Rusty Miller no Sagres Surf Culture 2016. Rusty Miller no Sagres Surf Culture 2016. Foto: Lars Jansen quinta-feira, 09 junho 2016 15:15

MANTENDO A ‘STOKE’ COM RUSTY MILLER

Aproveitando a sua presença no Sagres Surf Culture, no final de maio, investimos numa entrevista exclusiva… 

 

Rusty Miller nasceu na Califórnia em 1943 e cresceu para o surf em Encinitas. Ao longo da sua juventude, este autêntico ícone do surf bateu vários recordes competitivos e participou no Circuito Mundial de Surf, tendo sido finalista do Duke Kahanamoku Invitational por duas vezes. Foi também um dos mais proeminentes big riders norte-americanos. Viveu na ilha havaiana de Kauai antes de se mudar para Sidney, na Austrália, país onde ainda reside. Navegou pelo Taiti, Nova Zelândia, Japão, Austrália, Médio Oriente e Mediterrâneo. Recentemente esteve pelo sul de Portugal, para participar no Sagres Surf Culture 2016, onde falou do seu foto-livro “Turning Point” e do filme “Morning of The Earth”, ambos exibidos no evento. 

 

Começou a surfar com 10 anos em 1953. Quem lhe deu a primeira prancha e como foram os primeiros passos?

Eu nasci nas praias do sul da Califórnia. A minha família vivia perto do oceano, eu e as minhas irmãs passávamos os verões na praia a deslizar nas ondas com colchões repimpa. Um amigo de infância levou-me um dia para La Jolla, perto de San Diego, foi essa a minha primeira vez. Mais tarde, nesse mesmo ano, um nadador-salvador mais velho, de nome John Elwell, encorajou-me e ajudou-me emprestando-me a sua Simmons de 10 pés. Depois comprei uma prancha usada, que chupava água, de 10 pés de comprimento e 6 polegadas de espessura, em balsa e stringer de madeira. Depois desta prancha veio uma outra de amigos nadadores-salvadores. Fred Ashley passou-me a sua 7’11” ‘Chip’ que estava sempre ao lado da sua torre de vigilância. Um dos surfistas que me influenciou muito, um pouco mais tarde, foi um dos grandes surfistas daquela era: Phil Edwards. 

 

Foto: Arquivo Pessoal

 

O que significou ser convidado para o Duke Kahanamoku Invitational?

Fiquei extremamente honrado por ter sido convidado naquele que foi o primeiro evento em 1964 e nos três anos seguintes. Eles foram realizados em nome do pai do surf moderno e o “Aloha Spirit” havaiano - The Duke. Primeiro que tudo, significou que entre os meus pares eu era respeitado e tinha técnica em ondas grandes. Isto não foi algo que desse como garantido, pois levou-me várias temporadas no Havai para provar o meu valor. Hoje em dia permanece da mesma forma, relativamente ao surf e ao evento contemporâneo, o Eddie em Waimea Bay. 

 

“[O Duke Kahanamoku Invitational] não foi algo que desse como garantido,

pois levou-me várias temporadas no Havai para provar o meu valor"

 

Introduziu a primeiro wax para o mundo do surf no mercado, o Wax Mate. O que pode dizer-nos dessa experiência comercial? 

No início dos nos sessenta, três amigos e eu começámos aquilo em que acreditávamos ser o primeiro negócio relativamente a um acessório de surf. Naquela altura as surf shops apenas tinham pranchas de surf. O nosso negócio chamou-se “Surf Research” e incluía uma fórmula especial de wax que vinha envolvido em celofane e uma etiqueta apelativa, bem como Spraymate, um spray para limpar os decks das pranchas; Baggies, calções de nylon; biquinís, fatos de surf, racks, um kit de emergência e outro tipo de produtos. O nosso wax era pouco usual para a altura. Existiam apenas dois tipos de wax: para água quente e água fria. Eu era o comercial, enquanto Mike Doyle era o homem das ideias e garth Murphy o cabeça do negócio. Nós tivemos o primeiro atendedor de chamadas uma vez que estávamos sempre a surfar. O que fazíamos era pôr o wax na câmara frigorífica a arrefecer, ligávamos o atendedor e passávamos horas a surfar. Não foi muito positivo para o negócio que acabámos por vender no final dos anos sessenta para, coincidentemente, um amigo meu de infância, John Baker, com quem surfei pela primeira vez. O negócio ainda hoje existe sob o nome de Wax Research, que faz também a Sticky Bumps. 

