"Federação Portuguesa de Surf ultrapassada pelo Turismo de Portugal" - João Ferreira (SCP)
"Com a falência inevitável de vários operadores,...temos de decidir se voltamos aos tempos vividos da ganância..."
Na sequência da notícia da Federação Francesa de Surf e das possibilidades de abertura das praias naquele País, certamente coordenada com as diversas autoridades Francesas, FFS e clubes. E por que em Portugal a Federação Portuguesa de Surf também ter feito uma proposta para utilização das ondas, fomos saber como estão os Clubes de Surf em Portugal. Estes desempenham um papel importante por estarem no terreno, conhecerem bem a área, atletas, free surfers, hábitos, costumes e necessidades. Na verdade do ponto de vista externo com o boom das escolas de surf, os clubes “apagaram-se” um pouco.
Quais serão os motivos? Pouca competição a nível colectivo?
Pouca representação local?
Falta Dirigentes?
Fomos tentar saber junto de alguns dos principais Clubes de Surf a nível nacional.
Responde o Surfing Clube de Portugal representado por João Ferreira:
"Com a complacência das instituições responsáveis vivemos “o assalto aos planos de água”
onde quase tudo foi permitido em nome da economia azul e da literacia do mar...."
João Ferreira é um fiel apoiante e responsável pelo desporto escolar
Surftotal: Nos últimos anos tem-se verificado menor actividade e visibilidade dos Clubes, concordas? Que razões existirão, pouca competição a nível colectivo?
Se por um lado o aumento do número de escolas, empresas marítimo-turísticas e outros que nem sabemos onde enquadrar, vieram criar um grande aumento da atividade económica e visibilidade da nossa modalidade, também vieram degradar a qualidade do ensino do surfing, gerando conflitos, acidentes e descontrolo na regulação da prática destas atividades. Com a complacência das instituições responsáveis vivemos “o assalto aos planos de água” onde quase tudo foi permitido em nome da economia azul e da literacia do mar. Os clubes que sempre desempenharam o seu papel na formação de atletas e treinadores, na organização de provas e dos planos de água e na divulgação da modalidade, evoluíram para a profissionalização e continuam a desempenhar a importante função social e desportiva que lhes compete. No entanto, perderam visibilidade porque são os mesmos há vários anos. Este ano em Portugal há 71 clubes federados, mas na última Taça de Portugal com uma participação recorde “apenas” compareceram 23. Isto para não falar da última assembleia geral da FPS onde muito poucos se fizeram representar.
"Quando tens uma Federação com utilidade pública que tem nos seus estatutos a função de
promover, regulamentar e dirigir a modalidade
que é ultrapassada pelo Turismo de Portugal na emissão de licenças
com um decreto de lei tão abrangente de atividades,
a realidade que vivemos foi traçada..."
Surfing Clube de Portugal mostra uma elevada dinâmica em tempos difíceis.
São várias as explicações para que isto tenha acontecido. Em primeiro lugar sem dúvida nenhuma os interesses económicos. Por exemplo: Quando tens uma Federação com utilidade pública que tem nos seus estatutos a função de promover, regulamentar e dirigir a modalidade que é ultrapassada pelo Turismo de Portugal na emissão de licenças com um decreto de lei tão abrangente de atividades, a realidade que vivemos foi traçada. Outro exemplo: O negócio da formação de treinadores que rendeu centenas de milhares de euros a instituições que toldadas pelo filão descoraram a qualidade do ensino e a formação de treinadores com capacidade, vocação, dedicação e conhecimento pedagógico. Todos tinham lugar? Todos tinham competência? Sim “todos” se tornaram treinadores em troca de inscrições chorudas.
A Federação Portuguesa de Surf perdeu influência e importância. Na luta por lugares nos Jogos Olímpicos e maior financiamento perde o Skate, modalidade criada por surfistas, para a Federação Portuguesa de Patinagem numa jogada de mestre do seu presidente. Redefinindo estratégias e projetos foca-se no Surf e nas seleções nacionais, apoiando os clubes de forma irrisória e sem plano de desenvolvimento.
Os clubes mais visíveis também têm responsabilidades. Organizaram-se com parcerias locais, patrocínios e apoios, profissionalizaram-se, mas nunca se envolveram de forma coletiva na luta pelos seus direitos e contribuindo para o seu crescimento e importância, fazendo-se ouvir no local próprio, as assembleias da Federação Portuguesa de Surf. Talvez seja esta a hora de se unirem…
"Lançamos um desafio a todos os sócios para criarmos
um banco de voluntários para combater a pandemia..."
