PRODÍGIO ATINGE O TOPO DO SURF MUNDIAL COM ‘FAIR PLAY’
Pedro Barbosa, juiz internacional, faz a análise exaustiva da décima etapa do World Championship Tour que decorreu em Peniche, Portugal…
Apesar de não partilhar da mesma opinião do Slater, isto é, “O tipo que ganha o título mundial deve ser o surfista preferido de todos e é”, sem dúvida que o título fica bem entregue a este surfista fenomenal que ao longo do ano foi claramente o surfista mais consistente.
A genialidade do John John, que aos 8 anos já fazia programas de televisão relacionados com surf, foi coroada em Portugal com o título mais importante da sua carreira e para o qual estava predestinado. O JJ marca uma nova era, não só pelo surf que pratica em condições extremas, como pela sua postura perante a competição. Nunca o surf mundial teve um campeão do mundo tão “boa onda”, humilde, relaxado, a divertir-se quando surfa e em que as vitórias são 100% fruto do seu talento natural.
O Bede [Durbidge], com certeza, deu também uma boa ajuda nesta conquista, sendo o seu treinador grande parte do ano transmitiu-lhe bem a sua veia competitiva. O que também é interessante de ver é que parece que nos próximos anos a disputa do título mundial vai ser feita por personalidades distintas em termos de postura perante a competição.
Uma salva de palmas também para Matt “Wilko” Wilkinson. O ano passado lutava para se manter e este ano foi um sério candidato ao título, uma verdadeira inspiração para os atletas do Tour. Apesar de perder cedo, considerando-se um grande fã do surf, ficou a assistir à competição, e com humor comentava: “Estou à espera que alguém seja desclassificado e eu sou campeão do mundo”.
MELHOR PERFORMANCE
Jordy Smith, que surfista fantástico, tanto no Point Fabril como nos Supertubos. Os melhores momentos da Meo Rip Curl Pro Portugal foram proporcionados por este enorme talento. Foi também o surfista com os melhores “claims”. É bom ver o Jordy a apresentar este surf e feliz da vida. O 10 do Jordy este ano, na minha opinião, foi o melhor do ano e uns dos melhores da história da modalidade.
SURFISTA COM FACTOR X
Claramente John John Florence. Em condições difíceis e com ondas fortes tem o “pack” todo: tubos, manobras fortes e surf progressivo. Foi o vencedor do evento a apresentar um pouco de tudo. No caminho para a final utilizou os tubos como principal trunfo para na final vencer apenas com surf progressivo. Estava-lhe a fazer confusão não mostrar tudo o que tinha para dar…
SURFISTA EM ASCENSÃO
Não vou guardar esta nomeação, como de costume, para o surfista que mais posições subiu no top 10. Apesar de com este resultado só ter subido duas posições, quero salientar a prestação de um ‘goofy’ de estilo limpo e do qual sou grande apreciador, principalmente para a esquerda - Miguel Pupo. O surf que apresentou no Point Fabril ao eliminar Kelly Slater e chegar aos quartos de final foi de elevada qualidade. Isto demonstra a dureza do tour, surfistas com este nível técnico têm dificuldades para se qualificarem anos após ano.
Também não quero deixar passar em claro, apesar do resultado não corresponder, uma vez que se ficou pelo 3.º round, a prestação do Caio Ibelli. A intensidade do seu ataque ao lip é diferente do normal e penso que, claramente, é o verdadeiro “rookie of the year”, até pelas dores de cabeça que deu ao atual campeão do mundo, eliminando-o por duas vezes este ano.
AS ONDAS E AS DECISÕES DOS CALLS
Quando a prova se iniciou estava a ver o caso mal parado. Aqueles heats consecutivos com pontuações medianas nos Super deixaram-me preocupado. No entanto, a organização esteve muito bem, reagiram e proporcionaram um dos melhores eventos do ano em termos de espetacularidade. Não são todos os eventos que têm ondas a entrarem diretamente para o Wave of the Year (como a onda do JJ antes do evento começar). O evento tornou-se muito interessante por ter tido fases da prova a realizarem-se num pico com condições diferentes, mas não menos interessantes. A espetacularidade de uma prova passa também por quebrar a monotonia.
