Existirá uma solução verdadeiramente sustentável para a produção de fatos de surf? via future-ecosurf.com/ quinta-feira, 16 maio 2024 09:42

Existirá uma solução verdadeiramente sustentável para a produção de fatos de surf?

Fatos de neoprene são produzidos com químicos altamente tóxicos.

 

 

Num artigo para o The Guardian, a jornalista ambiental Anna Turns conta que tem resistido a comprar um novo fato de neoprene, apesar de o seu fato atual, que usa para fazer mergulho, estar cheio de buracos. A sua hesitação vem da consciência de que o neoprene é fabricado com alguns dos produtos químicos mais tóxicos do mundo. A exposição às emissões de cloropreno, composto petroquímico utilizado para a produção desta borracha sintética, pode aumentar o risco de cancro, segundo a Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos EUA.

"Como surfistas, temos consumido neopreno há cinco décadas", explica Chris Nelson, cineasta que tem investigado juntamente com Lewis Arnold a ligação do surf aos impactos na saúde humana devido à fabricação de cloropreno. "O Lewis e eu sentimos que não nos tinham dito a verdade sobre de onde os nossos fatos vinham e do que eram feitos". O documentário de Nelson e Arnold, The Big Sea, deve ser exibido em festivais de cinema em todo o mundo a partir de Junho. 

Para a produção deste documentário, os cineastas viajaram para Cancer Alley, como é conhecida uma área altamente poluída da Louisiana, ao longo do rio Mississippi. Nesta zona, o ar é tão tóxico que o risco de cancro é 50 vezes superior à média nacional, segundo a EPA. Aqui situa-se uma fábrica dirigida pela empresa química japonesa Denka, que produz múltiplas formas de cloropreno, sem infringir nenhuma lei estadual.

 

 

Cancer Alley. via verywellhealth.com

 

Vipe Desai, diretor da Associação de Membros da Indústria do Surf (SIMA), contestou as afirmações do filme numa entrevista à revista Wavelength no ano passado. Segundo ele, nenhuma das marcas que a SIMA conhece obtém neoprene da fábrica da Louisiana. "Alguns chips de borracha de cloropreno de calcário são realmente obtidos através de uma instalação de propriedade da Denka, mas no Japão," disse. "Estes chips japoneses não são à base de petróleo e a pesquisa mostra que essas instalações não estão associadas a riscos elevados para a saúde."

Desai também afirmou que a indústria do surf tem "desempenhado um papel importante em afastar-se de materiais prejudiciais e continuará a fazê-lo". Já a Denka afirmou à publicação Chemistry World que discordava veementemente da avaliação da EPA dos riscos que as emissões de cloropreno representavam para a comunidade local, defendendo que esta estava baseada numa "ciência desatualizada e errada que a agência divulgou há mais de 12 anos".

 

 

Quais são as alternativas?

 

As empresas de fatos estão cada vez mais a resistir ao neopreno e a oferecer alternativas à base de plantas. Em 2016, a Patagónia deixou de usar neoprene, e a Finisterre seguiu o exemplo em 2021. A marca holandesa Wallien vai utilizar Yulex, uma borracha à base de plantas, ou outras variantes naturais para toda a produção futura - a Buell na Califórnia está a fazer o mesmo. A Billabong e a Decathlon contam agora com linhas únicas de fatos de neoprene à base de plantas.

Em Setembro do ano passado, a Xcel comprometeu-se a utilizar 100% de borracha natural até 2026, sendo a primeira das grandes marcas tradicionais a fazê-lo. No entanto, a Xcel não rotula os seus fatos de de neoprene atuais, feitos com carbonato de cálcio extraído de rochas de calcário,  como "eco", porque o processo ainda é intensivo em energia. "Esta é uma paragem na ponte entre o neoprene e os materiais naturais," explica Ian Stewart, da Xcel. "Estamos a afastar-nos do calcário o mais rápido possível."

 

 

 

Consumidores cada vez mais conscientes

 

Do lado do consumidor, a consciência dos impactos ambientais que o surf causa tem aumentado entre os surfistas. Giles Bristow, diretor executivo da Surfers Against Sewage, diz: "Com uma consciencialização crescente sobre de onde vêm os nossos materiais, desde os nossos fatos de mergulho até às nossas pranchas, acho que haverá uma transformação no mercado."

No verão passado, a Finisterre lançou o primeiro serviço de arrendamento de fatos de borracha natural do mundo. Por £30, os clientes podem alugar um fato Yulex de £300 por quatro dias. Como diz o fundador da empresa, Tom Kay, "não possuir um produto é uma forma melhor de consumo". Para Kay, o maior desafio é evitar que os fatos de mergulho acabem nos aterros sanitários. Não existe ainda um fato biodegradável - mesmo os de borracha natural por norma têm revestimentos exteriores e interiores sintéticos. 

A Rip Curl tem uma iniciativa que incentiva os consumidores a reciclarem os seus fatos, em parceria com a empresa TerraCycle, que recolheu mais de 20.000 fatos antigos nos EUA, Austrália, França, Portugal e Espanha. Depois de remover os fechos, elásticos e etiquetas de metal, o neoprene é processado para criar materiais de construção como pisos ou tapetes macios usados em parques infantis.

Perante estes factos, Anna Turns levou o seu dilema à surfista, nadadora e ativista Sophie Hellyer. "A maioria dos surfistas compra um novo fato pelo menos a cada dois invernos", disse Hellyer. O seu conselho é que, em vez disso, tomem conta o melhor possível dos seus fatos. "Enxaguá-lo bem, secar fora da luz solar direta, fazer reparos e costurar quando necessário". Quando não houver mais solução, "enviar para um esquema de reciclagem". 

A indústria parece ter vontade de caminhar para rotas mais sustentáveis. Para já, não existe solução perfeita. O melhor que cada surfista pode fazer é aproveitar as alternativas que existem e fazer as suas compras da forma mais responsável e consciente possível.

 

 

 

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