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SÉRGIO COSME: “O OBJETIVO É DESCER UMA DAQUELAS BOMBAS DE 20 METROS”
Desconhecido da grande maioria do público, o local de Santa Cruz tem sido um dos mais assíduos na Praia do Norte…
O Sérgio Cosme, local de Santa Cruz, em Torres Vedras, é o típico surfista que o público desconhece. Ele nunca ganhou um campeonato de surf ou participou no Circuito Nacional, mas nos últimos tempos tem sido um dos regulares nas águas da Nazaré juntamente com algumas figuras bem nossas conhecidas como Garrett McNamara, Hugo Vau, Andrew Cotton, Rafael Tapia, Alex Botelho, Eric Rebiere, Carlos Burle ou Maya Gabeira.
Como o futuro passa precisamente pela Praia do Norte, resolvemos que estava na hora de reunirmos e falarmos um pouco sobre a atividade do reboque (tow) e o mundo das ondas grandes. Enfim, tudo o que leva uma pessoa a envolver-se neste campo de atuação. Eis então o resumo da conversa.
Fala-nos um bocadinho de como começou a paixão pelo reboque…
O reboque/tow vem de uma paixão antiga que tem a ver com o gostar muito de conduzir motos. Desde pequeno que as conduzo, isto sempre aliado ao surf que também faço desde pequenito. As motas faço há muito mais tempo, mas juntar as duas coisas foi o que me deu o impulso inicial para passar ao próximo passo: as ondas gigantes. Já reboco pessoas para as ondas há 10 anos, mas sempre gostei de ondas um pouco maiores e de certa forma de quebrar os limites. A evolução foi natural.
Quando traçaste o objetivo de começar a surfar a Praia do Norte já com algum tamanho?
É um pouco como já referi. Eu sempre gostei de quebrar os meus limites e quando surfava dois metros, pensava em surfar três e assim sucessivamente. No reboque foi um pouco parecido. Há muitos anos que reboco pessoas, nem sempre em ondas grandes mas mais por diversão e, acima de tudo, para poder entrar com velocidade nas ondas, que, no fundo, é o que não conseguimos fazer na remada tradicional. Por volta de 2013 pensei em fazer as coisas mais profissionalmente, pois quando se chega ao patamar de quebrar limites já não se trata apenas de surfar ondas maiores; existem vidas que dependem de ti. Foi então que decidi tirar o Curso de Operador de Resgate e comecei a entrar no mar com mais regularidade. Tive a oportunidade de entrar com o Garrett [McNamara] e ele deu-me bastante alento e ajuda. Acabou por ser um bocado por aí, quebrando os limites, a pouco e pouco, até que chegou uma altura em que a coisa ficou mais séria.
Sempre foste multifacetado combinando o Surf com o Snowboard e o Todo-o-Terreno ao longo de anos. Essa faceta de atirado também ajudou no processo?
Eu penso que foi isso mesmo que me fez passar para o patamar das ondas grandes ou gigantes. E principalmente o querer estar no mar da Nazaré. Eu sempre gostei de superar as minhas próprias expetativas e através destas ondas não há como não superá-las.
Conta-nos como foi a tua situação mais intensa no mar…
Curiosamente, nem meteu motas à mistura. O mar estava gigante nos Coxos e eu acabei por partir a prancha. Na água estavam apenas três pessoas, na praia as pessoas tiravam fotos e gritavam para nós. Foi então que entrou um set pirata que me partiu mesmo em cima da cabeça. Nessa altura lembro-me de olhar para o céu e pedir para me tirarem dali. (risos) Ao nível das motas já tive algumas situações em treino, mas em mar gigantesco nunca tive nada de muito sério. Sabes, vamos aprendendo com as horas que passamos na água e com a prática tornamo-nos melhores naquilo que fazemos.
O mais fácil do tow é…
É descer a onda. (risos)
E o mais difícil?
