Relembrando o líder da Quiksilver com José Gregório
Uma conversa exclusiva que não vais querer perder...
José Gregório, ex-campeão nacional de surf e responsável máximo da Quiksilver em Portugal, falou em exclusivo à Surftotal sobre essa grande figura do Surf que foi Pierre Agnès, CEO da Quiksilver que desapareceu no mar no passado dia 30 de janeiro.
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ST: Consegues resumir o percurso profissional do Pierre Agnès, o início da sua carreira e como conseguiu ao longo desse percurso profissional chegar ao top dentro da Quiksilver?
JG: Lembro-me de conhecer o Pierre em 1990, num EPSA em San Sebastian, na altura era mais um francês do circuito. Dois anos depois já era o organizador do Pro Júnior de Capreton que juntava na altura as grandes promessas do futuro do surf profissional, nomes como o Shane Dorian, Ross Williams, Andy Irons, aliás, toda a geração “Momentum" passou por ali. Nessa altura já fiquei impressionado com o trabalho que o Pierre ali fez, porque era um campeonato onde os surfistas eram tratados como os atores principais e sempre com o melhor dos tratamentos possível, desde os jantares de receção, a tenda de competidores, as festas, etc. Tudo era feito em prol dos surfistas. Já era uma maneira nova de pensar que aparecia no nosso desporto.
Entretanto, o Pierre já era também o team manager da equipa Quiksilver na Europa, e sempre foi muito próximo de todos os surfistas do team, inclusive de nós, portugueses, que sempre fomos postos de lado pelo franceses. O Pierre respeitava todos de igual para igual.
Logo depois fundou a Omareef, empresa criou e desenvolveu os fatos, óculos e relógios Quiksilver e Roxy a nível mundial. Quando eu comecei a vender estes produtos, ainda na Luís Falcão, Lda., a Omareef já faturava 25 milhões de euros. Mais tarde a casa mãe adquiriu a Omareef e o Pierre passou a diretor da Napali. Aí começou a sua ascensão até ao topo.
De nós todos, o Pierre sempre foi o melhor vendedor, no um para um, com a seu otimismo ele convencia qualquer um a levar fosse o que fosse. Eu ficava encantado a ouvi-lo falar nas muitas conversas que tivemos. De salientar que foi o Pierre que convenceu a banca a tirar a Quiksilver da quase falência e também, ultimamente, a emprestar dinheiro para o negócio da aquisição da Billabong e das outras marcas do grupo. Ele era muito bom neste papel.
- A embarcação de Pierre Agnès que deu à costa no dia 30 de janeiro sem ninguém a bordo.
Como era a sua relação com os surfistas?
O Pierre veio do mundo do surf, era um de nós, um verdadeiro surfista e homem do mar. Esteve sempre, sempre muito próximo do team, até como CEO era ele que tratava pessoalmente de muitos dos contratos. Ainda como patrocinado, sempre que eu ia a França, lembro-me que ele parava tudo o que estava a fazer para falar comigo meia hora. Sentava-me no seu escritório, em frente a ele, e perguntava sempre pela marca em Portugal, como ia e qual era a imagem, pelos surfistas mais novos, quem devíamos trazer para o team (a que o Pierre sempre chamou de família, a família Quiksilver), falávamos das ondas, dos campeonatos, dos fatos, dos nossos produtos, etc. Numa destas conversas, em maio de 1996, o Pierre disse-me que um dia ia comprar a distribuição e eu seria o “boss" da Quik em Portugal. Era assim comigo e com todos nós na equipa. Um verdadeiro guia, mentor e exemplo. E no final dava-nos sempre uma motivação extra. Sempre positivo. Eu esperei 14 anos até ficar a liderar a marca e devo tudo isso ao Pierre e à visão que tinha para o negócio.
Podes contar-nos um episódio marcante que tenhas vivido com ele?
É claro que tive vários, inclusive, o último telefonema na segunda-feira, apenas 12 horas antes de ele desaparecer. Foi bastante marcante, porque disse-me que se concluísse um negócio que estávamos a fazer juntos me dava um bónus, mas também “se não o fizeres não te vou pôr um pedregulho em cima”. Sempre positivo. Contudo, o mais marcante foi em 2008 antes da Quiksilver vir diretamente para Portugal. O Pierre fez uma viagem até cá e, quando chegou no domingo à noite, ligou-me a pedir que o fosse buscar ao hotel às 8h da manhã de segunda-feira com vista a visitar a Sportzone e algumas lojas. Eu respondi que só o podia ir buscá-lo às 10h e ele perguntou-me: “O que tens para fazer mais importante do que eu vir a Portugal para mudar isto ao fim de 20 anos”. Fiquei aterrorizado e o meu coração disparou. Disse a verdade: “Estou a fazer uma casa e vão-me entregar um camião de tijolos às 8h e por isso só te posso apanhar às 10h, e isto se tudo correr bem…" Para quem não sabe, o Pierre começava sempre o dia antes das 7h e era logo "pedal to the metal", não esperava por ninguém. Quando cheguei às 10h ele estava furioso. Pediu-me para ver a casa em construção e logo de seguida arrancou para França de novo, sem me dizer uma palavra. Só passados uns dias é que me disse que nem precisou de ver mais nada em Portugal, nem lojas nem nada porque quem faz uma casa destas pode bem liderar a marca no país. “Assim que vi o que eras capaz de fazer tomei a decisão de comprar de volta a distribuição e pôr-te à frente da marca”. Este foi, sem dúvida, o momento mais marcante com ele.
E como pessoa, como era o Pierre Agnès?
Justo, direto, trabalhador, positivo, generoso, homem de família, pai exemplar, um líder nato que sempre deu a mão a todos o que mereciam à sua volta. Só com a sua maneira de ser, criou um exército de seguidores que nem contestavam as mudanças, todos o seguíamos. E conduzia sempre a 250km/h! Com ele cheguei a fazer 1h15 de Lisboa ao Algarve.
Sente-se que cada vez mais as marcas dentro do meio começam a ser geridas por profissionais que pouco ou nada têm haver com o surf. Como encaras esta realidade?
Sim, sente-se essa tendência também porque os negócios do surf evoluíram e a nossa indústria amadureceu. Acaba por ser uma realidade devido às novas exigências dos mercados. No entanto, era aqui que a visão do Pierre se destacava dos demais. Ele sempre me dizia: “José, a gente rodeia-se de financeiros, advogados, especialistas de logística, design, etc; o que for preciso, mas quem manda somos nós, os surfistas”. Para mim esta maneira de pensar diz tudo sobre o homem.
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Entrevista: Bernardo “Giló” Seabra