A Surf Art de Lizzy

No mar aprende, no desenho partilha. Lê já a entrevista exclusiva com a free surfer Lisa Marques… 

 

Lisa Marques, também conhecida por Lizzy, é uma soul surfer. Nunca ambicionou ser a melhor surfista da praia, mas em contrapartida o surf é o seu lifestyle. É na sua cultura que bebe toda a sua inspiração, que aprende e se autodescobre. Através do seu traço e das suas ilustrações revela algumas verdades e relega-nos para a originalidade do surf. Um destes dias falou-nos das coisas que invadem o seu mundo. 

  

Surftotal: Para começar, fala-nos um pouco do teu background e de como chegaste ao design e ao surf?

Lizzy: O desenho sempre esteve presente na minha vida. Era uma das atividades que mais gostava de fazer quando era criança. No liceu frequentei os antigos cursos profissionais de design gráfico e de equipamentos, onde aprendi as técnicas do desenho vectorial que se revelaram determinantes para aquilo que faço hoje em dia. Nos anos que se seguiram trabalhei enquanto designer gráfica em outros projetos, meus e de amigos. Na altura já fazia surf. Comecei a surfar por volta dos 15 anos, após ter visto surf num programa de televisão. Há 13 anos atrás não conhecia nenhum surfista e tudo o que tinha experimentado era deslizar em bodyboards ou naquelas pranchas de esferovite que se compravam nas barraquinhas à beira da praia. Fazia durante as férias de verão com a família, mas o “bichinho” sempre esteve presente. Juntei o dinheiro das mesadas e passado um ano comprei a minha primeira prancha de surf. Depois fui-me aventurando por mim, a observar os surfistas mais experiente. Tornei-me a primeira surfista menina da Praia das Paredes da Vitória (Costa de Prata) e ainda consegui sentir um pouco daquilo que era o surf de “antigamente”, com pouco crowd e muito companheirismo. Quando tive sobre mãos a oportunidade de escolher uma licenciatura e de decidir onde iria viver, escolhi mudar-me para Peniche, para poder estar mais perto do Mar, e licenciei-me em Marketing Turístico, e pós-graduei-me em Turismo e Ambiente.

 

A aventura é algo que está bem presente na tua vida. Será essencial sermos uma espécie de espirito livre para vingarmos no mundo atual?

O mundo precisa de autenticidade e as pessoas que seguem o seu caminho são observadas e apelidadas de corajosas, porque romperam com a norma. Não sentindo a necessidade de ter que corresponder a expetativas de alguém a não ser elas mesmas. Isso, no mundo atual, é diferenciador. A própria expressão “vingar no mundo,” também nos coloca quase num papel passivo em relação à nossa própria vida, porque nos põe sob avaliação de terceiros. Uma pessoa que segue o seu caminho, porque acredita que é realmente aquilo que quer e deve fazer, não ambiciona o sucesso - busca apenas a sua satisfação. O sucesso poderá vir como recompensa. Acredito que quando fazemos algo que realmente amamos, criamos uma “aura” positiva em torno desse objeto ou serviço, e as pessoas conseguem sentir e apreciá-lo de uma maneira diferente. É como darmos um pedaço de nós. E é da nossa entrega que surge, consequentemente, o sucesso. No entanto, o primeiro compromisso tem sempre de ser nosso. 

 

"Acredito que quando fazemos algo que realmente amamos,

criamos uma “aura” positiva em torno desse objeto ou serviço"

 

Lisa "Lizzy" Marques vive atualmente em Peniche. Foto: Arquivo Pessoal

 

O teu traço é bastante caraterístico, com uma pitada de retro. Quando decidiste apelidar os teus desenhos de soul e surf? E porquê?

