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PERSEGUINDO SONHOS COM TIAGO SOUSA
A fantástica história de um surfista como tu e nós que largou tudo para correr atrás das melhores ondas do globo...
Tiago Sousa, 40, é formado em Marketing e é um dos surfistas, como tu e nós, que percorre regularmente a costa portuguesa em busca de boas ondas. Começou no bodyboard, modalidade que praticou durante 15 anos, até mudar para o surf que já faz há 12. Tem, no entanto, uma particularidade que o distingue dos demais: é um autêntico globetrotter do surf. Ao ponto de já ter largado tudo, inclusive uma carreira profissional estável, para partir à descoberta das melhores ondas do mundo. Gentilmente, acedeu a partilhar connosco alguns dos episódios mais marcantes…
Fala-nos um pouco do que tens feito, a nível profissional, nos últimos anos?
Bem, durante quatro anos fui brand manager ibérico na Henkel. Depois fiz uma paragem de ano e meio e mais tarde, em 2008, fui trabalhar para Angola onde passei os últimos seis anos. Isto até me demitir e começar outra aventura.
Esta ideia de percorreres o mundo em busca das melhores ondas não é de agora, certo?
Sim, não é de agora. Já em 2007 apresentei a minha demissão para dar uma volta ao mundo. Na altura era para ir sozinho, mas à última hora juntou-se o João Portugal, também ex-bodyboarder, que alinhou na viagem. Eu e ele viajámos exatamente 11 meses e 11 dias e percorremos o Brasil, a Argentina, o Peru, Chile, Nova Zelândia, Fiji, Austrália, Tailândia, Laos, Camboja e a África do Sul. Mais recentemente, após apresentar a minha demissão em Angola, em setembro do ano passado, surgiu a ideia de fazer mais uma viagem à volta do mundo. Desta vez fui com a Gi, a minha namorada. Foram oito meses de viagem, passei por alguns dos países que já conhecia, essencialmente pelo surf, mas visitei outros destinos que não conhecia como o Japão, Havai, México, Guatemala, Belize, El Salvador, Honduras e Panamá, de onde voei para Miami e depois de volta a Portugal. Em ambas as viagens, entre a Austrália, Nova Zelândia e Fiji, fiquei sempre cerca de cinco meses.
O que te motivou em primeiro lugar para embarcares numa iniciativa deste género?
Na verdade, a motivação sempre foi o surf… esse é o motor de arranque. Nas várias surf trips que fiz ao longo deste 27 anos acabei por cruzar-me sempre com alguém que faz da sua vida história de vida, uma viagem. Uns trabalham vários meses e surfam nos restantes, outros viajam antes ou depois de estudarem. Foi a interação com essas pessoas que fui conhecendo durante as viagens que despertou em mim a curiosidade - ou o sonho - de fazer o mesmo. Viajar durante uns meses, à volta do mundo ou não, conhecer e interagir com outras pessoas, culturas, locais, experiências e, claro, as ondas, o surf. Enfim, sem querer recorrer a clichés, essas experiências ou vivências são o que levamos conosco.
De todos os países que cruzaste qual o que ofereceu as melhores sessões de surf?
Hei de recordar sempre as surfadas em Frigates, nas Fiji, em 2007. Uma onda com um power que até à altura não conhecia. Apesar de já ter ido seis vezes à Indonésia, sempre para zonas diferentes, nunca tinha experienciado nada com tanta força. As ondulações vêm do meio do oceano e levantam numa bancada de coral rasa que, na maioria das vezes, nem as vemos até estarem a dois metros de nós. Foi aí que aprendi na pele o que era fazer um “bearhug” em vez de um bico de pato. (risos)
Na ultima viagem, no geral, apanhei ondas bastante melhores. Na Austrália, desde Winki Pop, onde fiquei uns tempos na casa de Pedro Cordeiro, conhecido surfista dos Coxos; a Phillip Island, Angourie, Byron Bay, Lennox Head, Snapper Rocks e Noosa Heads. Na Nova Zelândia destaco Raglan, Piha, Stent Road e Wangamatta, entre outros spots. Na América Central, Salsa Brava, Popoyo e Las Flores em El Salvador.