 

 

Nos anos sessenta surfou grandes ondas em Sunset Beach. Pode descrever a sensação de surfar essas ondas nessa altura?

Eu surfei na altura com pranchas de 9 e 10 pés na altura. Quando vivi em Kauai, para onde me mudei no final da década de 60, tinha várias pranchas de 8 pés. Eu surfava no belo point break de Hanalei. Há quatro anos, quando tinha apenas 69 anos, visitei Oahu e por sorte consegui apanhar um dia muito bom em Sunset, entre 10 a 12 pés, com vento offshore e apenas uma dúzia de locais na água. Surfei com uma 9’9” Reno Abelllira ‘tiger tail’ novinha em folha que o próprio Reno me deixou escolher da parte de trás da sua carrinha. Ele shapeou essa prancha em honra do surfista e ativista John Kelly. 

 

"É uma honra ser o primeiro surfista a surfar num lugar"

 

Jamming no Sagres Surf Culture 2016. Foto: Lars Jansen

 

Foi um dos primeiros surfistas a surfar em Uluwatu. Que pode dizer-nos dessa aventura? 

Os australianos Albe Falzon e David Elfick estavam a fazer um filme de surf, “Morning of the Earth”, e perguntaram-me, bem como a Steven Cooney, um miúdo de 15 anos de Sidney; se queríamos embarcar numa aventura de Ventura à Indonésia com eles. Nós fomos os primeiros a surfar a agora ilustre onda de Uluwatu, ao lado do sagrado templo balinês que fica no topo das arribas desta mágica ilha hindu. O ano foi o de 1971. Albe tinha visto um trilho pelas arribas e perseguiu o som das ondas a quebrarem mais abaixo. Os locais já haviam aberto um caminho até à praia através da caverna, o que deu um impulso extra à atmosfera que por si só já era incrível. Os pescadores fizeram uma ponte, em bambu, que ligava a falésia à parte traseira da caverna. A caverna era uma sala de ecos e a rochas um espectro mágico de cores e cheiro de materiais orgânicos. O mar nesse dia estava carregado de vida selvagem de uma grande variedade de espécies. A maré estava baixa quando lá chegámos e o reef totalmente exposto. O surf em si debitava esquerdas tubulares a uma cadência constante. Pisámos o reef, pouco familiar para nós, tal como é mostrado no filme, Saltámos para a água que apresentava muitas formas, cardumes de peixes e golfinhos. Aves marinhas mergulhavam por todo o lado e no outside até orcas apareceram. Fomos cautelosos nas primeiras ondas, mas depois surfámos durante horas até ficar de noite. Revendo o momento, estou muito agradecido pelos espíritos de Bali terem sido tão generosos connosco, pois não nos magoámos e tudo o que fizemos foi fluir com o dia. Nessa noite acampámos na praia e fizemos uma fogueira para nos mantermos quentes à medida que a lua cheia tomava conta do céu. Foi um pouco assustador devido às histórias que se contam dessa parte da ilha. Mas isso é outra história. É uma honra ser o primeiro surfista a surfar num lugar. Esta é uma memória sagrada que tem abençoado a minha vida em torno do surf.  

 

Em Uluwatu, para o filme “Morning of the Earth”. Foto: Arquivo Pessoal

 

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Entrevista: Bernardo Seabra 

 

 

 

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