ONDÓGRAFO Foto: Hélio António quarta-feira, 30 março 2016 15:58

ONDÓGRAFO

O doping no desporto, na WSL e em Portugal num artigo de opinião assinado por João Capucho... 

 

E se um Surfista fosse suspenso por doping?

 

Austrália: da vitória de Wilko ao doping de Sharapova

Terminou há poucos dias na Gold Coast da Australia a primeira prova da edição de 2016 da Samsung Galaxy Word Championship Tour. Contrariando muitas previsões, foi o carismático Matt Wilksinon que, com um repetitivo surf de backside e muita falta de inspiração nos favoritos, levou o caneco para casa. Assistindo pela Sport TV, fui aproveitando as pausas das ondas em Snapper Rocks para fazer um zapping desportivo e ver os oitavos de final do famoso torneio de ténis de Indian Wells (EUA), onde o espanhol Rafael Nadal batia o seu compatriota Fernando Verdasco.

De imediato, me lembrei de um artigo que este mês lera na Bola e que dava conta da vontade de Nadal - nº 1 do Mundo em 2007, 2009 e 2013 - em processar a ex-ministra do Desporto de França, Roselyne Bache, por difamação, quando esta disse, numa recente entrevista, que a pausa de sete meses que Nadal fez em 2012 se ficou a dever a um controlo positivo por doping. Depois da avalanche provocada no ciclismo pelas retirada das 7 vitórias de Lance Armstrong na Volta a França, é agora o insuspeito Ténis que sofre uma das maiores vergonhas da sua história, com a confissão da russa Maria Sharapova de que acusara positivo num teste de doping no Open da Austrália do inicio do ano por ingestão de Meldonium, uma substância proibida pela Autoridade Mundial Anti Dopagem (AMA) desde 1 de Janeiro de 2016.

Sharapova confessou que tomava aquele produto desde 2006 para contornar a falta de magnésio e um historial de diabetes na familia. Mesmo sendo verdade, talvez só mesmo ela acreditasse. O facto é que o Meldonium, substância criada num laboratório da Letónia há 40 anos para combate de problemas cardiovasculares, para além de melhorar o desempenho – gastando menos oxigénio para produzir a mesma energia – potencia ainda a recuperação do esforço, dois atributos demasiadamente atractivos para qualquer desportista de alta competição.

Em 2015, das 8300 de amostras de urina aleatoriamente estudadas pela AMA, em quase 200 foram detectados niveis elevados de Meldonium, situação que, manifestando-se abusiva, contribuiu para que a AMA- presidida pelo australiano David Howman desde 2010 - a incluísse na lista de substancias proíbidas, situação a que não é alheio também o facto de o mesmo produto – o Mildronate – se vender na internet (e no ebay) por 13 euros. Desde então, mais 98 casos positivos e um discurso feroz do mais feroz (Vladimir Putin) a desancar os atletas russos que contiuaram a tomar aquilo.

 

Importantes passos na WSL

No meio desta cruzada mundial contra o doping, o surf profissional vem tentando recuperar o enorme atraso face a outras modalidades, principalmente nos desportos individuais. Foi apenas em 2012 que a World Surf League aprovou e publicou o seu primeiro regulamento Anti-Doping, facto a que poderá não ter sido alheia a morte trágica no final de 2010 de um ex-campeão mundial - Andy Irons - cuja causa próxima foi uma paragem cardíaca mas cujos motivos secundários, não confirmados pela família, poderão estar associados a um quadro de consumo de várias drogas (meta-anfetinas, cocaína e anti-depressivos).

Regendo-se pelos padrões da AMA, a WSL deu de facto um importante passo na luta contra o doping, com um regulamento simples, claro e bem construído. No entanto, tem optado por não divulgar o número e os locais dos testes realizados a não ser que haja uma violação do referido regulamento e seja necessário proceder disciplinarmente. Tal foi o caso do surfista brasileiro Raoni Monteiro que acusou positivo num controlo realizado durante o Pipe Masters de 2014, valendo-lhe uma suspensão de 20 meses até Agosto deste ano. Monteiro, de acordo com um comunicado da ASP, terá ingerido uma substancia para melhorar o seu rendimento desportivo e é, até ao momento, a unica análise positiva na World Surf League.

Acossados por constantes viagens, esforços nos treinos, longas competições e prolongadas ou graves lesões – veja-se o boletim clinico pós Snapper Rocks com 5 dos 34 surfistas ausentes por lesão -  os surfistas profissionais são hoje também, como em qualquer outra modalidade de alta competição, um potencial grupo de risco pelo que, não só pelo aumento das premiações como também pelo caminho do Olimpismo, é muito provável que o número de testes venha a aumentar, controlos estes que, no caso da WSL, resultam sempre de um sorteio e são realizados por entidades externas e independentes.

 

O bom exemplo da ISA e a situação em Portugal

Em Portugal, pela falta de verbas e de organização, a luta contra o doping já conheceu melhores dias. De acordo com outro artigo publicado na Bola, o Laboratório de Análises de Dopagem, foi alvo há poucas semanas de uma auditoria surpresa da AMA que terá tido resultados arrasadores: falta de independência, atraso nos relatórios, obsolescência dos meios de teste, falta de pessoal e desorganização. A ser verdade, um maná para a batota.

No surf, os controlos - por sorteio -  têm sido feitos com alguma regularidade em várias competições como a Liga Moche – onde presenciei alguns testes surpresa – e até mesmo na prova da WSL de Peniche, onde foi feito um controlo no ano passado. De acordo com a Federação Portuguesa de Surf, foram realizadas em 2015 apenas 7 amostras o que, num universo de quase 2200 atletas que competem várias vezes por ano, é muito pouco e também muito caro, sendo o elevado custo destes testes totalmente suportado pelo Estado e não, como talvez devesse ser, também em parte por todos os atletas. Dir-me-ão que o problema do doping no surf em Portugal não existe – facto até atestado pelo facto de todas terem sido negativas – mas se não o controlarmos com eficácia, abrimos o caminho para que passe a existir.

Curiosamente, o bom exemplo vem da International Surfing Association, a FIFA do surf se assim quiserem, que junta ao seu regulamento e adesão aos parâmetros da AMA, uma politica efectiva de testes nas principais competições que tutela – os World Surfing Games– controlando todos os finalistas de todas as categorias e realizando ainda vários testes (por norma, três) aleatórios dentro ou fora da competição, inclusivamente a menores de 18 anos. Tal política deve-se essencialmente ao antigo sonho, agora realidade, de vermos o surf no programa dos Jogos Olimpicos, algo que o COI, e bem, apenas validará após caminho longo de despistagem do doping por forma a que garantir que as novas modalidades introduzidas são limpas. 

 

Opinião: João Capucho |

 

 

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