o paredão de Las Canteras. Foram 2 mil metros de palhaçada que envolveram uma dança com um grupo de freiras que se nos cruzou, uma competição de show off por cima de uma canteiro de 20 metros entre o que é, atualmente, 80% do top 16 nacional, e um mergulho do Miguel Blanco todo nu, numa praia cheia de gente cujo contexto não me recordo. Algumas partes da história, obviamente, não se podem contar. Este passeio culminou no bar à frente do nosso hotel e na subsequente noitada. Quando é para celebrar, os surfistas sabem se divertir.

 

Última questão. Por onde passa o futuro do João Kopke? 

O Futuro do João Kopke passa pelo projeto The Storyrider e pela continuação da produção de conteúdo que conte uma história transversal a todas as temáticas que fazem deste nosso mundo uma maravilha sem paralelo mas sempre com uma ligação ao surf. A um prazo mais alargado, gostava que este projeto ultrapassasse “O João” e fosse progressivamente se transformando numa comunidade unida pelas histórias de surf que todos nós, os que gostamos de ondas, temos para partilhar.

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