ATAQUES DE ORCAS NA COSTA PORTUGUESA
Lembram-se do filme Jaws (1975)? Desta vez são orcas e em Portugal...
Lembram-se do filme Jaws (1975)? Desta vez são orcas, mas não é um filme e estão a fazer jus ao seu título de baleias-assassinas.
*Ocean Awareness / Por Francisca Campos
O nome “orca” foi dado pelos antigos romanos e é proveniente do nome "Orcus", que significa inferno ou deus da morte. Apesar da designação “baleia-assassina”, as orcas não são baleias, são na verdade os maiores membros da família dos golfinhos. São mamíferos corpulentos, que podem chegar aos oito metros de comprimento e a cinco toneladas de peso. As orcas são predadores de topo, altamente inteligentes, capazes de elaborar estratégias e de trabalhar em grupo para caçar as presas.
"Ainda na semana passada estava a surfar e por três segundos (assustadores)
confundi um pedaço de madeira com uma barbatana dorsal.
Medo irracional?..."
As orcas têm vindo a perseguir e a atacar embarcações ao largo da Costa Portuguesa. Click por Spanish Ministry of Transport, Mobility, and Urban Agenda
O comportamento quotidiano deste animal é, geralmente, dividido em quatro actividades básicas: procura de alimento, viagem, descanso e socialização. Esta última costuma ser acompanhada de comportamentos entusiásticos, ou seja, as orcas costumam acompanhar e interagir com os barcos, mas jamais com a brutalidade que tem sido reportada.
Lembram-se do filme Jaws (1975)? Desta vez são orcas, mas não é um filme e estão a fazer jus ao seu título de baleias-assassinas. Em vez de perseguirem tubarões ou focas, este grupo de orcas têm perseguido barcos à vela. Desde Julho que existem registos de, pelo menos, 33 ataques em Portugal e em Espanha. Alguns barcos ficaram à deriva, pois os ataques são sobretudo ao leme e à quilha, tendo de ser rebocados até terra. Além do pânico dos tripulantes – agravados pelo som ensurdecedor da comunicação entre as orcas – e os danos causados aos barcos, foram reportadas também algumas lesões, como por exemplo o ombro deslocado de um timoneiro (aquele que controla o leme), devido às fortes pancadas subaquáticas.
"Uma das causas pode ser o stress derivado da escassez de alimento,
uma vez que o atum-rabilho é já uma espécie em perigo de extinção..."
Exemplo de um ataque a uma embarcação em que o Leme foi parcialmente arrancado (BBC/UK)
Este assunto é tão falado em minha casa que, apesar de saber que todos os encontros aconteceram entre duas a oito milhas náuticas (3,7 a 14,8 km) da costa, ainda na semana passada estava a surfar e por três segundos (assustadores) confundi um pedaço de madeira com uma barbatana dorsal. Medo irracional? Talvez. No entanto, no dia 4 de Outubro foi reportada outra investida, e esta com a duração de duas horas, ao largo do Porto, sobre um catamarã britânico. Os “ataques das orcas” aos barcos não só é uma novidade, como é uma surpresa. Para quem estuda esta espécie no Atlântico Norte, revela-se algo nunca antes visto e ainda sem explicação. Os investigadores
acreditam que se trata do mesmo grupo de orcas pois, se fossem grupos diferentes com o mesmo comportamento, seria ainda mais insólito.
"como medida preventiva, as autoridades marítimas espanholas
proibiram embarcações com 49 pés (15 metros) ou menos de navegar..."
Os incidentes vão desde o estreito de Gibraltar até ao Golfo da Biscaia, que é a rota natural de perseguição, da população de orcas de Gibraltar, ao atum-rabilho. No entanto, foi em Agosto, na Galiza que estas ocorrências ganharam outra proporção, tornando-se notícia. Acabou por se tornar viral o vídeo captado por um dos tripulantes do "Mirfak", um barco à vela da Marinha espanhola que se dirigia para a regata do Príncipe das Astúrias (Baiona). Inicialmente receberam as orcas com um inocente entusiasmo, mas logo perceberam que o grupo não estava a brincar, abalroando o barco repetidamente. Apenas quando conseguiram arrancar um pedaço de leme deixaram o barco seguir viagem, anunciando a sua vitória ficando na superfície a devorá-lo. De notar que se se tratasse de uma embarcação mais pequena, esta teria sido com certeza virada. Assim, em Setembro, como medida preventiva, as autoridades marítimas espanholas proibiram embarcações com 49 pés (15 metros) ou menos de navegar.
