Frederico Morais: “Ver alguém carregar a bandeira de Portugal é das maiores satisfações”
Entrevista exclusiva com o surfista português que faz parte do circuito mundial…
Depois da participação no Corona Bali Protected, o CT que teve lugar em Keramas há pouco mais de duas semanas, Frederico Morais levantou a cabeça e começou a preparar o próximo desafio - Jeffrey’s Bay. Neste período de preparação, a Surftotal aproveitou para se sentar à mesa com o único integrante português da elite do World Tour de forma a fazer o tão aguardado ponto de situação. Eis agora o essencial de uma entrevista exclusiva.
Surftotal: O que mudou em relação ao ano passado?
Frederico Morais: Na verdade não mudou nada. Obviamente, gostaria de ter melhorado os resultados relativamente ao ano passado. Apesar de não terem sido maus, gostaria de ter melhorado. Sem dúvida que esse era um objetivo. Às vezes não é fácil, mas esta tem sido uma boa época, sinto-me a surfar bem, tenho pranchas boas, temos apanhado boas ondas nas últimas etapas do Tour e é continuar a trabalhar. Do ano passado para agora não mudei nada, continuo a trabalhar com o “Dog” [Richard Marshall], a ter a mesma rotina, tenho novos companheiros de treino que trabalham com o “Dog”, como o Leo [Fioravanti] e o Joan Duru, além do Ryan [Callinan], que são ótimos surfistas e ótima companhia para os treinos. Estou contente, o mais importante é estar feliz, e a próxima etapa é Jeffrey´s Bay que é uma das minhas provas preferidas. Se Deus quiser, esperemos que o resultado deste ano seja idêntico ou melhor que o do ano passado.
Fala-nos do trabalho físico que tens vindo a desenvolver.
É para manter. Tenho um preparador físico na Austrália, com quem trabalho desde que me qualifiquei, e tenho um preparador físico em Portugal, com quem trabalho desde que era júnior. Eles vão mantendo contacto e usam métodos idênticos de forma a que eu possa usufruir de apoio durante todo o ano. A parte física no surf é cada vez mais importante, pois cada vez mais o nível de surf dos atletas é muito parecido e, por isso, de alguma forma, com outras componentes é possível fazer a diferença e às vezes até nos pode dar uma vitória.
Falando da temporada 2018. É verdade que até ao último heat disputado em Keramas, que foi definitivamente um ponto de viragem, procuraste jogar mais pelo seguro?
Não. Penso que temos que nos adaptar às ondas que apanhamos e, por vezes, mais que queiramos fazer uma manobra, se a onda não deixar é impossível. Às vezes é isso que acontece, piores ondas, mares mais complicados, difíceis, e isso acaba por limitar um pouco o nosso surf. É isso que eu acho que tem acontecido quando comparado com o ano passado. Em vários campeonatos não esteve o mar que uma pessoa precisa para mostrar o seu surf. E aí, quando sentimos que não temos muitas oportunidades, temos que jogar pelo seguro para depois não nos arrependermos. Primeiro há que pôr duas notas boas e depois evoluir. Isto não é só ir lá para dentro e fazer free surf, há que passar heats e passar rondas, se não saímos do Tour. Há todo esse jogo e estratégia. Em Keramas, eu não apanhei as melhores ondas do heat, que foi um erro, pois quem as apanha normalmente passa os heats, então tive que arriscar e procurar algo mais. Foi isso que fiz.
“Isto não é só ir lá para dentro e fazer free surf,
há que passar heats e passar rondas, se não saímos do Tour"
Depois de um ano no Tour o que mudou na tua visão?
Na verdade não mudou nada, são os mesmos sítios, os mesmos restaurantes, as mesmas pessoas, os mesmos hotéis. Uma pessoa acaba por conhecer melhor cada lugar onde vai, fazer novos amigos, ganhar outro à-vontade e confiança. No fundo, acaba por ser o mesmo. Não diria que houve uma grande mudança, é claro que no primeiro ano tudo era novo e que neste segundo ano já sei como tudo se processa e já me sinto mais em casa.
Para além do surf e do treino, sobra tempo? Que procuras fazer?
Por norma, sou calmo e tranquilo e gosto de ficar por casa ou no hotel. Num “lay day”, por exemplo, não costumo fazer visitas à zona, pois acaba por tirar um pouco o nosso “mindset”. É mais fácil continuar com a rotina que se vai criando nos dias anteriores do que começar uma coisa nova e sair do momento que criou. Por isso, acabamos por não visitar o local durante uma competição. Entre provas é diferente. Por exemplo, na perna australiana, há mais tempo e fazemos mais coisas, mas na Indonésia é chegar, treinar, conhecer a onda, experimentar pranchas e competir. Quando acaba o campeonato é voltar a casa ou então ficar no local a treinar. Não são propriamente férias para turismo. Estamos aqui todos para trabalhar, esse é o foco, esse é o objetivo.
Que tipo de prancha utilizas mais?
A que utilizo mais agora é uma JS, a marca com quem trabalho, o modelo é Forget Me Not, e é uma 6’0 1/2. Relativamente a quilhas, uso sempre as mesmas que são Large (grandes) e da FCS.
“(…) se calhar, os maiores scores que já vimos este ano foi com power surfing”
O critério de julgamento mudou ligeiramente este ano. Em que medida isso afeta um atleta?
