A saúde mental e o surf
Em parceria com a clínica Mindpoint.
Qual a relação entre surf e saúde mental? Será que entendemos a relação bidirecional entre as duas coisas? Na realidade, o surf, assim como qualquer prática desportiva, impacta a saúde mental e também é impactado por ela.
De uma forma simples, o surf como prática desportiva pode contribuir para uma melhor saúde mental, uma vez que promove o bem-estar e o relaxamento, ajuda a diminuir sintomas de ansiedade e depressão, promove competências socioemocionais como a gestão da frustração, a motivação e persistência, entre outras.
Por outro lado, a saúde mental afeta a performance desportiva no surf, uma vez que surfistas que apresentem problemas na sua saúde mental, como por exemplo níveis elevados de ansiedade, terão um desempenho inferior e poderão ver a sua performance desportiva limitada.
Deste modo, neste artigo pretenderemos explicar de forma mais completa a relação entre o surf e a saúde mental, suportando esta explicação com exemplos e dando também algumas dicas práticas que poderão ser úteis na melhoria da performance desportiva e da saúde mental dos surfistas de forma geral! É um artigo que surge da parceria com a clínica Mindpoint, cujo website pode ser consultado através deste link.
Porque devem os atletas estar atentos à sua saúde mental?
Praticantes de surf e, na realidade, de qualquer modalidade desportiva, procuram dar o seu máximo e estão frequentemente a testar os seus limites. Além disso, os atletas têm muitas vezes de fazer escolhas difíceis e lidar com algumas privações: no que podem comer, nas atividades que podem fazer, no tempo que podem despender e de que forma o podem fazer.
Ter um compromisso com o surf e com o desporto de forma geral é desafiante e traz dificuldades, que podem ser tanto maiores quanto maior o grau de exigência e o nível em que o atleta se encontra. Estas dificuldades refletem-se muitas vezes na saúde mental, e surgem desde muito cedo, em fases da vida em que nem sempre estamos preparados para lidar com elas, como a adolescência. Não é fácil para um adolescente não poder sair com os amigos porque tem de treinar.
Para além de todas estas particularidades, temos ainda de considerar que o surf é exigente do ponto de vista psicológico e emocional: exige resistência, exige motivação, exige capacidade de lidar com medos e frustrações, exige capacidade de lidar com a derrota, exige capacidade de lidar com o desconforto físico, exige capacidade de fazer escolhas, exige lidar com a expectativa e o medo da desilusão… Enfim, há uma série de exigências que o desporto coloca no que diz respeito às nossas capacidades psicológicas e emocionais.
Se os surfistas não estiverem atentos à sua saúde mental, correm o risco de que estas exigências sejam demais e conduzam a um ponto de rutura. Este ponto de rutura pode significar problemas de saúde mental (como ansiedade ou depressão), mas também o comprometimento da performance desportiva e da capacidade de competir. Saúde mental é saúde; e, quando não há saúde, não há espaço para mais nada, o que inclui o surf.
O que o caso de Gabriel Medina nos demonstra sobre a saúde mental
O surfista Gabriel Medina esteve ausente das competições por motivos de saúde mental. Como acontece muitas vezes, este caso fez-nos lembrar algo que nunca deveríamos esquecer: afinal, a saúde mental é importante e afeta surfistas e atletas de alto rendimento.
O caso de Gabriel Medina pode ser um bom exemplo para compreendermos melhor a relação entre saúde mental e surf e como as duas coisas se impactam mutuamente. Importa reparar que estamos a falar de um atleta no auge da sua carreira, jovem, com excelentes resultados e com uma boa saúde física. Para muitas pessoas, essa é a imagem de alguém que jamais sofrerá de problemas de saúde mental.
Este é o primeiro ponto importante a retirar deste caso: qualquer pessoa pode sofrer de problemas de saúde mental e todos devemos estar atentos à nossa saúde mental. Problemas como ansiedade ou depressão não são visíveis ou aparentes na maior parte das vezes, e isso não quer dizer que não existam.
No caso de Gabriel Medina, muito embora a carreira desportiva estivesse no auge, a sua vida pessoal estava marcada por outros problemas. Isto mostra-nos que o surfista não se faz só de surf; tem uma vida pessoal, muitas vezes pautada por problemas e fatores de stress. E, não raras vezes, a dedicação que o surf exige pode inclusivamente impedir tempo para a vida pessoal e agudizar alguns problemas.
