LIÇÃO DE HUMILDADE
A edição inaugural do Nazaré Challenge em discussão pelo globo…
O título original desta peça era, na verdade, "quem tem cu tem medo”. A origem da expressão não sabemos de onde surge, nem fazemos questão em saber, mas é frequentemente usada para demonstrar que, no fundo, todas as pessoas, até as mais corajosas, sentem medo de alguma coisa. Para não ferir suscetibilidades decidimos mudar.
Muita coisa se passou no Nazaré Challenge que as câmaras do live streaming da WSL não passaram. Porém, uma coisa parece certa: houve muita gente a “borrar a cueca” esta última terça-feira na arena da Praia do Norte. A afirmação não é para ter uma conotação negativa, muito pelo contrário, serve principalmente para evidenciar o quão pequenino é o ser humano perante a força da Natureza. Até os melhores big wave riders mundiais se viram forçados a engolir em seco, naquilo que se veio a revelar uma verdadeira lição de humildade para estes senhores que são, sublinhe-se, autênticos lobos do mar.
Contudo, horas mais tarde, em alguns meios internacionais, eram despejadas opiniões que nos deixavam confusos. Ficámos até com a ideia de que existe uma campanha anti Nazaré. Questionava-se no rol de opiniões, sobretudo, a perigosidade do spot.
Ora tal é absolutamente ridículo, pois o surf em ondas grandes é por si só perigoso, independentemente de falarmos em Jaws, Todos os Santos, Mavericks, Puerto Escondido ou a Praia do Norte. Além disso, para se falar da Praia do Norte e não ter que fazer uma triste figura interessa, acima de tudo, conhecer como as suas ondas se formam, reconhecer o importante recorte do Canhão e de como a formação das ondas ocorrem na imensidão do oceano e viajam muito tempo antes de explodirem, com toda a violência, na costa portuguesa.
A Praia do Norte, na verdade, além das suas ondas em formato triangular - que surgem de todos os lados e parecem autênticas marretadas; também não apresenta um canal de águas profundas que circunde a linha de onda, como, aliás, sucede na maior parte dos spots de ondas grandes. Chegar à sua zona de take off é, na maior parte dos casos, uma tarefa verdadeiramente trabalhosa e que muitas vezes implica andar às voltas, em cima da mota de água, no inside, por mais de 10 minutos até se verificar uma aberta. Portanto, nela é definitivamente impossível traçar uma linha reta em direção ao pico ou esperar que não se leve com um ou outro set na cabeça.
Tom Butler, por exemplo, foi uma das histórias de que não se ouviu falar. O gladiador britânico fez apenas uma onda (1,77 pontos) e não logrou superar a ronda 1. Numa queda, ele acabou por engolir muita água e cortou uma orelha em duas partes.
O norte-americano Will Skudin, que entrou na mesma bateria, também saiu da água a queixar-se da violência das ondas, que tinha apanhado a maior tareia de sempre e que quase se tinha "apagado". Nic Lamb, também dos Estados Unidos, só compareceu na entrega de prémios minutos mais tarde, apenas para dizer que estava a ver tudo tremido mas que aparentemente era normal, pois a equipa médica tinha-lhe dito que sofrera uma contusão.
Damien Hobgood foi outro que deu o seu testemunho e que não sabe, muito honestamente, se voltará a surfar na Praia do Norte nestas condições. À Surfing Magazine o norte-americano confidenciou o medo que sentiu ao atravessar a zona de impacto, de como se viu subitamente atirado para o ar e de como, de um momento para o outro, sentiu um impacto tão forte que pensou tratar-se de um acidente de carro.
Quando veio à superfície, o surfista da Florida encontrava-se sozinho, apesar de estar a ser rebocado na altura por Garrett McNamara, um dos mais experientes na PN, com as bolsas de ar do seu colete acionadas, e viu-se forçado a ter que levar com mais quatro ondas na cabeça até ser resgatado e depositado na praia. Nesse altura, segundo palavras do próprio, “Eu já só via estrelas à minha volta."
Grant “Twiggy” Baker, que venceu o Big Wave Tour em 2013, escreveu na sua conta de Instagram que a “Nazaré é um fenómeno, tão desafiante e bela quanto qualquer onda grande.” O sul-africano acrescentou, a determinada altura, que surfar na Praia do Norte “foi das experiências mais terríveis da minha vida que não consigo ver-me a repetir."
A questão da segurança e da potência das ondas pode levantar algumas reticências no que concerne à continuidade da prova. Em todo o caso talvez seja bom recordar os nossos leitores e a armada internacional, mais uma vez, de que as caraterísticas da Praia do Norte são muito sui generis. Não é qualquer um que chega e consegue domar as suas vagas. Talvez isso ajude também a explicar por que cinco dos seis chargers que chegaram à final, à exceção do brasileiro Pedro Calado, surfam regularmente na Praia do Norte ou já se haviam aventurado/familiarizado por lá a determinada altura das suas vidas.
Meus amigos, resta limpar as lágrimas, sarar feridas, recuperar das lesões e daqui a um ano voltaremos a reunirmo-nos no desafio da Nazaré. A besta estará sempre pronta para vos receber.
- Surfar na Praia do Norte não é tarefa para qualquer um. Foto: Pedro Agostinho Cruz