Onde estavas no dia em que o Fanning escapou a um tubarão?
Este domingo ficará para a história como o dia mais emotivo de sempre no surf profissional. Mas também houve surf, e do bom. Recordamos tudo o que aconteceu em Jeffreys Bay - passo a passo.
Já todos vimos e revimos as imagens do encontro imediato de Mick Fanning com o que aparentava ser um tubarão branco, mas a verdade é que ainda custa a acreditar. Quem viu as imagens em direto saberá do que falamos: aqueles segundos foram inacreditáveis, e algo que não esqueceremos tão cedo. Desde o momento em que surge à superfície a barbatana dorsal, com o australiano de costas - sem saber o que o esperava -, até ao momento em que por intermináveis segundos Mick desapareceu da imagem, milhões de pessoas em todo o mundo ficaram com o coração a bater mais forte até ver o campeão australiano em cima da mota de água - altura em que um suspiro coletivo se terá feito sentir em todo o planeta.
O avistamento de tubarões no line up durante competições profissionais já tinha acontecido, que o digam Martin Potter ou Taj Burrow, entre muitos outros. Mas nunca nada se aproximou do que aconteceu ontem - com a dose extra de drama de estar a ser tudo transmitido em direto, para todo o mundo. A realidade é que este é um dos riscos que os surfistas profissionais (e não só) aceitam, e sabem ser real. Kelly Slater, ontem em entrevista referiu isso mesmo: “pensamos sempre nesta possibilidade. Ainda durante os quartos-de-final pensei nisso umas dez vezes. ‘Estou aqui sozinho na água, se um tubarão quiser, sou presa fácil’.” Vê aqui as reações emotivas de Fanning, Slater e Julian Wilson. Por aqui, confessamos ter soltado umas lágrimas ao ouvir estes testemunhos.
O MEDIATISMO
Este episódio espalhou-se pelas redes sociais e comunicação social de forma inacreditável. Provavelmente nunca, como ontem, se falou tanto de Mick Fanning ou da WSL. Da CNN à capa do jornal 'A Bola' de hoje, dos telejornais às redes sociais, o impacto mediático do que aconteceu em Jeffreys Bay não encontra paralelo com nada que alguma vez tenha acontecido neste desporto. As imagens, que parecem retiradas de um qualquer filme feito em Hollywood, apelam a um dos medos coletivos que todos temos: a vulnerabilidade.
REPERCUSSÕES FUTURAS
Que implicações futuras poderá este incidente ter para o surf profissional? Os cenários são diversos:
- Aceitar-se-à como uma inevitabilidade que o risco estará sempre lá e ficará tudo como está? Cremos que sim. A paixão falará sempre mais alto, e “the show must go on”. Mas servirá certamente como um alerta para reforçar - ainda mais - as medidas de segurança e prevenção em etapas do Tour, apesar da brilhante forma como a Water Safety sul africana reagiu durante o incidente.
- Jeffreys Bay poderá ser ‘riscado’ do mapa de eventos por se tratar de um dos locais do circuito profissional onde é um dado adquirido que existem muitos tubarões? Esta é uma das melhores ondas do mundo, certamente a melhor direita quando está 'on'. Mas será um risco demasiado elevado? O risco faz parte deste desporto ao mais alto nível, e a realidade é que estatisticamente há maiores probabilidades de alguém se magoar a sério - por exemplo - na próxima etapa, no Taiti...
- Que impacto emocional terá este episódio para Mick Fanning, Julian Wilson e todos os surfistas do Tour nas próximas etapas? Só o futuro dirá e certamente para Fanno o que sucedeu deixará marcas profundas, mas a sua fibra de campeão será decisiva para dar a volta por cima. Ironicamente tudo aconteceu na que será, provavelmente, a sua onda preferida do circuito…
- Embora seja difícil em termos emocionais aceitar nesta fase, terá também ficado provado que os tubarões não são monstros sanguinários à procura de humanos para chacinar e apenas animais curiosos que agem de acordo com os seus instintos seculares? A coexistência, provável e infelizmente, nunca será totalmente pacífica, mas o saldo continua e continuará a ser desfavorável aos tubarões, que são mortos aos milhões todos os anos.
O EXEMPLAR JULIAN WILSON
"Always look on the bright side of life", já cantavam os Monty Python. Em (quase) tudo na vida é possível observar um lado positivo, e o dia de ontem não é excepção. A começar pela notável atitude de Julian Wilson, que quando regressava do inside - e ao deparar-se com o pânico de Mick Fanning -, começou a remar na sua direção, movido por um instinto de amizade e coragem. Este foi o exemplo maior de um dia em que valores como a amizade e a união entre todos os que fazem parte do Tour de elite foram exaltados. As reações dos restantes membros do Tour, de companheirismo e alívio foram também exemplares, tal como foi notável a reação da Water Safety em poucos segundos, evitando males maiores. Estes são valores que devemos absorver, transportar para as praias e levar para dentro de água, sempre. Em baixo, o momento em que 'Jules' rema em direção a Fanning.
AH, E HOUVE SURF. DO MELHOR.
Com todas as emoções vividas durante a tarde de ontem, o surf, enquanto desporto, acabou por ficar para segundo plano. Mas a realidade é que antes de surgir uma barbatana de tubarão, houve competição. E foi excelente. Jeffreys Bay apresentou-se com algumas das melhores ondas dos últimos anos, no que a competições diz respeito. E quando há ondas boas, os melhores do mundo mostram porque motivo ficamos presos aos écrans para os ver surfar. Desde a ronda 5 até à final, multiplicaram-se as notas excelentes, voou água por todos os lados e o nível foi fortíssimo.
Nos quartos-de-final o goofy Ace Buchan manteve a sua caminhada de excelência nesta etapa e eliminou o compatriota e ‘fellow goofy’ Kai Otton, com um total de 18 pontos. Julian Wilson venceu Adriano de Souza, e Kelly Slater dava espetáculo enquanto derrotava Gabriel Medina (e que bem lhe deve ter sabido esta vitória). Fanning continuava implacável com as direitas de J-Bay e afastava Alejo Muniz sem apelo nem agravo.
Nas meias-finais Julian Wilson continuou a sua caminhada para a final e eliminou Ace Buchan num confronto equilibrado. Na outra meia-final tínhamos um clássico com dois monstros da modalidade: Fanning vs Slater. O australiano entrou com tudo, poderoso e rápido, fez três ‘oitos’ em ‘três tempos’. Slater respondeu com um 9.43 e a contenda ficava em suspense até perto do final, altura em que Fanning arrancou um 9.63 e decidiu o duelo em seu favor.
A FINAL
Julian Wilson fez a primeira e única onda, um 6.67 pontos. O que aconteceu a seguir foi sobrevivência, sorte, amizade, companheirismo e um dia que não esqueceremos. Haverá, certamente, um antes de ‘Mick e o tubarão’, e um depois. Será daquelas estórias para contar aos netos, um “ainda me lembro onde estava no quando vi aquelas imagens, apanhei um ‘cagaço’ que nunca me esquecerei”. Felizmente, tudo acabou bem, para toda a gente. E a vida, o mais importante de tudo, continua.
AS CONTAS
A WSL decidiu dar por encerrada a competição em Jeffreys Bay, atribuindo os pontos equivalentes a um 2º lugar aos dois finalistas. Assim, Adriano de Souza manterá a lycra amarela no Tahiti, para a próxima etapa do Tour de elite. Ficou assim ordenado o Top 10:
IG