De facto, muitas vezes um corpo atlético de alta performance pode ocultar uma mente frágil, pois é frequente existir pouco tempo e espaço para as emoções e para outras necessidades que não as desportivas. Quando isto acontece, a saúde mental vai, certamente, sofrer um impacto.
Gabriel Medina não é um caso isolado, existem muitos outros e a mensagem é transversal: os surfistas precisam de cuidar da sua saúde mental.
via livresurf.com.br
O surf como terapia (8 benefícios)
Apesar de todas as exigências que o surf e a alta competição acarretam, também é verdade que o surf pode ter um impacto muito positivo na saúde mental. Se houver espaço e tempo para tudo, o surf pode ser uma mais-valia e ser protetor para a pessoa em termos emocionais.
Na verdade, o surf pode até funcionar como verdadeira terapia, na medida em que traz inúmeros benefícios para os seus praticantes:
– Diminuição dos níveis de stress;
– Melhorias a nível do sono;
– Prevenção de sintomas de ansiedade e depressão;
– Promoção da capacidade de gestão da frustração e controlo da irritabilidade e agressividade;
– Melhoria da autoestima e autoconfiança;
– Estimulação de capacidades cognitivas como a memória ou atenção;
– Promoção de uma sensação de bem-estar generalizado;
– Promoção da socialização e da formação de relações de cooperação e amizade.
Todos estes fatores são extremamente importantes e fortalecedores da saúde mental. Deste modo, o surf pode ser um antídoto para problemas ao nível da saúde mental e a sua prática, sempre que equilibrada, é benéfica.
Porque é importante falar de saúde mental e porque é importante pedir ajuda
Percebemos já que saúde mental e surf estão interligados e que há uma relação bidirecional, em que um impacta o outro. Isto ajuda-nos a perceber porque é que é tão importante falar de saúde mental, bem como a importância de pedir ajuda quando necessário.
Primeiramente, falar de saúde mental é informar, e informação é poder. Se não soubermos o que é a saúde mental, a que sinais devemos estar atentos ou qual a sua importância, dificilmente podemos atuar de forma a estarmos mais protegidos e a prevenir problemas. É como na saúde física: se eu não souber que alimentação devo ter para ser saudável, como poderei concretizar isso na prática?
Assim, é fundamental que no surf se fale de saúde mental e que os atletas saibam a importância de cuidarem de si, da sua saúde mental, de equilibrarem o seu tempo, que conheçam formas de gestão do stress e da pressão… Surfistas informados e capacitados com ferramentas para monitorizar e cuidar da sua saúde mental serão não só mais competentes em termos desportivos, como também mais felizes e saudáveis.
Os resultados desportivos não se fazem só se técnica e de treino; a parte mental e psicológica tem um peso muito importante nestes resultados. Dificilmente um surfista terá um bom resultado desportivo se estiver stressado, cansado, ansioso, se não souber lidar com a pressão, se tiver múltiplos problemas por resolver…
Saber quando pedir ajuda. Conheça os sinais:
Desta forma, há alguns sinais a que os surfistas devem estar atentos e que podem sinalizar problemas de saúde mental:
– Sensação de que algo está errado, ou a interferir com o seu bem-estar geral e funcionamento a nível desportivo e/ou a nível global;
– Alteração no padrão de funcionamento global, ou seja, na forma como costuma agir no seu dia-a-dia e no surf em particular, que não consegue explicar ou sobre a qual sente não ter controlo;
– Presença de sintomas persistentes que não são explicados por uma causa orgânica, como por exemplo dores, taquicardia, perda de força;
– Problemas de autoestima, não se sentir bem consigo mesmo;
– Preocupações persistentes e pensamentos que surgem sem que consiga ter controlo aparente sobre eles;
– Stress exagerado ou ansiedade;
– Alterações de humor frequentes e acentuadas, difíceis de gerir;
– Sensação de desesperança em relação ao futuro;
– Inseguranças e sensação de não ser capaz de gerir ou lidar com os desafios.
Estes são apenas alguns dos sinais. Quando alguns destes estão presentes, é importante pedir ajuda. O surfista pode pedir ajuda ao seu médico assistente, procurar um psicólogo ou até mesmo conversar com a equipa com a qual costuma treinar sobre o que está a sentir, que pode aconselhar o encaminhamento.