É resgatar o surfista que desceu a onda. As pessoas têm aquela ideia de que o tow-in é o surf, mas o surf no tow-in são apenas 5 a 10% e já estou a ser muito simpático. Tudo passa pela segurança e pelo piloto da mota de água que vai resgatar o surfista nas situações mais difíceis e complicadas. Onde ninguém quer estar é onde ele vai para apanhar o surfista.
Numa sessão recente foste protagonista daquela que pode ser facilmente considerada a bomba do dia. Como foi receber o reconhecimento dos teus pares, como o Garrett McNamara, Andrew Cotton ou o Rafael Tapia?
Não sei, é capaz de ter sido um pouco a estrelinha da sorte. Já tínhamos surfado todos naquela altura. Eu também já tinha estado a puxar uns surfistas que estavam na areia e no final voltei a fazer umas ondas. O mar encontrava-se a crescer e a maré a encher proporcionou umas ondas com uns quantos sets piratas bem grandinhos. Curiosamente, acabei por fazer duas ondas muito grandes nesse dia. Uma delas, meti para dentro e acabei por fazer um tubo gigante. Não foi muito deep, mas o lip estava muito alto. Na outra surfei um bocado da onda e acabei por sair por cima. A onda era bem grande.
E aquele salto gigante de jet que correu o mundo. O que se passou?
Foi uma coisa engraçada. Numa das vezes que perdi a prancha fui parar à areia, mas, no momento em que o Rafael está para me apanhar, perde a mota. Esta acaba por ficar precisamente ao meu lado, eu subo para cima dela e digo-lhe que vou ao outside virar o sled e que já volto para o apanhar. No caminho aparece uma onda que dava para passar na boa, mas quando acelerei a mota engasgou-se. Pensei: Olha, já foste! Vais virar! A onda vai-te apanhar! Valeu o sangue frio, acabei por acelerar a fundo e o motor desembrulhou um bocadinho, o terceiro cilindro começou a trabalhar e acabou por dar o impulso que precisava para passar a onda que, a determinada altura, já estava a fechar por cima de mim. Diria que fiz um bico de pato, furei a onda e saí disparado. (risos) Na altura olhei para baixo e vi que estava bem alto, mas não podia largar a mota. Por incrível que pareça a aterragem foi suave e tudo acabou bem. Não foi uma coisa propositada, mas apenas aspetos mecânicos que falharam e que tentei solucionar na altura.
A ideia que se tem é que o pessoal das ondas grandes é uma grande família. Confirmas?
Sim, concordo plenamente. As pessoas que estão dentro de água não só têm que estar muito entrosadas umas com as outras, sejam ou não da mesma equipa. O ano passado, por exemplo, quando o Rafael virou a mota com o [Rodrigo] Koxa, quem foi em seu auxílio foi o Garrett que era de outra equipa. Se não houver esse espírito de família e entreajuda as coisas podem correr muito mal. Dentro de água o que se vê é uma família unida a lutar pelo mesmo: apanhar umas boas ondas em segurança, felizes e que no final possamos beber umas cervejas ou comemorar de uma outra maneira qualquer.
Futuro imediato. Objetivos para a temporada de inverno?
O meu objetivo imediato é tentar descer, logicamente, umas daquelas bombas de 20 metros. Sem dúvida, uma pessoa não faz disto vida, mas esse pode ser um bom impulso, uma ajuda a nível de patrocinadores, objetivos e concretização pessoal. Por isso, diria que após as muitas horas que dediquei à condução neste último ano, em qualquer tipo de mar - facto que o [Andrew] Cotton e o [Rafael] Tapia salientaram dizendo-me que melhorei bastante; já só me resta descer uma daquelas bombas que qualquer comum mortal tem medo só de olhar. Era isso que gostaria de fazer este ano.
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Entrevista: AF // Fotografia: Nuno Cerveira (ação); Hélio António (ação ao longe); José Pinto (salto) & Margarita Adrovez (galeria no topo).