A gaivota ferida
O estilo desconcertante e único de alguns dos melhores surfistas…
Já lá vai o tempo em que o estilo por si só dava títulos mundiais. A supremacia de Mark Richards, quatro vezes campeão mundial, com o seu estilo de gaivota ferida, fluindo nas ondas de pés e joelhos juntos, braços arqueados que mais pareciam asas, sem qualquer radicalidade, quando ganhava velocidade na parede mais parecia estar na iminência de voar, livre de fricção onde a energia absorvida pelas ondas era gasta na mesma proporção que recebia. Desconcertante, foi esse equilíbrio que lhe deu autoridade para vencer durante tanto tempo.
Alguém dizia sobre Mark Richards: “é feio mas é adorável”. Acho que é um pouco isso, é preciso ser adorável para surfar assim, é impossível encontrar o estilo de surf do MR numa pessoa de carácter medíocre.
“[Mark Richards] com o seu estilo de gaivota ferida,
fluindo nas ondas de pés e joelhos juntos"
Gerry Lopez talvez seja o cume do estilo, não há agitação, não há luta, há um corpo relaxado e que só está relaxado porque a mente está bem resolvida. Gerry Lopez é um estilo absoluto, mesmo nas ondas imperfeitas, nos tubos sem saída, não há medo, não há stress, há apenas pura sabedoria.
É verdade que ondas em fundo de pedra ou mais pesadas ajudam os surfistas a ter estilo, esse género de ondas obrigam a fazer uma leitura, e a leitura ajuda na busca da essência de cada um. É com agrado que vejo os nossos atletas Vasco Ribeiro, Frederico Morais, Nic von Rupp, Miguel Blanco, entre outros, a terem um estilo próprio e único através dessa leitura.
O estilo quando emerge é sempre eterno. Luke Egan estará sempre na minha memória, surfista australiano dos anos 90, usou e abusou do seu estilo, na sua longa carreira não venceu mais de cinco campeonatos, mas foi um mestre de estilo, quase insuportável, fazia tudo o resto parecer feio e sem harmonia.
“[Andy Irons] será sempre o melhor surfista de todos os tempos"
Ver Andy Irons vencer três títulos mundiais também foi um alívio numa época em que Kelly já se tinha adaptado ao surf progressivo, mas de forma extraordinariamente eficiente ganhando em resultados o que viria a perder no seu estilo a partir dos anos 90.
Andy é um ícone do surf não por ter morrido precocemente, mas pelo seu estilo inigualável. Para mim será sempre o melhor surfista de todos os tempos, ninguém como ele conjuga tudo tão bem, com o estilo sempre a sobressair.
Atualmente tenho esperança que Ethan Ewing, que segue uma linha própria mas com uma nítida influência do Andy, consiga um dia ser campeão mundial. É um prazer enorme ver este miúdo a surfar, de salientar que só começou a competir depois dos 13 anos e isso vê-se na forma como se diverte (e nos diverte) dentro d’água.
“Estilo quase insuportável,
[Luke Egan] fazia tudo o resto parecer feio e sem harmonia”
Estilo é um pouco isso, é simplificar, é dizer tudo sem dizer nada, é falar sem se exprimir verbalmente, é ter carácter. Estilo é sempre algo único que não conhece limite e abomina a mediocridade, nos tempos que correm onde vão faltando referências nas nossas vidas e onde a mediocridade penetra por todos os lados é deles que me lembro.
Não são heróis, mas quando sentimos o mau gosto a imitação e a banalidade à nossa volta e é preciso purificar a mente é à gaivota ferida que recorro.
Obrigado, Mark Richards!
Texto: Bernardo “Giló” Seabra