Marta Paço não se vê a surfar mas sente-o em dobro

Não foi a atual campeã mundial de surf adaptado da categoria Vl1 que foi ter com o surf, foi ele que a escolheu a dedo.

 

Há muitos convites que surgem na vida e são passíveis de ser recusados, mas nunca um convite para se ir experimentar surfar, e que o diga Marta Paço. Há 5 anos era um dia comum na vida da atual campeã mundial de surf adaptado na categoria Vl1, para atletas com deficiência visual. Na flôr dos seus 12 anos de idade andava de skate, jogava futebol com os amigos à frente do café da mãe e convivia com a presença de alguns treinadores do Clube de Surf de Viana que faziam paragens entre aulas de surf para beber café e repôr energias. O olhar de Tiago Prieto recaiu sobre ela e lançou-lhe o desafio de experimentar fazer aquilo que para ele é uma paixão e onde se vai à “essência do ser”. Marta Paço hoje tem 17 anos e o mundo do surf conhece de cor o seu nome.

 

Marta dropa mais uma esquerda perfeita na Praia que a viu crescer. O Cabedelo de Viana do Castelo ( Surftotal todos os direitos reservados)

 

 

“Apaixonou-se pelo surf e todos se apaixonaram pela Marta”

 

A Praia do Cabelo viu a atual campeã mundial de surf adaptado da categoria Vl1 crescer em muitos sentidos, ora em tamanho, ora em nível de surf. Marta cresceu com os pés na areia mas a sensação libertadora de deslizar a primeira onda, que recorda com ínfimos pormenores, agarrou-a ao ponto de lhe criar um estilo de vida. “Eu senti-me tão bem, senti-me tão feliz quando aquela onda acabou. Foi no surf que encontrei o meu espaço, onde posso ser livre, fazer o que eu gosto e ser feliz”, diz entre sorrisos que se colam ao rosto.

Após dois meses de tentativas, conseguiu descer uma onda com parede, ultrapassando as suas próprias barreiras. “Foi uma grande conquista, ao início pensava que não ia conseguir descer uma onda a sério porque como não tinha a referência de pessoas cegas e não há muitas, eu não sei onde é o limite e até onde alguém cego consegue chegar”. Mas quem é que impõe esses limites? Será que haverão? É que Marta Paço faz parecer que não e vai provando-o.

 

 

  ( Surftotal todos os direitos reservados)

 

 

"Tivemos de desenvolver um código

 

de comunicação entre nós"

 

 

 

Ao lado do seu treinador Tiago os objetivos vão sendo definidos e em conversa, quando abordam a conquista de títulos e vitórias, fazem sempre uso do plural já que a vitória é mútua pelo empenho e dedicação envolvida. Uma boa conexão é o ingrediente principal que atrai o sabor das medalhas e do divertimento. “Treinar com o Tiago é super especial. Uma das coisas que me faz vir cá surfar todos os dias é saber que vou estar com ele e que vamos divertir-nos juntos a surfar. Começámos simplesmente por lazer e hoje em dia traçamos objetivos e trabalhamos imenso juntos para chegar lá. Tivemos de desenvolver um código de comunicação entre nós e também uma grande conexão. É esse conjunto de coisas que me faz chegar aqui.”

 

 

 

Os treinos que levam às conquistas:

 

Tiago Prieto que já tinha treinado outro tipo de categorias no surf, desde a iniciação com crianças até à orientação em competição, começou a dedicar-se sobretudo ao treino de surf adaptado com a Marta e construiram uma linguagem própria. “Ao longo dos nossos treinos temos alguns códigos que têm a ver com ir para a direita ou a esquerda e remar com mais intensidade em algumas ondas. Tudo numa linguagem curta e objetiva, é assim que trabalhamos. Neste momento consigo dar um treino cá fora à Marta e ela está em completa autonomia dentro de água, através de auscultadores à prova de água”.

 

 

 

"Se ele [Tiago Prieto] me disser para eu remar para uma onda,

 

não importa o quão grande seja,

 

vou sempre remar"

 

 

 

O pormenor da mão na àgua ( Surftotal todos os direitos reservados).

 

 

 

 

Mas a chave que abre a porta do sucesso também é feita de confiança, nomeadamente para alguém a quem o sentido da visão não lhe é uma realidade. “Eu confio a 100% no Tiago, o que me faz entrar em qualquer mar com ele. Se ele me disser para eu remar para uma onda, não importa o quão grande seja, vou sempre remar e isso foi determinante para eu conseguir dropar aquelas ondas grandes e rápidas [que estavam na Califórnia no campeonato mundial de surf adaptado em Pismo Beach] e conseguir o título.

Título esse que exalta como sendo um dos melhores momentos da sua vida. “Era algo que já queria há muito tempo mas não esperei que chegasse tão cedo, mas chegou e acho que foi num ótimo momento. Fiquei super feliz porque tivemos a trabalhar intensamente durante vários meses para numa semana mostrarmos o nosso surf e trazer o título para Portugal”.

Embora tenha sido o primeiro título mundial para Marta Paço, não estranhou a sensação de estar no pódio, isto porque vai sendo acrescentado às outras vezes na sua lista. Esta foi a segunda vez da jovem atleta no campeonato mundial de surf adaptado (ISA World Parasurfing Championships). Na primeira edição trouxeram para Portugal a medalha de bronze, na segunda foram obrigados a retornar mais cedo a casa sem hipótese de competir devido à situação pandémica e nesta terceira edição pôs-se “a cereja no topo do bolo”, como define o treinador, onde trouxeram o primeiro lugar. Marta Paço competiu na categoria VI1, para atletas com deficiência visual, em Pismo Beach, na Califórnia em dezembro de 2021, e consagrou-se campeã mundial de surf adaptado nesta categoria.

“A Marta treinou muito para este campeonato, estavamos muito bem preparados. Não sabiamos com o que contar mas a Marta está num nível superior às outras concorrentes. Não digo que foi fácil mas fomos lá, fizemos o nosso trabalho e teve um sabor especial”, disse Tiago Prieto.

 

Marta a dropar uma esquerda perfeita "no seu spot", o Cabedelo de Viana do Castelo.(Surftotal todos os direitos reservados)

 

 

 

 

 

"O barulho engana muitas vezes

 

e é a minha única referência"

 

 

 

 

Com um planeamento anual em cima da mesa levado a cabo com o seu treinador, a surfista da Praia do Cabedelo treina 4 a 5 vezes por dia, com treinos físicos complementares pelo meio e, quando a questionamos sobre algo legítimo como o receio no mar, Marta é clara: “Já senti medo em algumas situações porque no mar o barulho engana muitas vezes e é a minha única referência, mas nunca sinto pânico, nem nada descontrolado”.

Para Tiago surfar é algo intrinseco e gradioso: “havendo boas ondas, tudo o resto fica para trás. Pega-se na prancha e vai-se fazer surf, é lá que a gente se encontra”, disse. E Marta partilha da mesma opinião. Deixa os medos na areia, afoga os entraves que se podem levantar diante de si e só vai, segura de que o céu é o limite.

Em 2019, Marta Paço sagrou-se Campeã Europeia de surf-adaptado e é uma inspiração internacional aos 17 anos. Concilia com o surf, os estudos na área das humanidades.

 

*No próximo sábado, 18/02/2022 a reportagem em vídeo estará disponível no canal televisivo da RTP3 no programa da SurfTotal, pelas 16h45.

 

*Por Catarina Brazão

Itens relacionados

Perfil em destaque

Scroll To Top