"Os surfistas são quem mais pode sofrer com os efeitos indesejados das águas contaminadas com estas bactérias"
No seguimento da bactéria detetada na Praia de Matosinhos que provocou o desaconselhamento de banhos e surf..
Foi na passada quarta-feira, dia 23 de Junho, que a bandeira vermelha foi içada devido ao aparecimento de uma bactéria nas águas da Praia de Matosinhos. Segundo fontes próximas da Surftotal, a Capitania do Porto de leixões foi informada da detecção de uma bactéria na água de Matosinhos, após análise regular e, por esse motivo, foi de imediato içada a bandeira vermelha.
A Surftotal esteve à conversa com Luís Leite, membro da equipa da Surfrider Foundation Porto, uma representação local da Surfrider Foundation Europe, para saber mais sobre a qualidade da água na Praia de Matosinhos, o aparecimento de bactérias nestas águas e aquilo que é feito pelas autoridades locais, como forma de contrapor o que é dito pelas mesmas. Isto porque a Surfrider Fundation faz também análises regulares às águas de Matosinhos.
A Surfrider Foundation Europe é uma Organização Não Governamental de Ambiente (ONGA) Europeia, com mais de 30 anos de história e trabalho em prol da proteção do meio ambiente, educação e sensibilização ambiental da sociedade, cujo objetivo é proteger os oceanos, as zonas costeiras e todos os seus utilizadores, seja através de ações educativas ou de sensibilização, através de ativismo local ou trabalho de lobby junto das instituições europeias, tendo sempre como propósito fazer uma contribuição ativa e significativa para uma verdadeira mudança social e ecológica responsável.
Surftotal: Há dezenas de anos que a Praia de Matosinhos tem vindo a ser alvo de problemas com águas poluídas. Desde a altura do Matadouro, até aos dias de hoje. Mudou muito desde essa altura em que até sangue era descarregado na Praia de Matosinhos?
Luís: É verdade que a qualidade da água na praia de Matosinhos tem melhorado ao longo dos anos. Qualitativamente é, para a Surfrider, difícil avaliar porque não temos dados que nos permitam comparar essa evolução ao longo do tempo, mas, mesmo a nível visual, essa melhora é visível. Esta melhora não significa que chegámos a uma boa qualidade da água ou que os episódios de poluição não continuem a acontecer, provavelmente a frequência desses episódios é menor, mas como utilizadores frequentes da praia e a nossa preocupação pelo ambiente, achamos que a qualidade da água deve ser boa durante todo o ano.
"como utilizadores frequentes da praia e a nossa preocupação pelo ambiente,
achamos que a qualidade da água deve ser boa durante todo o ano"
Surftotal: Nota-se que a autarquia nos dias de hoje tem um cuidado extremo com a limpeza das areias da praia. Diariamente estas são limpas por diversas máquinas rebocadas por veículos próprios. Isso também tem acontecido com a situação da água do mar?
Luís Leite: A areia da praia pode ser limpa com frequência e isso ajuda a manter limpo o areal que possa estar com resíduos. No caso da água, as medidas têm que ser proativas e não reativas, ou seja não podemos deixar que a qualidade atinja níveis baixos porque não é tecnicamente viável filtrar a água do mar para limpar a mesma. Desta forma é preciso não deixar que águas contaminadas cheguem até à praia.
"é preciso não deixar que águas contaminadas cheguem até à praia"
Surftotal: Passando a factos recentes: na semana passada, tivemos o hastear da bandeira vermelha devido à presença de uma bactéria. Sabemos que a SR Foundation faz também análises regulares às águas de Matosinhos... A questão é: nestas situações de bandeira vermelha hasteada é de evitar os banhos e surf em Matosinhos? Porquê?
Luís Leite: A bandeira foi hasteada na semana passada porque uma análise realizada na praia de Matosinhos obteve valores superiores aos estabelecidos pelas normativas para as águas de banho, durante a época balnear. As bandeiras vermelhas hasteadas indicam que, neste caso, a água não tem qualidade para que as pessoas estejam em contacto com ela. São águas com bactérias fecais que podem trazer vários problemas de saúde a quem está em contacto com as mesmas.
"são águas com bactérias fecais
que podem trazer vários problemas de saúde a quem está em contacto com as mesmas"
Na semana passada foi notícia apenas porque estávamos durante a época balnear e porque existe a normativa que regula a qualidade das águas durante o verão. Para terem uma ideia os valores atingidos aproximaram-se de 1500 ufc/100ml, mas a Surfrider Foundation durante o mês de Abril chegou a verificar valores de 35 000 ufc/100ml o que corresponderia a 35 vezes o limite estabelecido para a época balnear, mas nenhuma medida foi tomada para proteger a saúde dos milhares de surfistas que estavam durante esses dias na praia.
"nenhuma medida foi tomada para proteger a saúde dos milhares de surfistas
que estavam durante esses dias na praia"
Para terem uma ideia nos últimos 12 meses, fizemos 21 amostras na praia de Matosinhos, das quais 13 obtiveram para a bactéria E. Coli valores acima do limite estabelecido para aguas balneares. Isto significa que mais de 60% das vezes que fizemos as recolhas de água, estas revelaram ser impróprias para banhos.
