JOÃO KOPKE FALA SOBRE A MAGIA DE ALIAR O SURF E A CULTURA NUMA VIAGEM DE BICICLETA DE NORTE A SUL DE PORTUGAL sexta-feira, 18 dezembro 2020 13:36

JOÃO KOPKE FALA SOBRE A MAGIA DE ALIAR O SURF E A CULTURA NUMA VIAGEM DE BICICLETA DE NORTE A SUL DE PORTUGAL

Na série " De Norte a Sal"... 

João Kopke é um surfista que compete mas gosta mais de olhar para a cultura dos países por onde passa à procura de ondas do que de ganhar campeonatos. É um cantor lírico e um contrabaixista clássico que se interessa por música popular de todos os cantos do mundo. É um estudante de ciência política e relações internacionais que vê dinâmicas de poder na forma como os surfistas se sentam à espera por ondas.

O surfista de Carcavelos tem vindo a contar histórias através da produção de conteúdos em que mostra o que está para além das ondas, como é o caso da série "De Norte a Sal" onde nos mostra Portugal de uma nova perspetiva.

Com a pandemia de covid a limitar as viagens para fora do país, o surfista aventurou-se a percorrer a distância de Caminha a Sagres de bicicleta numa aventura insólita que nunca irá esquecer, como nos contou nesta entrevista exclusiva.

 

 

 

 

 

És uma pessoa muito dinâmica e criativa e mostras-nos isso ao desafiares-te a percorrer Portugal de bicicleta na série “De Norte a Sal”, onde alias o surf à cultura do nosso país. Conta-nos ao certo como nasceu este projeto.

 

Basicamente o que aconteceu foi que eu tinha todo um ano planeado com projetos diferentes dos que acabaram por acontecer, já programados e prontos para começar, e com esta história do covid de repente nós ficámos presos em Portugal sem saber muito bem o que é que ia acontecer com a parte talvez mais interessante do surf para mim, que é a parte do viajar.

Por outro lado havia uma incerteza muito grande em relação ao que é que ia acontecer relativamente a patrocinadores, e apoios. No começo, quando isto aconteceu foi uma espécie de mundo que caiu porque todas as pessoas estavam a pensar “o que é que vamos fazer amanhã”, “onde é que vamos cortar”, será que a economia no mundo vai paralisar, etc. Sem um mínimo grau de certeza, o que eu sabia era “bem, o que eu posso fazer é andar cá dentro". Sendo que o mote de tudo o que eu faço é contar histórias através do surf, eu sabia que tinha de viver uma experiência qualquer que me permitisse contar uma história num formato de conteúdo, mas ainda não tinha muito claro como.  Por outro lado, eu sabia, ou achava eu, que seria algo complicado encontrar patrocinadores e tudo o mais para o que quer que fosse que eu fosse fazer, então, na minha cabeça, tinha de ser algo low budget, o que combina bastante com a minha forma de viajar, que é bastante relaxada sem preciosismos e voltada para a aventura que é por vezes viajar com um pouco menos de dinheiro na carteira do que é o normal. Então, estavam aqui os ingredientes para surgir qualquer coisa. Eu comecei a pensar nesta ideia da bicicleta e acho que ela tomou um papel muito central nesta história porque a decisão de ir para a bicicleta teve muito a ver com o facto de eu já conhecer muito bem o meu país, então eu tinha que arranjar uma outra maneira de viver uma experiência que me permitisse encontrar coisas novas dentro do espaço que eu já conhecia.

Ao gravar o “Riding Portugal”, que é a série que eu gravo para os aviões da Tap e para a televisão, eu já tinha passado por muitos dos sítios em Portugal onde há costa, então tinha que ser algo que fosse quase como uns óculos diferentes para eu olhar para o meu país e a bicicleta é isso mesmo. Ao passo que ao viajar de carro nós vemos a paisagem a mudar mas parece que estamos protegidos por uma redoma, e literalmente estamos protegidos por uma redoma de aço e vidro, de bicicleta nós sentimos a transição de uma paisagem para outra, de uma experiência para outra, de uma forma muito mais lenta e muito mais detalhada, para além do esforço físico e do desafio. Mais do que o desafio, a ideia era viver com uma sensação nova, com uma maneira diferente de olhar para o meu país, daí a bicicleta e acho que funcionou muito bem porque eu vivi coisas através desta viagem que nunca conseguiria viver de carro e muito menos de avião. 

 

 

 

"Eu levava uma prancha que é literalmente uma vela quando está vento.

Sempre que havia uma rajada eu era atirado, por exemplo, para o meio da estrada."

