SURF AJUDA A COMBATER A DEPRESSÃO? sexta-feira, 22 novembro 2013 16:25

SURF AJUDA A COMBATER A DEPRESSÃO?

No Reino Unido, há aulas para ajudar a ultrapassar a doença. E por cá? A SurfTotal foi saber mais.

Será o surf uma cura para a depressão? Em si, e unicamente, não é a resposta. Mas pode ajudar. E muito. É como uma sessão de terapia. O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido está a oferecer aulas de surf como terapia, com base num projeto piloto, financiado pela Dorset Healthcare University Foundation Trust. O objetivo? Oferecer aos mais novos algumas aulas desta modalidade para que, ao aprender a apanhar a sua primeira onda, aprendam também a ultrapassar os seus problemas.

Por Patrícia Tadeia

 

A notícia foi avançada recentemente pelo jornal britânico The Telegraph. Esta terapia de surf é dinamizada pelo Wave Project e está aberta a pessoas com idades entre 8 e 21 anos que são, para lá, encaminhadas por médicos, escolas ou serviços sociais e instituições. Estes novos surfistas têm algo em comum: todos lidam com alguns desafios – desde a morte de entes queridos a distúrbios de autismo ou ansiedade.


Cada um dos jovens envolvidos neste projeto tem um voluntário/mentor a acompanhá-lo na água. Brandon, por exemplo, tem 14 anos e sofre de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade. Foi encaminhado pelos serviços sociais. Já teve cinco aulas e diz que a sua experiência no mar o tornou mais confiante. “Agora estou mais feliz por fazer amigos e não fico tímido no meio do grupo. Dantes escondia-me”, aponta.

 

Joe Taylor, que dirige o projeto, defende que o melhor nesta iniciativa é que “os jovens não a sentem como terapia”. “Mas a verdade é que há princípios terapêuticos por trás do projeto, como a redução da ansiedade, e a promoção da confiança e bem-estar. Eles partem para um desafio que não acreditavam conseguir superar e descobrem que conseguem e que há pessoas a apoiá-los.”

 

Por cá, quem dá aulas de surf, partilha desta mesma opinião. “O surf ajuda e ajuda bastante. Não só nas camadas etárias até aos 21, mas deveria ser em todas... O surf, tal como o skate ou snowboard têm o poder do 'overcome as you go/want', excederes-te, ultrapassares os teus próprios limites”, diz Hugo Matos à SurfTotal.


“Quem começa do zero logo cedo sente o sabor de mudança, do novo, do desconhecido... E começam a sentir confiança. No meu caso, quando me sinto em baixo, tento por todas as maneiras ir surfar. Hoje é um bocado isso, não tenho surfada há já duas semanas e preciso das minhas ondas, de libertar a adrenalina acumulada”, diz o treinador que dá aulas na Associação de Surf de Aveiro.


Também João Ferreira, do Surfing Clube de Portugal, habituado a trabalhar com jovens no Desporto Escolar, confirma a crença. "A depressão é uma doença que afecta muita pessoas em todo o mundo. Muitas vezes as pessoas têm pensamentos repetitivos que não lhe permitem sair da situação. O surf é, sem dúvida nenhuma, uma forma de a combater", diz à SurfTotal.

 

"Muitas vezes ouvimos surfistas a saírem da água e a afirmarem que já fizeram a sua 'sessão de terapia'. O mar e o surf têm a particularidade de fazer com que as pessoas se consigam desligar de tudo e se foquem exclusivamente na tarefa que estão a executar. O meio envolvente dá uma sensação de liberdade imensa", refere ainda o treinador.


"Sem ondas, com ondas pequenas ou grandes, todas as pessoas se sentem realizadas com o sucesso obtido em cada onda surfada. Este sucesso dá auto-estima e confiança. Por fim, o surf é uma modalidade que cada vez menos se pratica sozinho. A pessoa até pode ir surfar sozinha, mas assim que entra na água tem de socializar. Aqui por vezes a socialização é positiva ou negativa, mas esse é o reflexo da vida em sociedade", conclui João Ferreira.

 

Psicologia em ação

Embora não haja muitos estudos que liguem o surf ao alívio da sintomatologia depressiva, “existem alguns autores que falam do exercício físico”, garante à SurfTotal o psicólogo João Santos. “A maioria é em considerações finais, nalgumas conclusões que ligam o exercício físico prolongado ao alívio de alguns sintomas. E existe a parte social da atividade, existe o melhorar da forma física e consequentemente de campos como a auto-estima, o auto-conceito”, acrescenta.

 

“Só o facto de sair de casa e ir apanhar sol, fazer algo, descomprimir acaba por ser uma ferramenta no alívio de alguns sintomas da depressão, da ansiedade”, diz ainda o especialista. “Mas, na minha opinião, a depressão é algo que afeta muito o mundo interno e se não houver um real trabalho sobre esses processos internos, não existe atividade física que, por si só, sirva como terapêutica”, refere.

 

Segundo João Santos explicou à SurfTotal, existem diferentes tipos de depressão, mas “acaba por ter de haver sempre uma coordenação de vários factores na terapia destas doenças. E sim, fazer surf pode ser uma delas, tal como ir correr, fazer yoga, ou outra qualquer atividade física”, aponta.

 

Já para a psicóloga Helena Morais Cardoso, “numa perspetiva mais holística, é de considerar qualquer atividade que coloque a pessoa depressiva num contato direto com a natureza”. “Aliando este contacto, que há muito nos tem sido retirado pela vivência cosmopolita, com a prática desportiva, é a cereja no topo do bolo”, diz ainda à SurfTotal.

 

“É de senso comum que o desporto tem efeitos anti-depressivos, ora, conjugando estes efeitos com o contacto com a natureza, e principalmente com o elemento água, só poderá ter efeitos benéficos. A água é o elemento das emoções. Acredito que fará uma limpeza mental, física e emocional que auxilia em muito os casos de depressão”, explica ainda Helena Morais Cardoso.

 

Sobre o surf em particular, defende que é “um desporto de conexão à natureza, de entrega e de interligação, entre o homem e a onda. É um desporto que implica fluidez, rapidez e coragem. Todas estas características dão ao seu praticante uma noção incrível de auto-estima, de auto-conhecimento através do (ultrapassar do) medo e, está claro, um enorme sentido de liberdade”.


“Um surfista quando precisa de sentir-se melhor vai naturalmente para o mar, e a verdade, é que de lá sai de cabeça fresca. A depressão é um mal da cabeça, da psique, é a cabeça que não nos permite libertar o coração”, conclui.

 

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