Considero-me uma soul surfer. Nunca ambicionei ser a melhor surfista, nem sequer utilizar o surf como desporto. O surf é o meu lifestyle, e as origens e os valores por detrás da cultura do surf são a minha principal inspiração de vida. O contato com o Oceano, considerado como um “Deus”, o respeito pela Mãe Natureza, os valores da comunhão e de partilha, toda a “magificação" e “animização” da natureza nas culturais ancestrais, perderam-se ao longo dos anos nas sociedades modernas. O ser humano afastou-se do seu ecossistema. É através do mar e da experiência do surf, que me desafia permanentemente, que aprendo e me autodescubro, canalizando esta energia através do desenho. Eu bebo do surf “original”. 

 

De onde vem a inspiração para a tua arte?

Só consigo desenhar quando estou em paz e encontrada comigo mesma. A inspiração vem sempre de uma necessidade de expulsão de uma energia interna concreta, que antes de começar a desenhar não consigo desvendar. A energia por detrás de cada desenho vem sempre de uma emoção gerada por uma experiência, e é no processo de “reconhecimento” ou interpretação, que a imagem surge, através daquilo que a minha mente considera esteticamente belo. Mas é um processo inconsciente. Por exemplo, nesta última coleção “Wildflower”, o que motivou a inspiração foi uma conversa com um dos sócios do Bukubaki que me explicou que o projeto era o resultado do seu sonho de criança. Nessa altura eu andava à procura de um caminho pelo qual seguir e aquela conversa fez-me refletir sobre quais eram os meus sonhos antigos, obrigou-me a um retorno a mim mesma. Relembrei-me do quão me sentia inspirada pela arte do Gauguin e das suas representações da Polinésia Francesa, e da vontade que tinha em ir viver numa ilha remota. A Wildflower é um retrocesso às minhas raízes. 

 

"É através do mar e da experiência do surf,

que me desafia permanentemente, que aprendo e me autodescubro"

 

- Surf sempre, mas sempre presente no seu dia a dia. Foto: Arquivo Pessoal

 

Que tipo de mensagens visas passar para a comunidade?

Honestamente, eu não penso na minha arte primeiramente enquanto forma de comunicar para os outros, porque ela aparece sempre para comunicar comigo. O meu traço revela-me as minhas verdades e eu descubro-me através de todo o processo. No entanto, acredito que quem aprecia e se identifica com o meu trabalho busca a energia particular que as minhas ilustrações transmitem, tirando inspiração delas. É como um ciclo de energias. 

 

Consegues fazer do design vida? Que tipo de dificuldade e obstáculos encontra um ilustrador no dia a dia?

Na verdade nunca estive só a viver da ilustração, porque eu não consigo desenhar sob pressão, tenho que me dar espaço para poder criar, e respeito esse processo, que na verdade não “depende” das minhas vontades racionais. Sinto-me apenas como um “veículo” de uma energia maior que apenas se liberta através do meu traço. E, por isso, se tiver que desenhar por obrigação acredito que o resultado não será o mesmo. Não tenho problema em dizer que “não” quando não sinto energia criativa em torno de um projecto ou oportunidade.

 

"Sinto-me apenas como um “veículo” de uma energia maior

que apenas se liberta através do meu traço"

 

- Durante uma exposição recente na Associação Sealand, em Santa Cruz. Foto: Arquivo Pessoal

  

Sabemos que tens desenvolvido varias colaborações com marcas internacionais. Fala-nos disso.

Sim, nos últimos anos tenho aceitado algumas propostas de colaboração um pouco por todo o mundo, EUA, Brasil, Japão, Alemanha, Austrália, recentemente China (sim, há surf na china!). No proximo verão 2018 sairá uma colecção da Dakine by Lizzy composta por malas, fatos, roupa, tudo com padrões coloridos “étnico - orgânicos”, fotografada também em Peniche pelo talentoso Daniel Espírito Santo. 

 

Terminando… o que é na verdade o mundo Lizzy?

Esta é a pergunta mais difícil de toda a entrevista! O mundo Lizzy é o lado criativo da Lisa Marques (o meu verdadeiro nome), é só uma das minhas “costelas” e uma das minhas formas de expressão. A Lizzy alimenta-se essencialmente da honestidade comigo mesma. É da minha Liberdade para Ser e Sentir, que surfe o espaço necessário para que ela se revele, e se defina. 

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