"O SURF PORTUGUÊS NÃO TEM ESTILO"
Falta estilo ao surf português! No universo amador e no profissional. Falta tanto estilo…
Analisemos a árvore genealógica dos surfistas e não é preciso complicar muito com uma encomenda a um historiador, ou horas de pesquisa na Torre do Tombo. Faltam-nos gerações nas ondas. Só uma minoria pode dizer “o meu avô já fazia surf e aprendi com o meu pai.” E não falo de aprender a descer uma onda, falo de respirar surf em família.
Falta-nos surf nas veias, nas costelas e no cérebro. E um bom pâncreas para auxiliar na digestão! Faltam conversas sobre ondas na noite de Natal, nos aniversários, no dia das eleições e até ao domingo à noite com o Prof. Marcelo a tagarelar. Falta areia nos cafés de tertúlias do Chiado e da Baixa de Lisboa e do Porto. Falta cheiro a wax nas casas de fados de Alfama! Faltam poetas, pintores e escultores. Faltam mais surfistas sábios da Figueira da Foz. Faltam rebeldes e artistas, falta o Miki Dora e o Tom Curren.
Faltam laybacks do Lafuente e cutbacks do Fortes. Faltam tubos do Von Rupp, do Oliveira, do J. da Consolação e do Gonzalez. Falta a suavidade do Botelho e o estilo clean do Ferreira. Faltam aéreos e cabeças brilhantes como as do Boonman, Jervis e Valente.
Faltam estórias! Livros que compilem passado e presente e que projectem o futuro! Faltam provas para a geração que aí vem. Uma biografia do Jonet ou do Inocentes. Falta tanto ao Surf português que isso reflecte-se na falta de estilo. Faltam cinemas cheios e livrarias apertadas com livros de sal. Falta Cultura!
Faltam ídolos como o Dapin em Carcavelos e o Bubas na Costa. Espero que não faltem as rasgadas em Sunset do Pires e do Morais, nem a as explosões do Ribeiro. Se assim for continuamos a ter ídolos!
Faltam ex tops nacionais ou surfistas dedicados que tomem conta de surf shops locais, com sabedoria, vendendo produtos técnicos com argumentos de qualidade. Melhor dizendo, faltam verdadeiras lojas de surf.
Arrisquei encaixar nomes neste texto por isso também me vai faltar tanto… Já me ia faltando o “Zé dos Cães” e o falecido “Xana” a esbanjarem estilo nas ondas algarvias. Faltam as pronúncias. A do Norte com o Guedes, da Madeira com o Belmiro ou do Açores com o puto Jácome. Mas faltam mais pronúncias. E não serei eu a falar de todas.
Aproveito para dizer que muitos dos surfistas de que aqui falo não os conheço pessoalmente. É um texto para falar do que falta ao surf português, não é para falar dos amigos. Disso já está Portugal farto!
Por falar em amigos… não faltam barrigas e gravatas nas sessões inaugurais dos campeonatos de surf. Não tenho qualquer opinião acerca das gravatas. Já quanto às barrigas, sem estilo, não gosto! Então se forem daquelas que se alimentam à custa dos surfistas sem darem nada em troca, desrespeitando a natureza e vendo no surf apenas dinheiro, gosto ainda menos.
Faltam miúdos com a ousadia do Appleton que viajou à procura de respostas e se ainda não as encontrou vai com toda a certeza no trilho certo. Surfa tanto que não precisa de copiar Rastovichs ou Ozzy Wrights. Faz o seu caminho. É talentoso e original! Falta-nos praticar o nome Appleton, sem o risco de erros de dicção. Se o estilo reinar no panorama do surf em Portugal, ele será um dos reis da nossa história!
Feitas as contas, ou melhor, palavras lidas, talvez os surfistas portugueses não precisem assim tanto de estilo. Mas o surf português precisa! Falta-lhe saber como tirar partido das novas gerações talentosas, sem perder o… sim é isso mesmo… desculpem-me a repetição, sem perder o estilo…
João “Flecha” Meneses