SOS Cabedelo: Governo pretende investir 750 milhões no combate à erosão costeira

Relatório do Grupo de Trabalho do Litoral pode marcar um ponto de viragem no combate à erosão costeira.

 



Foi anunciado ontem, pelo Ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, que o Governo português prevê, até 2050, investir 750 milhões de euros no combate à erosão costeira. Boas notícias que surgem na sequência de uma árdua luta iniciada pelo movimento SOS Cabedelo e da recente divulgação de um relatório por parte do Grupo de Trabalho do Litoral.


O movimento cívico surge em 2009 perante a ameaça à onda do Cabedelo, com a obra de prolongamento dos molhes do Porto Comercial da Figueira da Foz. Em 2010 organiza, na Figueira da Foz, o Seminário Impacto do Surf na Sociedade onde, pela primeira vez em Portugal, se reúnem especialistas das mais variadas áreas disciplinares em torno do surf, alargando-se a reflexão ao papel do mar e do surf no desenvolvimento local. Com a vitória na iniciativa MOVIMENTOMILÉNIO em 2011, ficou inscrita a tecnologia de BYPASS como solução para a reposição da deriva litoral, para melhorar as condições de surf e combater a erosão, a sul. Em 2012, com a distinção no Concurso de Ideias para a praia da Figueira e o aprofundamento da reflexão a norte do porto comercial, coloca-se, pela primeira vez, a possibilidade da devolução da areia, retida na principal frente da cidade, ao mar. Ainda em 2012 o SOS Cabedelo lança a campanha - usar a areia do norte para proteger o sul da erosão e devolver O MAR À CIDADE - intensificando a divulgação pública e os contactos com a administração. Em 2013 regressam à Gold Coast para participar na Global Surf Cities Conference e voltam novamente ao BYPASS do rio Tweed. No final de 2013 vêem recompensados os seus esforços na luta pelo reconhecimento da direita mais longa da Europa, a norte da cidade, com a sua inscrição no Plano Nacional Estratégico do Turismo. No início de 2014, no Azores Wave Week sobem o tom da contestação à revisão em curso do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC), questionando a estratégia de protecção costeira preconizada. Depois das três investidas do furacão Hércules, da suspensão da revisão do POOC e da nomeação do Grupo de Trabalho do Litoral (GTL) pelo Ministro do Ambiente é, na Figueira da Foz, que têm oportunidade de partilhar a reflexão com os especialistas liderados pelo Professor Filipe Duarte Santos. 
O relatório agora apresentado pelo GTL revela uma profunda mudança do paradigma de protecção costeira que agora se quer centrado no reequilíbrio sedimentar, com a transposição de sedimentos nas barras de Aveiro e da Figueira da Foz e a devolução das areias retidas em fim de ciclo ao mar. "Eurico Gonçalves, e Miguel Figueira dois dos responsáveis pelo movimento, explicam à SurfTotal o impacto que este relatório poderá ter no futuro.

 

O que se vai passar agora? Em que medida este relatório vai acelerar o processo no inicio de deposição de areias a sul do Cabedelo?
O relatório vai obrigar à revisão da estratégia que estava a ser equacionada no POOC que nem sequer contemplava a transferência das areias de norte para sul. O cenário de protecção, que denunciámos oportunamente, era baseado em obra pesada com custos agravados por causa do déficit sedimentar. Ora o que o relatório vem esclarecer é que apesar da ligeira vantagem nos custos no curto prazo com as obras pesadas, no médio prazo, até 2050, a vantagem está do lado da realimentação da deriva. Esta solução é também a que tem menor impacto sobre os sistemas naturais e a paisagem, salvo se se optar por transferências sedimentares massivas, sendo também o melhor garante face à perda de território. Em nossa opinião é também a que serve melhor o surf porque defende a duna hidráulica e a praia submersa. Há ainda algum caminho para fazer até que as soluções estejam no terreno, mas acreditamos que a urgência da cativação de verbas no horizonte 2020 e o estado da costa vão obrigar a acelerar o processo e o compromisso com a execução. 

 

Qual ou quais as influências em outros casos (ou todos os casos) na costa portuguesa que poderão optar por medidas semelhantes?
O documento incide sobre os 987km da costa de Portugal continental, desde o Minho à foz do rio Guadiana, e aponta soluções diferenciadas para troços de costa com características distintas, ainda que a aposta na realimentação com re-utilização de areias em fim de ciclo seja transversal. Na zona centro, dada a proximidade das barras da Figueira e Aveiro, enquadradas no mesma célula sedimentar, tudo indica que as soluções de transposição de sedimentos e aproveitamento das areias retidas a norte, deverão ser semelhantes. Mas o aspecto mais significativo para o país será o que pode resultar por via da reformulação do POOC porque o troço Ovar-Marinha Grande poderá vir a ser o primeiro a incorporar as novas directrizes e por esse facto vir a estabelecer-se como padrão para o resto do país.

 

Relativamente à posição da autarquia. O que têm a dizer? Há uma inflexibilidade injustificada da parte da autarquia? Qual ou quais os aspetos negativos desta solução que poderão prejudicar o município ou a cidade da Figueira?
As medidas inscritas no relatório comprometem a intenção de ocupação do areal pela autarquia, mas não nos parece que o município ou a cidade saiam prejudicados. Sempre defendemos que o regresso do mar e a recuperação da qualidade da praia seria o melhor caminho para a afirmação da cidade, resgatando para a contemporaneidade o valor que lhe era reconhecido no passado. Uma vez que a tutela do espaço é da administração central, a administração local certamente que irá ao encontro do consenso refazendo o seu processo a partir desta nova premissa. Oxalá que a devolução da areia ao mar seja mesmo um facto incontornável.

 


Há uma extrapolação do movimento sos cabedelo para um patamar nacional? Estão em contato com outros movimentos do género? 
Hoje já não há patamar nacional, só global.Temos sempre que pensar globalmente para agir localmente porque não existe outra forma quando queremos que a nossa acção seja credível, para que possa ser consequente. Fomos percebendo que para salvar a nossa onda tínhamos que envolver a cidade, e que para consolidar este envolvimento era fundamental a afirmação nacional, e daí o nosso envolvimento no MovimentoMilenio. Na procura de soluções fomos até ao outro lado do mundo, à Gold Coast, Austrália. Regressámos com um contributo válido para a alteração do paradigma da protecção costeira do país, mas também para uma valorização urbana da nossa cidade e seguramente para a recuperação da nossa onda do cabedelo. Aprendemos imenso com este percurso e hoje estamos em rede com vários movimentos e com as pessoas por trás desses movimentos, em Portugal e sobretudo lá fora, trocando experiências num processo contínuo de qualificação do nosso processo participativo.

 

Próximo passo?
O próximo passo será como sempre foi, em função da onda que vier na nossa direcção. É como no surf, remas para a onda e tentas aproveitar o melhor que ela tiver para te dar. No entanto hoje estamos melhor preparados para nos posicionarmos no line-up e portando iremos seguramente explorar essa vantagem. Queremos colaborar com a administração central e local, na procura dos consensos que viabilizem esta estratégia porque acreditamos que a credibilidade do processo depende do seu sucesso, designadamente com a validação ao nível local na Figueira da Foz, mas também queremos partilhar este know-how adquirido onde quer que possa fazer falta.

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