NADA PÁRA NUNO VITORINO: "VOU SURFAR ONDAS GRANDES"

Os treinos já começaram. E a SurfTotal esteve lá!

 

Para ele não há limites, só desafios. Nuno Vitorino não se esconde atrás da cadeira de rodas que o acompanha há quase 20 anos. E a próxima meta não é para qualquer um: Nuno vai surfar ondas grandes.

 

Os treinos já começaram há cerca de dois meses. E na página de Facebook do fundador da Associação Portuguesa de Surf Adaptado (SURFaddict) as palavras que mais se lêem são “Chega Inverno”. A preparação tem decorrido nas piscinas do Estrela da Amadora sob o olhar atento do treinador João “Jojó” Parisot. A SurfTotal foi assistir a um destes treinos que têm como objetivo preparar Nuno Vitorino para o Tow-in.

 

Recebido com todo o carinho pela equipa da Jet Resgate Team, composta por António Silva e Ramon Laureano, entre outros, tudo começou por acaso. “Estas coisas nascem um bocado do coração. Eu vi a onda que o António fez na Nazaré e disse-lhe que adorava fazer essa onda. Disse-lhe ‘Eu sei que sou capaz’. E ele respondeu: ‘Se tu achas que és capaz, então vais fazê-la”, e foi a partir daí que me associei a eles, e a todos os que se têm juntado, ao Carlos Burle, ao Hugo Vau... Somos todos surfistas de coração. Temos o objetivo de surfar ondas grandes. O António que é grande motivador desta minha loucura, digamos assim, vai ajudar-me e eu vou certamente descer ondas grandes”, começa por contar Nuno Vitorino.

 

A sua história é uma história de superação. Aos 18 anos, ficou tetraplégico, após um acidente. “Estava com um amigo meu a ver uma arma de fogo, ele disparou sem querer. E eu fiquei tetraplégico. Fiz o percurso normal de reabilitação, tornei-me atleta paralímpico, fui um homem do desporto. Praticava bodyboard desde os 12 anos. Aos 18 parei. Mas depois a paixão pelo mar está cá. Nem consigo explicar. É um sentimento que fazia parte de mim. Eu estava bastante triste e angustiado de não voltar ao mar e desde que voltei, já voltou muita gente comigo. Já colocámos [SURFaddict] mais de mil pessoas com deficiência na agua. Acho q é um trabalho extraordinário. Mas não é a mim que me têm de dar os louros mas a todos os voluntários que eles é que fazem a força. Eu só surfo”, acrescenta à SurfTotal Nuno que tem agora 37 anos.

 

Mas voltemos a estes treinos. Duas vezes por semana, Nuno segue até à Amadora. “A ideia do treino é preparar-me o melhor possível do town-in. Pelo que já vi do treino de apneia, acho que todos os surfistas o deviam fazer. É muito importante. Aumenta a nossa capacidade respiratória, a nossa postura e à vontade de estar na água, por exemplo em situações de stress”, diz.

 

Quando se propôs a surfar ondas grandes, ficou logo acordado com a Jet Resgate que o treino seria igual ao dos restantes membros da equipa. “Foi ponto assente que não íamos queimar etapas. Já que eu ia surfar ondas grandes, e vou, tinha de fazer o treino exatamente como eles, e como se fosse uma pessoa normal, sem deficiência. E foi isso que aconteceu. E para isso estamos aqui. Estou a progredir a olhos vistos. Eu já era um homem de água. Fiz natação paralímpica durante muitos anos,  isto é sobretudo adaptar o que já existia a uma pessoa com deficiência. Estou muito contente com os resultados e sinto-me muito mais confiante”, diz ainda Nuno.

 

Já o treinador assegura: “Os treinos estão a correr bem, ele é um atleta esforçado e tem vindo a revelar-se. A aptidão do passado ajuda bastante neste tipo de treino. Ele é super dedicado”, diz Jojó à SurfTotal. Mas quando soube desta vontade Nuno, a reação não podia ter sido outra. “A minha primeira reação foi ‘isto é uma ideia um bocadinho de loucos’. Mas depois de o conhecer e tomar conhecimento da força de vontade dele, acho que a determinação dele é muito importante e a cabeça é que manda. Nada é impossível”, diz. E afinal em que consistem estes treinos? “Tem a ver com toda a condição física. Fazemos um pouco de ginásio, um pouco de água, e vários exercícios em que fica sem respirar, de orientação. Tudo isto é recriado no treino”, explica o treinador João Parisot.

 

Para Nuno, estar na água é algo a que está muito habituado. “Já tinha um hábito de água que vem de trás. Isto para mim é uma continuação, mas além disso faz-me bem. Eu adoro treinar, adoro o meu corpo cansado. É um pouco como comer, é uma necessidade que eu tenho. E isso faz-me sentir vivo. Eu adoro isto”, confessa.

 

Mas passemos então à prática. Afinal como irá Nuno surfar ondas grandes? Para o ajudar terá uma prancha – que ainda não foi apresentada e da qual se sabe ainda pouco. “Terá pegas à frente e duas ou quatro atrás. Terá de ter os pesos de uma prancha de tow-in, será curta porque o meu tow-in não vai ser na remada, logicamente, mas lançado com a mota. Terá também uma balça para me segurar bem as pernas. E outras coisas que ainda estamos a estudar. Tenho muitas cabeças a pensar e a fazer a prancha. Que eu de pranchas percebo pouco. Eu gosto é de surfar”, explica.

 

O facto de surfar deitado, pode, no entanto, trazer outros perigos. E por isso, o treino tem de ser mais intensivo do que o de qualquer outra pessoa. “Tenho de treinar cinco vezes mais que um atleta normal de ondas grandes treina. Porque tenho a consciência que tenho de ‘correr’ mais. E isto faz-me estar alerta, não vacilar, respeitar o mar,  respeitar os meus pares. Confiar neles, porque são eles que vão cuidar da minha vida. Tenho experiencia de mar, de surfar, sei que vou estar a surfar deitado, numa prancha de surf. Para mim uma onda de dez metros tem 20, porque estou deitado. A pressão psicológica, física, a pressão de força do mar é completamente diferente para mim. Mas eu quero isto!”, avança.

 

Quando fala em surfar, os seus olhos brilham, e é visível que o surf é a sua vida. “Eu surfo muito, o surf está dentro de mim e faz parte da minha vida. Já estive com o Vasco Ribeiro, surfei com ele no Lagido, surfo muito com o Daniel Fonseca que é um grande bodyboarder e que é as minhas pernas. Preciso de alguém que seja aquilo que eu não mexo, que são as minhas pernas. E que não se importe que eu tenha o protagonismo e que me ajude nisso. O Vasco também me ajuda. Eu fiz surf ao longo da minha vida e vou continuar a fazer”, conclui, com a maior das certezas deste mundo.

 

Patrícia Tadeia

 

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