Smirnoff Pro 1974 - O dia mais espetacular da história do surf ?

Foi assim que a revista australiana Tracks descreveu o Smirnoff Pro 1974

 

*Por Pedro Quadros

 

 

Nesse dia as ondas de Waimea Bay estavam particularmente desafiantes, com sets acima de vinte e cinco “pés havaianos” (“25 foot-plus”) e frequentes “close-out’s” , ondas que fecham com violência em toda a extensão da parede.

 

 

"O dia mais espectacular da história do surf". Foi assim que a revista australiana Tracks descreveu o Smirnoff Pro 1974, prova de surf de ondas grandes realizado em Waimea Bay, Hawaii, a 28 de Novembro de 1974, dia de Acção de Graças, um dos mais importantes feriados nacionais dos Estados Unidos.

Entre 1969 e 1977, esta prova, patrocinada pela marca de vodca Smirnoff, foi uma das provas mais prestigiantes no mundo do surf. Ser um dos 18 convidados era um sinal incontestado de reconhecimento pelos seus pares de habilidade para elevado desempenho em condições desafiantes. Recusar o convite seria, no mínimo, embaraçador.

 

 

Uma onda “25-foot-plus” terá uma face com mais de cinquenta pés, cerca de 16 metros, qualquer coisa como um prédio de 6 pisos

 

 

Ter em atenção que no Hawaii as ondas são medidas pela altura da parte de trás. Assim, uma onda “25-foot-plus”* terá uma face com mais de cinquenta pés, cerca de 16 metros, qualquer coisa como um prédio de 6 pisos. Ainda por cima, nestes tempos ainda não havia jet-skis para resgate. Um surfista que perdesse a prancha tinha que nadar sozinho e pelos próprios meios até à praia, apontando para a parte interior da baía, a zona chamada “Keyhole” (“buraco da fechadura”), a mais segura para se entrar e sair da água nos dias de ondas grandes.

De outro modo, o surfista arriscava-se a ser empurrado por uma corrente fortíssima para as rochas do oeste da baía ou para o quebra-coco brutal, o espectacular mas temido “Waimea Shorebreak”. Frequentemente um surfista teria de nadar várias vezes em círculos pela baía até apanhar uma onda que o levasse para a zona mais segura. Em situações extremas, em que os nadadores-salvadores considerados como os melhores do mundo (como o lendário Eddie Aikau) não conseguiam intervir, era possível o surfista ser resgatado através de uma cesta pendurada de um helicóptero da Guarda Costeira, à qual tinha que se agarrar ou tentar entrar.

*O gramaticalmente correto seria 25-feet-plus, mas tradicionalmente no meio do surf refere-se deste modo.

 

 

 A mecânica da Baía de Waimea. Fonte : Surfline.com

 

 

O director da prova, Fred Hemmings, um dos pioneiros do surf no North Shore, desafiou-os afirmando estar disposto a entrar e apanhar uma onda em frente aos mais de 5.000 espetadores na praia, para demonstrar a todos que as condições estavam adequadas a uma prova de surf. 

 

 

Regressando ao Smirnoff Pro 74, segundo o historiador de surf, Matt Warshaw, cinco dos dezoito convidados desta prova nunca tinham surfado Waimea Bay e manifestaram reservas quanto à prova vir a desenrolar-se em condições tão difíceis. Gerou-se um impasse, quebrado quando o director da prova, Fred Hemmings, um dos pioneiros do surf no North Shore** , afirmou estar disposto a entrar e apanhar uma onda em frente aos mais de 5.000 espetadores na praia, para demonstrar a todos que as condições estavam adequadas a uma prova de surf. 

**Costa norte da ilha de Oahu, onde se situam os picos lendários havaianos como Waimea, Sunset, Pipeline.

Este “incentivo” surtiu efeito e assim se arrancou com a prova, vencida pelo havaiano Reno Abellira, batendo o também havaiano Jeff Hakman - ver video mais abaixo***

 

 

Reno Abellira merece mais umas palavras, pelo seu papel na história e cultura do surf

 

 

Reno Abellira merece mais umas palavras, pelo seu papel na história e cultura do surf. Nascido em 1950 em Honolulu, capital do estado do Hawaii, iniciou-se no surf ainda criança. Evoluiu para a competição, tornando-se num dos mais importantes surfistas havaianos, conjugando uma personalidade fechada com uma apresentação vistosa e elegante. “Shaper” (desenhador e modelador de pranchas) prestigiado, tendo trabalhado para a marca Lightning Bolt, a mais importante marca de pranchas de surf dos anos 70, onde desenvolveu os primeiros modelos de pranchas “twin-fin”. No mês passado surgiu a notícia de que tinha sido brutalmente agredido enquanto dormia na rua em Waikiki, tendo mesmo ficado em risco de vida, com graves lesões cerebrais. As últimas notícias relatam que estará a recuperar.

Uma das fotos mais simbólicas do espírito do surf nos anos 70.  À esquerda Gerry Lopez (o mestre das ondas de Pipeline), ao centro Dick Brewer (o “shaper” mais prestigiado daquela altura), à esquerda Reno Abellira. Foto: Art Brewer

 

 

Embora já tenham passado quarenta e sete anos, ainda hoje podemos perceber e sentir o impacto deste tipo de acontecimentos na nossa cultura surfista. Coragem e ousadia como a daqueles dezoito homens foram gerando respeito pelo surf junto do público não-surfista – muitos ainda nos recordamos de quando o surf era chamado de “desporto de acção”, “desporto radical”, tal era a surpresa e excitação que geravam momentos daqueles, de desafio, de vida ou morte. Abriram o caminho para eventos como os de ondas grandes da Nazaré, que tanto atraem o interesse e imaginação do público.

***Vídeo do Smirnoff Pro 74, retirado da Encyclopedia of Surfing, editada por Matt Warshaw, obrigatória para todos os que gostam de conhecer a história e cultura do surf.

 

 

 

 

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