 

 

 

Escolheste a bicicleta como o teu meio de transporte para percorreres a distância de Caminha a Sagres. Este não é propriamente o veículo mais confortável para percorrer longas distâncias. Qual foi a situação mais desconfortável que viveste ao longo da tua viagem?

Eu vejo dois momentos muito desconfortáveis da viagem. O primeiro, e mais óbvio, foi logo ao início, porque na primeira parte da viagem eu fui com um amigo que estava bastante confortável com fazer 40 ou 50km por dia e eu não.

Isso significou que no primeiro dia cheguei a meio do tempo e estava de rastos, e o pior foi o dia seguinte, quando comecei a sentir aquela agulha nas pernas. Mas desse momento eu já estava à espera, o que eu não estava à espera foi essencialmente de duas coisas que se traduziram em dois momentos. Primeiro foi a questão dos carros, o ter algum medo, ter algumas ultrapassagens e buzinadelas e algumas coisas que eu achava que não havia. Esta foi uma das coisas mais desagradáveis que aconteceu, de repente, durante toda a viagem, ter medo de ser atropelado e não me poder desequilibrar, e a isto agravou-se a segunda coisa. Eu levava uma prancha que é literalmente uma vela quando está vento e no verão está vento de norte, ou seja uma parte substancial do tempo é bom porque vamos com uma vela a empurrar-nos na direção certa, mas por outro lado sempre que havia uma rajada eu era atirado, por exemplo, para o meio da estrada. Quando havia carros era chato mas foi minimamente controlável.

A subida na Serra da Boa Viagem, a chegar à Figueira da Foz, foi extremamente desconfortável. É muito íngreme. O meu amigo lá conseguiu fazer aquilo numa mudança mais leve, mas eu saí da bicicleta. Estava uma ventania do pior, eu já não tinha força nas pernas, tinha surfado imenso tempo, andado de bicicleta imenso tempo, praticamente sem parar. Depois quando íamos a descer eu larguei os travões e de repente estou a dar uma curva e há uma rajada de vento que me empurra a grande velocidade. Tenho plena noção de que, à velocidade a que eu ia, se aquilo corresse mal eu magoava-me muito, no mínimo.

  

 

 

 

 

Normalmente, quando um surfista vai numa viagem de surf leva um quiver para diferentes condições de surf, no entanto tu só pudeste levar uma prancha nesta tua aventura. Qual foi a prancha que levaste?

Essa foi a primeira pergunta que eu fiz. Como é que eu levo um quiver comigo? Nós tínhamos um carro de apoio. Se eu quisesse eu podia ter trazido todo um quiver comigo e assumido isso, mas eu queria ter a experiência o mais real possível, então levei somente uma prancha, que é aquela prancha que aparece no vídeo com um formato estranhíssimo. A prancha é round, mas ao mesmo tempo o tail é muito largo, o que significa que anda quando o mar está pequeno. O nose também é muito largo, o que significa que dá para entrar em ondas grandes, ondas pequenas, e a prancha tem bastante volume. É uma prancha pequena porque era mar de verão, essencialmente, e nós queríamos uma prancha que se aguentasse ao mar pequeno típico da nossa costa no verão, só que estávamos preparados para se entrasse um swell grande, como entrou em Carcavelos, então a prancha podia ser quad, para agarrar mais e ter mais velocidade. Era uma prancha super all around. A prancha deu aéreos, tubinhos, carves, salvou-me bastante. E agora a Jobsite implementou este modelo, depois de eu ter feito a viagem, porque é uma prancha que funciona.  

 

 

Houve algum local que te tenha marcado ou alguma nova onda que tenhas descoberto?

Houve dois locais que me marcaram bastante. O primeiro foi logo o primeiro lugar de todos, aquela zona por cima de Viana do Castelo e Caminha, logo onde a viagem começou. Senti um micro clima gigante e brutal para o qual eu não estava preparado porque de repente estamos num sítio tipo a Galiza onde é bastante mais húmido, mais verde do que no resto de Portugal, pelo menos foi isso que eu senti, e é um sítio cheio de ilhas. Não é cheio de ilhas, mas foi a minha percepção porque depois cada baía por onde íamos passando tinha ou uma península muito gira ou uma ilha onde havia fortes e faróis dos quais eu não estava à espera num ambiente muito verde para o verão português e, pode ter sido sorte, mas com muito sol. Não estava à espera que essa zona fosse tão mágica, tão exuberante, tão bonita. Foi o sítio que achei mais bonito. Ondas novas só surfei a Praia do Seixo. É uma praia em Santa Cruz, que se tem de descer umas escadinhas muita “sneaky”. Tem uma bancadinha de rocha e também uma bancadinha de areia interessante e o que eu mais gostei foi que tem uma água natural, que corre por uma mini cascata da qual nós podemos beber e é chamada a água do Seixo, que se diz que tem propriedades medicinais, e tem uma onda que quase ninguém conhece, um mini secret. Não é um secret difícil de se revelar, porque é uma onda acessível e para todos, mas é um mini paraíso que está ali guardado.  