Surftotal: As análises oficiais são feitas com que regularidade? E podem ser consultadas publicamente? Onde?
Luís Leite: A Surfrider Foundation Porto tem feito análises regulares na praia de Matosinhos e na Azurara a cada 3 semanas fora da época balnear (uma vez que durante a época balnear já são feitas pela autarquia). O nosso objetivo não é substituir a autarquia que achamos que deve ser a principal entidade a cuidar deste tema, mas uma vez que os surfistas não tinham acesso a esta informação, achamos que seria importante da nossa parte proporcionar esses dados para que os mesmos pudessem estar informados.
Os resultados obtidos ao longo dos últimos anos podem ser analisados na página da Surfrider Foundation Porto na secção Surf e Água Limpa.
"a Surfrider Foundation Porto tem feito análises regulares na praia de Matosinhos e na Azurara
a cada 3 semanas fora da época balnear"
Surftotal: Como e porque surgem estas bactérias nas águas das praias, em geral, e Matosinhos, em particular?
Luís Leite: Estas bactérias podem surgir devido a vários fatores como a falta de tratamento de águas que chegam ao mar, a existência de focos de poluição ao longo da Ribeira e as descargas ilegais.
Surftotal: O que pode ser feito para evitar o aparecimento destas bactérias?
Luís Leite: Para evitar o aparecimento das bactérias é necessário fazer um tratamento das águas contaminadas que chegam até à praia, controlar as descargas ilegais e os focos de poluição a montante da ribeira.
"é necessário fazer um tratamento das águas contaminadas que chegam até à praia,
controlar as descargas ilegais e os focos de poluição a montante da ribeira"
Surftotal: Isto não acontece apenas no verão e, por isso, no Inverno, com a presença de milhares de surfistas diariamente em Matosinhos, estes tornam-se alvos fáceis de contaminação. É verdade?
Luís Leite: Sem dúvida que os surfistas são as pessoas que mais podem sofrer com os efeitos indesejados das águas contaminadas com estas bactérias. Na verdade no inverno os resultados são bastante piores porque as chove mais e quando não é possível tratar a água estas vão diretamente para o mar. Por outro lado suspeitamos que não são só as aguas das chuvas que chegam até à praia de Matosinhos uma vez que foi registado mais do que uma vez cores na Ribeira da Riguinha que não correspondem a água das chuvas. Neste caso a preocupação é bastante maior porque nos leva a pensar que pode existir não só contaminação fecal mas também química.
As consequências para os surfistas podem ser infeções oculares, auditivas, problemas gastrointestinais, de pele, entre outros, e a verdade é que continuam a surgir com alguma frequência episódios de surfistas com este tipo de problemas.
"os surfistas são as pessoas que mais podem sofrer
com os efeitos indesejados das águas contaminadas com estas bactérias"
Surftotal: O que deveria ser feito pela autarquia no Inverno para defender os cidadão que usufruem da Praia?
Luís Leite: Do nosso ponto de vista, o principal objetivo seria garantir que a qualidade da água que chega até à praia de Matosinhos tenha o devido tratamento para que não chegue com os valores que tem tido ao longo dos últimos invernos. Porque sabemos que é praticamente impossível dimensionar uma estação de tratamento da água para períodos de chuvas torrenciais, acreditamos que, nesse caso, depois destes episódios (de chuva), o município deve fazer análises (num curto espaço de tempo e enquanto os resultados forem acima dos limites), informar os banhistas da qualidade da mesma, fechando a praia em caso de necessidade. Estes procedimentos já realizam em outros países, nomeadamente aqui ao lado em Espanha.
Surftotal: Fala-se que as autarquias do Porto e Matosinhos estão a tentar chegar a um acordo para construir um emissário submarino e fazer com que a água Ribeira da Riguinha desague mais longe da praia. Será essa uma boa solução?
Luís Leite: Do nosso ponto de vista, essa solução pode melhorar sem duvida a qualidade da água para os surfistas que utilizam a praia frequentemente, porque o facto do desague ser feito a uma maior profundidade, numa zona com maior circulação e mistura da água faz com que a mesma se diluía muito mais. Por outro lado, e analisando do ponto de vista ambiental, só estamos a levar o problema para o oceano aberto (em vez de ser na praia), deixando como secundário o projeto do tratamento das aguas. Tememos que do ponto de vista ambiental, essa possa não ser uma solução ótima e que o facto de não ser visível na praia leve a que as descargas ilegais possam aumentar.
"Os resultados da qualidade da água obtidos pela Surfrider Foundation para a praia de Matosinhos contradizem
categoricamente os resultados referidos no estudo de impacte ambiental relativo à extensão do paredão"
Surftotal: Será que o previsto prolongamento do paredão pode afetar a qualidade da água na praia de Matosinhos?
Luís Leite: Os resultados da qualidade da água obtidos pela Surfrider Foundation para a praia de Matosinhos contradizem categoricamente os resultados referidos no estudo de impacte ambiental relativo à extensão do paredão que parte do pressuposto que a qualidade da agua é excelente. Assim, com a extensão do paredão, a taxa de renovação da água vai certamente diminuir e demorará mais tempo até que um foco de poluição possa diluir/desaparecer. Isto faz com que a qualidade da água piore e que os episódios de poluição tenham um impacto mais prolongado no tempo.
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