A ansiedade de desempenho
A ansiedade de desempenho é um problema de saúde mental particularmente presente e frequente quando falamos de alto rendimento e competição. Caracteriza-se pelo medo acentuado e persistente de situações nas quais a pessoa sente que está exposta e/ou a ser avaliada. Assim, a ansiedade de desempenho está muito associada ao medo de falhar e a níveis demasiado elevados de exigência.
Atleta Tyler Wright conversa com o irmão, Owen Wright, depois de este ser eliminado do CT. WSL / Hughes
Qual a origem da ansiedade de desempenho?
A ansiedade é uma emoção humana adaptativa, ou seja, que existe por uma razão. Concretizando, a ansiedade é como se fosse uma espécie de “alarme interno” que temos e que nos sinaliza potenciais situações de perigo ou ameaça. Ora, quando estamos perante uma situação que encaramos como muito exigente, como por exemplo uma competição desportiva, e para a qual antecipamos consequências sérias, esse alarme vai disparar.
Deste modo, os níveis de ansiedade de desempenho estão diretamente relacionados com a forma como o surfista perspetiva e vê a competição desportiva. Portanto, isto ajuda-nos a perceber a importância da ajuda psicológica, pois em terapia muitas vezes o foco está em alterar estes padrões de pensamento e leitura da realidade.
Há alguns fatores de risco que podem fazer com que seja mais provável o surfista ter ansiedade de desempenho, nomeadamente:
– Mau ambiente desportivo e falta de apoio e suporte;
– Falta de apoio por parte de familiares ou amigos;
– Inseguranças pessoais, baixa autoestima e autoconfiança;
– Experiências de vida adversas e traumáticas;
– Familiares muito críticos ou rígidos;
– Experiências anteriores marcantes de fracasso ou humilhação;
– Níveis elevados de perfeccionismo;
– Dificuldades ao nível da expressão emocional e/ou tendência a usar estratégias pouco adequadas, como o isolamento e a repressão de emoções.
Características e sinais da ansiedade de desempenho
Existem alguns sintomas e sinais que nos ajudam a identificar a presença de um problema de ansiedade de desempenho, designadamente:
– Insegurança constante associada às situações de desempenho ou competição;
– Ter ótimos resultados nos treinos, mas depois não conseguir ter bons resultados nas competições;
– Medo intenso de cometer erros ou falhar;
– Vergonha de não fazer as coisas de forma “perfeita”;
– Medo de desiludir os outros;
– Preocupação excessiva com os resultados;
– Preocupação excessiva com o que os outros poderão pensar;
– Ruminação e pensamentos intrusivos, persistentes e circulares;
– Tendência a evitar situações de avaliação ou exposição ou ter cada vez mais dificuldade em enfrentar este tipo de situações;
– Alterações no sono e apetite em consequência da ansiedade sentida;
– Procrastinação, adiar tarefas importantes;
Competição: 8 estratégias para lidar com a ansiedade
– Associar aos momentos de competição coisas positivas – para que estes momentos não fiquem associados apenas à pressão e a emoções desagradáveis de medo, o surfista pode criar rituais que façam com que existam associações positivas. Por exemplo, almoçar com amigos ou outros surfistas depois da competição, combinar algo agradável para o final do dia, ter uma massagem de relaxamento…
– Realizar exercícios de relaxamento antes das competições, nomeadamente usando a respiração profunda e pausada;
– Praticar exercícios de mindfulness no dia-a-dia e nos momentos de prática desportiva também;
– Entender que a ansiedade atinge um pico, mas depois começa a diminuir naturalmente, pelo que não é perigosa nem incontrolável. Conseguir ver a ansiedade como algo natural e gerível ajuda a conseguir lidar com ela com mais facilidade;
– Transformar o discurso interno, pensando naquilo que diria a uma pessoa querida que estivesse no seu lugar;
– Fazer exercícios de visualização antes da competição: fechar os olhos e imaginar, com o maior pormenor possível, o momento da competição, desde o início, como se estivesse lá. Visualizar um desfecho positivo e evocar as emoções positivas sentidas nesse momento;
– Celebrar as pequenas conquistas e valorizar o progresso e não apenas os resultados objetivos. Por exemplo, se teve uma lesão e está a conseguir voltar lentamente a treinar, valorize cada pequeno progresso e cada treino, não pense só na competição e nos resultados que quer obter;
– Desta forma, é importante perceber quando a ajuda profissional pode ser necessária, e compreender que não há mal nenhum nisso. Por exemplo, os grandes clubes e os atletas de alto rendimento contam muitas vezes com psicólogos do desporto para os ajudar!