É uma pergunta um bocado complicada. Sem dúvida que houve uma mudança, nota-se… sinto que após cada etapa os juízes têm vindo a adaptar-se e a encontrar um meio-termo. Não são bem os atletas que sofrem, mas o próprio heat em si uma vez que as notas saem todas muito semelhantes, até em heats onde deveria haver uma maior discrepância de scores. Fica tudo muito perto e parecido, o que abre uma oportunidade enorme para o surfista que está a perder. No entanto, por vezes, esse surfista que está a perder nem deveria ter uma oportunidade tão aberta de poder passar a bateria. Isto traz confrontos mais renhidos, mas nem sempre isso reflete o que se passou no heat. É um novo critério, os juízes é que julgam e nós temos que respeitar. Eu acho que quando julgam tentam fazer o melhor trabalho e o que está certo.
É por isso que vais passar a arriscar mais?
Não é bem uma situação de arriscar ou não arriscar, pois, se calhar, os maiores scores que já vimos este ano foi com power surfing. Tem zero a ver com arriscar. Tem mesmo a ver com apanhar as ondas certas, saber atacar no momento certo e surfar a onda da melhor forma.
Power surfing é a tua zona de conforto?
É o surf que eu gosto de fazer. É o surf que eu tenho vindo a desenvolver, são as linhas que gosto de desenhar. Nasci a surfar ondas power e fortes, onde conseguimos desenhar linhas amplas e usar o rail. Foi aí que eu evoluí. É a parte mais forte do meu surf, sem dúvida alguma.
Como foi surfar no Surf Ranch e em ondas artificiais?
Foi uma experiência gira. É um formato diferente, mas eu gostei. É difícil, a onda não é fácil, há que ganhar a manha primeiro, perceber como funciona e ter noção dos timings certos. Há que perceber realmente em que momentos se pode fazer uma manobra ou esperar pelo tubo, sair ou continuar neste. Foi ótimo e, pessoalmente, serviu também de treino para a etapa do Tour que se vai realizar por lá. Nada bate a sensação de surfar no Oceano, mas este é um bom formato e uma ótima ideia para dar a conhecer o surf a pessoas que vivem longe do mar.
“Uma das minhas maiores satisfações é sair de um heat
e ver alguém a carregar uma bandeira de Portugal"
O apoio do público é importante para ti?
Sim, é ótimo. Ter os fãs e as pessoas a enviar mensagens, as abordagens nas praias e nos campeonatos, é simplesmente brutal o apoio que sinto, quer nos momentos baixos como nos altos. São todos super carinhosos e fantásticos, isso faz uma diferença enorme e é uma força extra. Uma das minhas maiores satisfações é sair de um heat e ver alguém a carregar uma bandeira de Portugal, a puxar por mim, a apoiar-me, em qualquer canto do mundo.
Compensa fazer o Tour?
Para mim compensa, pois eu fui atrás do meu sonho e consegui lá chegar. Para mim, mesmo que não houvesse dinheiro envolvido, estou a viver o sonho e cheguei onde ambicionava chegar desde criança. Pessoalmente, isso é a maior satisfação do mundo e é também o maior orgulho poder carregar a bandeira de Portugal pelo mundo fora. Hoje em dia, com o crescente mediatismo e profissionalismo do surf, há mais apoios e isso é uma grande ajuda na hora de viajar.
Que falta ao Tour e onde pode melhorar nos próximos anos?
Com a introdução das piscinas de ondas talvez seja mais fácil incluir o surf nas transmissões televisivas. O formato atual é bastante complicado, pois são muitas horas e pode ou não acontecer. Não sei, o imprevisto também é faz parte da beleza do nosso desporto. Para ser honesto, nunca pensei a fundo nisso, tenho estado focado no meu trabalho.
Gostavas de um dia ser campeão do mundo?
Eu gostava. Adorava! Claro que sim.
Como é que encaras o Tour?
No início do ano temos uma estratégia delineada, mas depois, etapa após etapa, temos que ir adaptando à forma como vai correndo. Temos que ver como está a correr e se os objetivos estão a ser alcançados. Quando entramos na água nunca entramos para perder, o meu foco passa sempre por chegar à final e ganhar. Se não ganhar, tenho que ter certeza que dei tudo o que tinha para alcançar esse objetivo. Essa é minha maneira de encarar o Tour e a vida.
“Estou a viver o sonho e cheguei onde ambicionava chegar desde criança”
Quando eras miúdo tinhas algum atleta modelo?
Sim, gostava muito do Mick Fanning. Ainda hoje gosto, é um ótimo “role model”, um excelente atleta que deu muito ao surf e trouxe muito profissionalismo ao Tour. Aprendemos muito com ele.
Alguma vez pensaste que o surf em Portugal cresceria tanto?
Não sei, em miúdo não pensava muito nisso. Neste momento o surf é dos maiores desportos em Portugal, as pessoas hoje em dia não gostam só de surf, também percebem e sabem apreciar. Há mais “surf culture” no país, há mais atletas e mais miúdos a surfar. Agora é continuar o trabalho e tentar puxar o surf cada vez mais para cima.
Gostavas de ver outro português no Tour?
Claro que gostava. Eu viajo muito com o Vasco [Ribeiro], dou-me muito bem com ele e acho que ele tem todo o potencial. Ele está a fazer tudo para se qualificar. É uma questão de tudo dar certo, continuar a trabalhar e não desistir.
Última questão. Que achas da Seleção no Mundial da Rússia?
Acho que vamos ganhar! (risos) Acho que temos uma ótima equipa, uma ótima Seleção, tenho um bom “feeling”. Já o provámos no Europeu. O máximo que posso fazer é apoiar, torcer e vibrar pelo nosso país. Sou um fã do Cristiano Ronaldo, por isso, vai ser ótimo poder vê-lo a jogar ao vivo. Vou lá estar a torcer, quer dê certo quer dê errado, é o nosso país, é a nossa Seleção e nós temos que apoiar.
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