You Care – Tu importas-te?
Os locais observam — e sentem — o comportamento de quem vem de fora.
Vivemos tempos estranhos. O mundo parece cada vez mais virado para o “eu” e menos para o “nós”. Será que ainda nos importamos uns com os outros?
Talvez a resposta esteja nas pequenas coisas. Este é um texto escrito a partir de Bali, entre a estrada e o mar, que nos convida a parar e reflectir.
Estou em Bali, e há poucos dias vivi dois momentos simples que me fizeram reflectir. O primeiro foi na estrada. Ia de mota, quando um senhor local, já com alguma idade, parou à minha frente para deixar passar uma senhora também de mota, mais velha. Nada de extraordinário. Mas o que se seguiu tocou-me: depois da senhora ter passado, o homem olhou para trás, viu que eu também tinha parado… e sorriu. E disse-me, com um olhar sincero e um inglês simples:
— You care.
Duas palavras apenas. Mas naquele contexto, naquele momento, disseram tudo. Foi como quem dissesse: “Importas-te. E eu reparei.”
Antes de mim, ninguém parou. Só eu. E ele valorizou isso.
Pode parecer um gesto pequeno. Mas, neste lugar onde a hospitalidade e o respeito ainda fazem parte do quotidiano, esse gesto diz muito. Diz sobre como os locais observam — e sentem — o comportamento de quem vem de fora. Muitos turistas chegam a Bali e esquecem-se de que não basta visitar: é preciso respeitar. Entrar na energia do lugar. Sentir o pulso da cultura. Só assim se vive verdadeiramente um destino.
Mais tarde, nesse mesmo dia, fui surfar. O mar estava grande, com alguma gente na água e a maré um pouco cheia. Não estava fácil encontrar o lugar certo. Mas consegui uma onda longa — daquelas que nos levam por dentro, que nos devolvem ao silêncio. Saí da água com aquela sensação de plenitude que só o surf, às vezes, sabe dar.
Já a caminhar para fora da praia, cruzei-me com um surfista — presumo que australiano — com a prancha partida ao meio. Perguntei:
— Então, partiste a prancha?
— Ya. E tu? Boas ondas?
— Apanhei uma boa.
— Eu não apanhei nenhuma — disse ele, com um sorriso sincero.
E ali fiquei a reflectir: tantas vezes nos queixamos por tão pouco. A vida oferece-nos tanto e nós, distraídos, reclamamos. Queremos mais, queremos melhor, queremos já. E esquecemo-nos de agradecer.
Estes dois momentos, diferentes mas ligados, deixaram-me a reflectir. Sobre parar. Sobre reparar. Sobre dar valor. Sobre sermos mais conscientes e mais gratos. E, acima de tudo, sobre cuidarmos mais uns dos outros. Porque, se cada um fizer um pouco diferente — se cada um se importar — talvez o mundo comece mesmo a mudar. E o surf, que tantas vezes nos ensina sobre equilíbrio e respeito, pode também ser um ponto de partida para isso.
Na manhã seguinte, acordei cedo. Segui o instinto e fui surfar num spot pouco provável, que raramente funciona nesta altura do ano. Mas nesse dia, estava perfeito. Ondas clean, alinhadas, a quebrar no sítio certo. E lá dentro, um grupo pequeno de surfistas — simpáticos, afáveis, respeitadores. Partilhámos sorrisos, olhares, ondas. Sem pressa, sem disputa, só alegria.
E pensei: quando nos alinhamos com o lugar, com as pessoas, com a energia certa… a vida retribui.
Afinal, a pergunta continua a ser simples: tu importas-te?