A Praia de São Pedro do Estoril - sede do Surfing Clube de Portugal
Surftotal: Como tem sido a vida dos Clubes nos últimos tempos?
Difícil como a de todos. Inicialmente foi um grande desafio porque tivemos de cancelar tudo e encontrar formas de trabalhar remotamente com todos. Conseguimos logo na primeira semana organizar os treinos físicos dos atletas através de conferências zoom. A seguir vieram os treinos técnicos com observação de vídeos. Depois também criamos treinos abertos a toda a comunidade, através do instagram do clube com o objetivo de promover a atividade física. Lançamos um desafio a todos os sócios para criarmos um banco de voluntários para combater a pandemia, que tem desenvolvido um trabalho importantíssimo na desinfeção de espaços públicos e na distribuição de bens pelos grupos de risco. Deixo aqui o agradecimento público a todos pelo empenho, dedicação e altruísmo demonstrado numa demonstração exemplar de cidadania e solidariedade. Também aproveitamos para nos reorganizar e preparar o início da atividade com a passagem ao estado de calamidade. Criamos uma comissão COVID que elaborou protocolos de funcionamento e comportamentos que já nos permitiram iniciar a atividade em segurança. Estamos a avaliar constantemente a evolução da situação e o comportamento dos atletas que tem sido muito positivo e consciente. Devo salientar aqui o trabalho desenvolvido pelos treinadores e staff do clube em condições muito difíceis e em particular à Surfset Portugal na dinamização dos treinos físicos à distância.
"Estamos a viver tempos incertos em que
os recursos devem ser muito bem geridos..."
Surftotal:Tem havido ou está previsto algum tipo de contacto e/ou apoio de entidades desportivas a nível local e nacionais?
Os contatos têm sido vários com as entidades locais. Câmara Municipal de Cascais, Junta de freguesia Cascais/Estoril, Polícia Marítima e Fundação o Século têm desenvolvido um papel importantíssimo no combate à pandemia e às consequências dela resultantes. Sempre que é necessário aferir atitudes e comportamentos ou desenvolver novas iniciativas há contatos a vários níveis das estruturas.
O apoio dos nossos parceiros ficou reforçado pela cumplicidade e sintonia na realização das tarefas necessárias e exigidas pelo momento. Muito trabalho, contatos fora de horas e concertação de soluções para os problemas fortalecem as relações. Em termos financeiros tivemos de rever e repensar o orçamento. Estamos a viver tempos incertos em que os recursos devem ser muito bem geridos e racionalizados para fazer face às necessidades básicas. Estamos a trabalhar todos os dias para encontrar as melhores soluções. Não sabemos por quanto tempo esta situação se vai prolongar e por isso temos de salvaguardar o clube mantendo o seu objetivo principal, a promoção da atividade física e socialmente a ajuda aos mais vulneráveis.
"Os clubes têm recursos humanos especializados
com um conhecimento único e importantíssimo das praias..."
Surftotal: Sabendo que todas as praias têm características diferentes, consideras que clubes deveriam estar de alguma forma envolvido na abertura das praias?
Estivemos envolvidos no processo com várias entidades e aproveitámos para discutir a organização dos planos de água. Os clubes têm recursos humanos especializados com um conhecimento único e importantíssimo das praias onde desenvolvem as suas atividades. Já deviam ter sido ouvidos e incluídos na planificação e organização da modalidade há muito tempo.
"Este é o momento certo para repensar qual o caminho
que queremos para a nossa modalidade em Portugal..."
Surftotal: Algo mais a dizer?
Este é o momento certo para repensar qual o caminho que queremos para a nossa modalidade em Portugal. Com a falência inevitável de vários operadores, novas formas de encarar a vida e o que fazemos dela, temos de decidir se voltamos aos tempos vividos da ganância, procura a todo o custo pelo benefício imediato económico sem reguladores nem fiscalização adequada ou partimos para uma organização mais sustentável, com qualidade superior e de efeitos mais duradouros e benéficos para a natureza e para todos. A opção está ao virar da esquina, temos a obrigação de construir um futuro melhor.
João Ferreira troca impressões com Adelino Furriel, Coordenador Regional do Desporto Escolar do Norte.