Uma das possíveis explicações para este fenómeno, que têm sido referidas por especialistas, é o stress derivado da escassez de alimento, uma vez que o atum-rabilho é já uma espécie em perigo de extinção. Ainda no ano passado, na Doca Pesca de Viana do Castelo, a GNR apreendeu mais de nove toneladas (de valor a rondar os 500 mil euros) desta espécie de peixe, por ter sido ultrapassado o limite da sua captura.
Outra teoria afirma ser possível que as orcas se tenham habituado às águas calmas, nos meses em que houve uma significativa redução de tráfego marítimo e pesca – devido às restrições da COVID-19 – e estejam a reagir ao aumento repentino de agitação.
"acreditam que se trata do mesmo grupo de orcas pois,
se fossem grupos diferentes com o mesmo comportamento,
seria ainda mais insólito..."
Há ainda quem considere, depois de observar nos vídeos alguns ferimentos em duas das orcas, que isto é um acto de protecção, fruto de um encontro negativo com um barco. Mas não será possível que o verdadeiro motivo seja uma demonstração de raiva? Alguns cientistas acreditam que sim, que as orcas podem ter identificado os barcos como factores de stress, bem como os humanos que os ocupam, e tenham simplesmente começado a reagir. É sobre isto devemos reflectir. São as orcas que nos estão a atacar ou somos nós, humanos, que as temos atacado há anos?
A população de orcas de Gibraltar está em perigo de extinção e algumas das razões que explicam o declínio desta população são: a poluição, a escassez de alimento e o ruído provocado pelo tráfego marítimo. Tal como golfinhos, as orcas são animais com um comportamento vocal complexo e produzem uma grande variedade de estalidos e assobios, usados na sua comunicação e ecolocalização. Estas espécies, tal como muitas outras espécies marinhas, dependem da comunicação e ecolocalização para a sua sobrevivência, tendo um papel determinante na caça das suas presas e evitando que encalhem. Existem vários estudos que documentam os distúrbios causados nos mamíferos marinhos, pelos sons antrópicos (sons que resultam da acção humana) e tanto as orcas como os golfinhos, são conhecidas por alterar o seu comportamento motor em resposta à presença de barcos.
Para os amantes do mar pode ser difícil admitir que não vivemos propriamente em harmonia com os animais marinhos. Eu pessoalmente apenas ganhei consciência do impacto do ruído provocado pelo tráfego marítimo na vida marinha há cerca de três anos atrás, através dos brilhantes projectos artísticos da Francisca Rocha Gonçalves. Aliás, é inspirada nela que escrevo sobre este tema. Desde 2015 que a investigadora portuense se concentra nas paisagens sonoras do oceano como uma ferramenta para a criação artística. As suas instalações têm como objectivo expor o expectador imersivamente às suas descobertas, que dentro de espaços pouco iluminados e com a presença de lasers e ruídos, reproduz aquela que será a experiência dos animais marinhos. Estas revelam o problema da poluição sonora em ambientes subaquáticos, onde é possível compreender as mudanças na vibração e no movimento das partículas, componentes vitais da vida aquática.
ØSAW · LUCIFERINA from Ocean Soundscape Awareness on Vimeo.
Na semana passada decorreu, na Ermida de S. Roque, em Tavira, a exposição 'Intimate Observations'. A exposição foi o resultado de um programa da V2 (centro holandês) e do Museu Zer0 (futuro museu no Algarve) que desafiou, além da Francisca, mais três artistas internacionais a refletirem criticamente sobre as relações entre a humanidade, o território e o meio ambiente, através do uso da arte digital. Se ficaram curiosos, aconselho-vos vivamente a visitarem as suas próximas exposições e a acompanharem de perto o trabalho dela, através do IG: @oceansoundscapeawarenesss.
Imagem próxima do leme de uma embarcação atacada pelas orcas. / BBC UK