Na verdade tive muita sorte, pois apanhei boas condições em quase todos os sítios. Porém, foi mais uma vez em Fiji que apanhei o melhor surf desta última viagem. Desta vez fiquei apenas uma semana (em 2007 tinha ficado três ) e só surfei Cloudbreak. Bem, a sensação foi de voltar aos “bearhugs”, mas mais uma vez em ondas de sonho, com 15 a 20 surfistas no pico, uns mais pro’s que outros, pelo que foi uma semana a encher a barriga. As ondas, essas, sempre entre o 1,5 a 2 metros com o dia maior a debitar umas bombas na ordem dos 3 metros.
E o local que te surpreendeu, não só pelas ondas mas também por toda a cultura associada ao surf?
Foi o Havai. Nunca tinha ido apesar de que quando fazia bodyboard estive mesmo quase a ir. Na verdade, nunca pensei muito a sério no Havai como uma surf trip. Demasiado crowd, muito stress e poucas ondas a sobrarem para os visitantes. Diga-se o que se disser, não há Meca para o surf como o Havai. Ali respira-se surf, vive-se surf, ondas pesadas, tudo a aplaudir na praia e, ainda por cima, na altura do Pipe Masters que está tudo ao rubro. Um espetáculo que vale a pena ver nem que seja uma vez na vida.
Além do Havai, a Austrália é sem dúvida onde existe mais cultura do surf. Tudo respira surf, dos 4 aos 80 anos de idade, homens, mulheres, todos surfam, todos partilham a mesma vibe e a mesma paixão. Ao contrário do que se possa pensar existe respeito entre os surfistas, não se veem dropinanços, a competição é para entrar na onda e a partir do momento em que vais nela ninguém se mete. É mesmo diferente. Claro que existem exceções. Em Snapper, por exemplo, surfas com os teus 400 amigos e partilhas um metro quadrado com mais três surfistas. Tens que andar sempre à procura de espaço entre o crowd até que te calhe uma boa. Em Snapper, uma surfada de uma hora e meia a duas pode significar 8 a 10 ondas…
Algum episódio hilariante, assim mais fora do normal, que queiras partilhar?
São tantos que até se torna difícil eleger um, mas conto-vos uma situação que se passou em Frigates em 2007 com ondas com cerca de 3 metros e tal. Nós estávamos todos no pico quando chega um barco todo “kitado” e salta de lá um norte-americano. Ao passar por nós diz-nos que: “You’re not too deep!”; e dá-nos a volta ao pico. O karma é tramado, pois no primeiro set que entrou ele levou com a primeira onda, partiu a prancha, foi levado de rojo pela bancada de coral e o barco teve que o ir buscar ao interior da bancada de coral. Foi a primeira e última vez que vimos esse americano. (risos)
Uma história mais assustadora, na última viagem, passou-se na Austrália. Enquanto lá estive houve vários ataques de tubarão, três desses ataques foram em dias e em praias onde eu estive ou precisamente na praia ao lado da minha. Mas sim, acabei por regressar inteiro. (risos)
Para terminar, numa perspetiva global, tendo tu já visitado tantos países, como dirias que se encontra o estado do surf?
Creio que é consensual que o surf está em franco crescimento. Vê-se isso nas praias em Portugal e vê-se também no resto do mundo. Passaram-se sete anos desde a última visita que fiz à Australia e o número de pessoas na água é bastante maior. Como já disse, dos miúdos aos graúdos, lojas de surf em todos lado, toda a gente faz surf. Muitas vezes perguntava a mim próprio se o resto das pessoas não trabalhavam, pois sempre que há ondas boas há crowd.
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Entrevista: AF // Fotografia: Arquivo Pessoal