O JULGAMENTO E OS CASOS DA PROVA
Mais uma prova com a participação do juiz português Nuno Trigo que, mais uma vez, nos representou junto dos melhores do mundo, sendo este facto muito importante para o surf nacional. Foi uma boa prova em termos de julgamento, no entanto, existem dois casos que considero importante serem analisados:
O primeiro tem a ver com a bateria de Julian Wilson e Jadson André no round 3. Muitos comentários se fizeram relativamente à onda do australiano. O Julian necessitava de 6.40 pontos, mas alguns surfistas do Tour disseram que não seria nem um 5…
Bem, a minha interpretação é a seguinte: pela primeira manobra eu penso que esta onda do Julian pode ser melhor que o 5.77 do Jadson, que não tem nenhuma manobra de qualidade superior. O Julian tem uma primeira manobra muito boa, onde vem bem ao bottom com técnica e rail e ataca bem o lip. No entanto, as restantes manobras foram forçadas, fora do “timing”, sem “flow”. Concordo em absoluto com o Pottz [Martin Potter] e também eu não fiquei convencido. Na minha opinião, quando estamos perante os melhores do mundo, não seria um 6.47 pontos.
Queria deixar aqui uma mensagem que considero importante, apesar da precisão na avaliação ser importante: heats renhidos vão acontecer sempre e é natural que existam opiniões diferentes. O surf é isto. No entanto, a manutenção no World Tour ou qualquer resultado no final do ano são uma somatório de eventos e prestações obtidas ao longo dos anos e não se pode cingir tudo à precisão de uma onda que pode ter sempre uma margem de erro de 0.5/1.0 ponto (para cima ou para baixo).
O segundo caso tem lugar com John John e Kolohe Andino nas meias finais. No início do heat existe uma situação: o JJ começa a ganhar posição relativamente a uma onda e, à última hora, o Kolohe, num gesto “tricky”, mas legal em termos de competição, ganha a posição interior e ao entrar na onda enrola-se no leash do JJ e cai.
De certa forma, algo parecido com aquilo que o Slater fez ao Shane Beschen em Huntington Beach, há muito, mesmo muito tempo. Nessa altura o truque de Slater foi muito falado, dando-lhe assim a vitória na final do evento com o Shane (que viu uma interferência ser-lhe atribuída, sem saber muito bem como). Se existisse uma prioridade definida isto seria claramente uma situação de interferência, uma vez que esta proximidade e disputa no momento da remada não podem acontecer.
Uma vez que não existia prioridade definida, funciona a regra normal de interferência. O surfista que estiver na parte interior da onda com mais potencial tem direito incondicional a surfar a onda. O Kolohe acabou por ganhar a posição interior e quando remava para entrar caiu porque ficou preso no leash. De certa forma, apesar de ter a posição interior, o Kolohe forçou um pouco uma situação e o contacto que, no entanto, também é legítimo, de forma a ganhar a posição interior. Os juízes acabaram por não marcar nada, o que de certa forma é compreensível. Na minha opinião, o JJ foi ingénuo, mas acabou por prejudicar o surfista que estava na parte interior. Fiquei com bastantes dúvidas nesta situação. O surf ganhou por não ter sido marcado nada.
Vamos aguardar por Pipe e por 2017. Vamos, com certeza, ter um excelente ano, já com a confirmação do maior de todos os tempos (com a excitação que ficou depois de o JJ arrecadar o título) Até pendurado na estrutura da entrega de prémios estava, a fazer comentários e a tirar fotos. São sinais de que adora o deporto e que vai querer estar à altura em 2017.