 

 

 

 

Numa viagem como esta, e particularmente num ano tão atípico como este que estamos a viver, é normal que haja imprevistos. Qual foi a situação mais insólita que viveste?

Esta viagem foi um imprevisto. O fato dela ter acontecido deveu-se a um imprevisto do mundo e tudo a partir daí foi um imprevisto. Eu trabalhei com um produtor que é o João Amado, da WAY, que só soube do projeto umas três semanas antes do projeto começar a acontecer. A Sport Tv, que foi quem veio com o projeto primeiro, só apareceu duas semanas antes. Então foi tudo em cima da hora. Houve um requerimento para que todas as pessoas confiassem em tudo o que lá vinha, porque nem o João me conhecia nem a Sport Tv tinha trabalhado comigo neste estilo de produção de conteúdos e isso gerou uma série de imprevistos associados, por exemplo a captação de patrocinadores e consequentemente de coisas para fazer, porque muitos dos patrocinadores que entraram nisto foram câmaras municipais que tiveram interesse em que nós lá passássemos e que acabaram por apoiar o projecto, às vezes logisticamente outras vezes pagando o projeto. Houve confiança de toda a gente porque nós não íamos mostrar só as ondas, era as ondas e tudo o que havia de interessante para ver nestes lugares. Então às vezes nós estávamos, literalmente, sem saber o que íamos gravar no dia seguinte. Isto chegou a acontecer e foi bastante insólito, porque ainda não tínhamos a confirmação de uma câmara qualquer que ia entrar como apoiante do projeto e do nada ligáva-nos alguém, por exemplo como aconteceu em Santiago do Cacém, a dizer “e se fossemos ali ao Badoca Park?”. Eu disse que sim e dei por mim a fugir dos búfalos de bicicleta, isso foi bastante insólito. Algumas das coisas mais insólitas estão retratadas nos episódios, acho que é suficientemente insólito tu teres um robot que te pergunta se tu queres só um cheirinho de moscatel de Setúbal, que foi desenvolvido especialmente para nós em parceria com o instituto Politécnico de Setúbal.

Eu acho que todas estas coisas insólitas são fruto do próprio contexto ser insólito, de ser um imprevisto enorme. A viagem foi programada no insólito e no insólito ficou.

 

 

És filho de pais brasileiros e embora tenhas nascido em Portugal, desde cedo que o Brasil é a tua segunda casa. Sentiste que esta viagem veio reforçar a tua ligação com o nosso país?

 

A ligação com o nosso país já era a mais forte que eu tenho com um sítio. Eu sou português de gema em muitas coisas. É uma dualidade porque também sou brasileiro de gema em algumas coisas. Obviamente que sou muito mais português do que sou brasileiro porque a minha vida foi toda construída cá. Os meus amigos são de cá, eu estudei cá, vivi a cultura de cá. Há alguns aspetos pontuais em que eu me sinto mais brasileiro do que português. É o caso do mundo da música, eu sinto-me bastante mais brasileiro na música do que português, mas de resto, sinto-me mais português. A minha forma de ser, por exemplo, não é de todo tão aberta como a de um brasileiro, eu sou bastante português nesse aspecto. O que eu valorizo na vida são tudo coisas extremamente ligadas a Portugal. Além disso, acho que tenho uma sorte muito grande associada ao facto de eu produzir conteúdo especificamente sobre o nosso país já há mais de 4 anos, 4 locais no mínimo por ano. Eu estou constantemente a viajar pelo nosso país e ilhas. Nesta fase estou a produzir uma nova série para a Tap que se chama “Secret spots”, que vai ao encontro de aspetos menos conhecidos do nosso país e portanto acho que estou a ter o privilégio de ver o nosso país de alto a baixo, e esta  maneira de ver o nosso país veio cimentar isso ainda mais. Eu já achava o nosso país o melhor país do mundo, honestamente, e ver com uns óculos diferentes como é que as coisas vão mudando à medida que nós vamos de norte para sul foi mais um argumento que prova o quanto eu adoro Portugal e o quão especial é o nosso país.

 

 

 

 





 

 

 

 

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