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Filipe Toledo: "Transformo a pressão em motivação"
Uma entrevista com o candidato ao título WSL, em Peniche, durante o ano de 2015.
Numa altura em que Filipe Toledo é uma das coqueluches do Surf Mundial, vale a pena recordar no passado ano de 2015 durante o Rip Curl Pro Portugal em Peniche, a entrevista que Filipe concedeu à Surftotal.
"Filipe Toledo chega a Portugal como número 6 mundial, e ainda com hipóteses matemáticas para chegar ao título mundial, embora não se mostre muito preocupado com essa matemática. E foi em Peniche que estivemos à conversa com um dos melhores surfistas do mundo, cujo talento é apenas comparável à simplicidade que demonstra ter. Desde a forte influência do pai, Ricardo Toledo (ex-surfista profissional e bicampeão brasileiro), até ao caminho que ainda tem de trilhar, Filipinho não deixou nada por responder.
Fala-nos da influência que o teu pai teve para surfar e competir.
O meu pai foi a primeira pessoa da minha família que começou a surfar, e o meu avô sempre o apoiou, sempre o levou para a praia e deu-lhe muito incentivo. E o meu pai conseguiu passar isso para mim, para o meu irmão mais velho e para o resto dos meus irmãos também. Mas acho que eu fui o único que herdou o sangue de competidor que ele sempre teve e ainda tem. De todos eu sou o que mais gosta de competir, de colocar a lycra e viver disto, de viajar. Até hoje ele é uma influência para mim dentro do desporto e como pessoa também, por tudo o que já passou, pela experiência, e pelo profissional que é, e pela garra que tem em ir à procura dos objetivos. Eu herdei isso dele, e sem dúvida nenhuma ele foi a pessoa mais influente da minha vida dentro do desporto.
Há alguma característica do surf do teu pai que se veja no teu surf hoje em dia?
Não sei se no estilo ou em alguma manobra… mas essencialmente na frieza. Eu procuro estar sempre frio e calmo a competir, tal como ele. E não desistir nunca, como ele sempre fez. Em termos de manobras não sei, mas na parte de ‘dar o sangue’ e tentar ir em busca dos objetivos sou como ele.
Como decidiste enveredar pelo surf profissional?
Eu comecei muito cedo, a primeira vez que o meu pai me meteu em cima de uma prancha eu tinha 10 meses (risos). Mas mais a sério comecei a surfar sozinho a partir dos 5, e aos 6 anos fiz o circuito paulista na minha terra e fui vice-campeão da categoria ‘Petit’ (até 10 anos), a partir desse momento apaixonei-me ainda mais pelo surf de competição. E foi aí que disse ao meu pai que queria competir a sério. Competi em todas as categorias de base e quando cheguei aos 16 anos fui competir no meu primeiro campeonato de surf profissional na Praia do Guarujá, e na verdade não queria muito ir, foi o meu pai que me disse ‘vamos lá, vamos tentar’. Cheguei lá, fui avançado umas baterias, e quando cheguei aos quartos-de-final ele fez-me uma proposta: se eu ganhasse o campeonato ele cortava o cabelo como o Ronaldo [ndr: apenas um ’tufo’ de cabelo à frente, como o atacante brasileiro usou no Mundial do Japão e da Coreia em 2002], eu eu disse ‘ok, então vou ganhar só para ver isso’. E ganhei mesmo, e naquele dia decidi com o meu pai que me queria tornar profissional. Paguei as taxas que tinha de pagar à WSL, e foi a partir daquele dia que começou a minha carreira profissional.
És uma pessoa que mostra ser capaz de se alhear da pressão das competições.
Consigo, graças a Deus tenho uma cabeça muito boa e apoio da família. Consigo pegar na pressão e transformá-la em motivação. Quando oiço ‘agora és número 3, ou estás no Top 10 e vamos ver como é que é, etc”, isso motiva-me. Vocês querem ver… eu vou mostrar. É uma motivação e um desafio.
É comum ouvir-te falar em Jesus Cristo e em fé, isso é muito importante para ti?
Fui criado num berço cristão, a minha mãe sempre foi muito devota, tal como o meu pai e toda a minha família. Tenho Jesus Cristo como a minha força, o meu refúgio nas horas difíceis. Funciona como espelho para mim, Ele foi perfeito e tudo o que fazemos de bom aqui é o mínimo que podemos fazer por Ele.
