SURF - DE ESTILO DE VIDA A "EXTERMINADOR" DE VIDAS
Alguns acontecimentos pontuais têm demonstrado que o surf pode, também, ser uma forma de perder a vida.
O surf é, habitualmente, descrito pelos seus praticantes como muito mais que um desporto ou actividade, sendo elevado ao nível de um estilo de vida.Contudo, infelizmente, alguns acontecimentos pontuais têm demonstrado que o surf pode, também, ser uma forma de perder essa mesma vida.
A propósito do mais recente episódio que culminou com o perturbador falecimento do surfista português Rui César Peixoto na Indonésia, recordemos, por momentos, alguns dos incidentes que, no passado mais recente ou mais longínquo, deixaram de luto uma comunidade unida e apaixonada pelo mar. O mesmo mar cujas ondas, areias, pedras ou recifes, por vezes, ditam o final de uma vida.
Os riscos, ainda que muitas vezes esquecidos, desvalorizados ou ignorados, tanto por surfistas mais inexperientes como por surfistas movidos pelo desejo de superação, são implícitos: ao surfar estamos a lidar, invariavelmente, com uma força da Natureza cuja imprevisibilidade e força têm, obrigatoriamente, que ter tidos em conta. Esta regra tácita deverá ser particularmente lembrada quando surfamos em ondas que desconhecemos, quando surfamos em ondas que conhecemos mas em condições de mar ou maré diferentes daquelas que estamos habituados, e, claro, quando decidimos surfar sozinhos.
Mark Foo dedicou grande parte da sua carreira ao surf de ondas grandes, destacando-se, sobretudo, em Waimea Bay, berço de algumas das maiores ondas do Hawaii. Apesar de ser reconhecido, nos anos 90, como um dos melhores surfistas de ondas grandes do mundo, Foo acabaria por morrer enquanta surfava em Mavericks, num dia em que as ondas não estavam particularmente impressionantes. O incidente ocorreu no ano de 1994 e, segundo parece, terá acontecido, simplesmente, porque o leash da prancha de Foo ficou preso nas rochas e o surfista, encoberto por uma segunda onda, não conseguiu libertar-se.
Ironicamente, um dos princípios de Foo era: “Se queres surfar as melhores ondas, tens que estar disposto a pagar o mais alto dos preços”.
O também havaiano Sion Milosky, experiente surfista de ondas grandes, viria a falecer, já no ano de 2011, na mesma onda. Depois de, pelo menos, seis ondas surfadas com grande sucesso nesse dia, Sion caiu, durante a maré baixa, e acabou por morrer afogado depois de duas ondas passarem sobre si.
No ano de 2005, Malik Joyeux, um dos melhores surfistas do mundo nas ondas pesadas de Teahupoo, no Tahiti, e vencedor do prémio Billabong XXL para o “Melhor Tubo do Ano”, faleceu em Pipeline, no Hawaii. Segundo as testemunhas, depois de um drop complicado e conseguido a muito esforço, Malik, devido ao atraso provocado pela falta de velocidade, acabou por levar com o poderoso lip que lhe partiu a prancha. O corpo do talentoso surfista do Tahiti apareceria, 15 minutos depois, em Pupukea, mas as manobras de reanimação acabariam por se revelar inúteis.
No ano passado, o vídeo da última onda surfada por Kirk Passmore tornou-se viral. O pai do surfista que faleceu enquanto surfava no Hawaii, em Aligator Rock, fez questão de partilhar este vídeo no qual percebemos que Kirk caiu numa das ondas, embateu na água e, possivelmente, perdeu os sentidos devido a um tímpano furado ou pescoço partido. O corpo do experiente surfista norte-americano nunca apareceu.
Por outro lado, no Brasil, são frequentes as mortes de surfistas que acabam enrolados em redes de pesca. No litoral gaúcho, estima-se que, nos últimos vintes anos, tenham morrido cinquenta surfistas nestas circunstâncias.
Mais frequentes e um pouco por todo o mundo, em zonas tão variadas como a Austrália, Estados Unidos, África do Sul ou nas Ilhas Reunião, são os ataques de tubarões a surfistas. Segundo o estudo mais recente, estima-se que, no ano de 2013, tenham ocorrido 116 ataques, sendo que destes 13 resultaram na morte dos banhistas ou surfistas envolvidos.
Todos estes acidentes têm suscitado, pelo menos nos momentos imediatamente a seguir a estas tragédias, as mais variadas discussões em termos de segurança no surf, seja num contexto profissional ou meramente amador.
Se num contexto profissional e, particularmente, no universo das ondas grandes, se tem vindo a discutir e a avançar com propostas e medidas ligadas, sobretudo, com a utilização de coletes e fatos que já incluem mecanismos que permitem a insuflação, com a participação em cursos de salvamento e primeiros-socorros; no contexto amador ou, mesmo, ao nível das escolhas de surf, a discussão passa, sobretudo, pela sensibilização e educação dos praticantes no sentido de respeitarem o mar, terem em conta as suas capacidades e estabeleceram limites, tais como não surfar em praias desconhecidas ou sozinhos.
Todavia, os acidentes continuam a acontecer.
O Oceano é, sem qualquer dúvida, algo de maravilhoso, um meio que nos proporciona momentos únicos de cumplicidade com a Natureza e de superação pessoal. No entanto, a imprevisibilidade é uma das suas características mais vincadas, por isso, cabe a cada um de nós tomar, tanto quanto possível, as devidas precauções.