Tiveste um início de ano fulgurante, com alguma quebra pelo meio, mas matematicamente ainda podes ganhar o título mundial este ano, ainda pensas nisso?
Sinceramente no início do ano não pensava no titulo mundial. A partir da etapa do Rio, que venci, tinha ganho na Gold Coast… fiz um 5º lugar em Bells… a partir daí pensei mais nisso, mas não apenas focado nisso. Tentei continuar a fazer o meu trabalho e manter-me na elite. Foi depois de Trestles que tudo mudou para mim, e me comecei a dedicar totalmente ao título mundial, fui para a França com muita determinação e foco, mas acabei por perder logo no segundo round e isso deixou-me muito triste e abalado. Mas ainda tenho algumas chances, se for para ser este ano, Deus há-de me ajudar, mas se não for estou feliz com a minha performance durante o ano todo, e vou treinar mais para no ano que vem fazer tudo melhor.
Fala-se muito da ‘brazilian storm’, achas que os surfistas brasileiros vieram trazer uma nova forma de estar ao panorama do surf competitivo?
Acho que sim, esta geração a que chamam ‘brazilian storm’ é totalmente diferente da geração anterior, onde estava o Neco (Padaratz), Fábio Gouveia, Vitor Ribas, todos esses ícones do surf brasileiro que representaram muito bem no mundial. Nós temos muito mais oportunidades do que eles tiveram, era muito mais difícil para eles chegar onde chegaram. Não que nós não tenhamos tido dificuldades - só nós sabemos o que foi precisa lutar e abdicar para viver do surf. Mas as oportunidades de patrocínio, o incentivo ao desporto, a forma como se olha para o surf hoje em dia, é totalmente diferente daquela época, então esta geração ‘brazilian storm’ tem um potencial muito grande e está a ser muito bem falada no mundo todo.
Hoje em dia para um surfista como tu, já se pode dizer que ‘se vive bem’ do surf? Pelos ‘prize money’ e essencialmente pelos patrocínios.
Posso dizer que sim. Gosto de viver de forma simples, estar com a minha família, surfar, e é isso… Não me preocupo muito em ter a melhor casa, o melhor carro, sou feliz com pouco. Divirto-me muito viajando, com a minha família. E é isso que tenho de aproveitar, a família vai um dia e não tem volta, enquanto os bens materiais ficam todos cá… Por isso aproveito muito a minha família e amigos e isso é o que mais importa.
Fala-se muito de uma eventual pressão que sentes quando surfas ondas grandes, isso é verdade?
Sim, é verdade, mas não só em mim como em todos os ‘pros’ que estão ali… Tahiti, Pipeline, quem diz que não tem medo daquelas ondas está a mentir. Kelly Slater, Owen Wright, Mick Fanning, todos têm medo, mas têm experiência, sabem qual a onda certa, o posicionamento no tubo, e isso é um ponto que me falta a mim - a experiência. Mas é apenas uma questão de tempo, um dia vou surfar como eles.
‘The Box’ foi a onda mais complicada da tua vida ou Teahupoo?
Depende, é uma direita e eu surfo de frontside em The Box por isso é mais fácil para mim do que por exemplo para o Miguel Pupo que é goofy. E para mim é mais difícil Teahupoo porque surfo de backside e o Miguel de frontside. Mas se for comparar as duas ondas em termos de perfeição e dificuldade acho Teahupoo mais fácil do que The Box.
O ambiente que se vive dentro do Tour, é bom? Não uma rivalidade anglo-saxónica com os latinos?
Antigamente havia muito essa rivalidade fora de água também, levavam muito para o campo pessoal. E também por isso o surf era visto como marginal… o australiano não gostava do brasileiro, o brasileiro não gostava do australiano… Somos amigos, a rivalidade vai só para dentro de água. Acaba a bateria não levamos a rivalidade para a praia, fica na água. E tudo isso faz com que o desporto cresça e evolua a cada ano que passa.
Conselhos para quem ambiciona chegar a profissional?
Para quem está a começar agora e se quer tornar surfista profissional: continuar focado, aproveitar bem a vida, a família. para a molecada que está a começar agora, continuem na escola! Ninguém chega onde eu cheguei sem estudar, e ninguém é o Mick Fanning sem estudar. É preciso focar nos estudos, na escola, treinar bem e manter o foco, e um dia chega-se lá. "