ANTONIO SILVA - "MALUCO" OU "HERÓI"
Herói - Indivíduo que se destaca por um ato de extraordinária coragem, valentia, força de carácter, ou outra qualidade considerada notável.
Na praia onde aprendi a surfar, lembro-me que em situações de mar grande ou de confusão fora de água, alguém dizia a seguinte frase. “Heróis? Os heróis morreram na guerra. Agora há malucos. E eu sou maluco”.
Conheci o António Silva há muitos anos atrás. Foi num inverno, em Portimão, e ele não devia ter mais de 12 anos. Reparei num miúdo pequeno, boa pinta e com espírito rebelde. Alguém que já mostrava um olhar decidido. Talvez não soubesse ainda decidido para quê. Lutador de boxe, piloto de corridas, skater de half pipe, alucinado de saltos de paraquedas em torres da cidade, alpinista nos Himalaias. Os seus olhos diziam que a sua vida iria reger-se por descargas de adrenalina. Só ainda não sabia que o surf seria esse veículo. Ou talvez já soubesse…
Ao longo dos anos fui falando pontualmente com ele, encontrava-o numa surfada aqui ou ali. Através de amigos em comum mantive-me informado das suas proezas para além do que era divulgado nos media e ia-me apercebendo que o tigre estava a despertar.
Uma prova de que o animal andava à solta dentro dele, foi quando ainda muito novo surfou ondas gigantes na Madeira. Surfou com uma Lufi 8.6 (acho eu…) que esteve muitos anos no sótão da D. Cecília, no Jardim do Mar. A prancha vivia naquele anexo escuro, junto de outras pranchas de portugueses e estrangeiros que ali as deixavam. Eram autênticas espadas de samurai, repousavam por ali, até ao dia que fossem precisas. Eu adorava aquela prancha verde com rails azuis. Não era de ninguém, era de todos! Em primeiro lugar era do Lufi. Sabiam que com pranchas pequenas somos mais egoístas? Com pranchas grandes há mais irmandade, não devemos recusar o seu empréstimo a quem tem a coragem e a vontade de surfar mar de que temos medo. Adorei aquela deusa de fibra, até que um dia ouvi dizer que alguém a tinha partido. Não tenho a certeza, mas acho que foi o António. Das poucas vezes que o vi, nunca lhe perguntei. Para quê? Tenho a certeza que lhe deu melhor uso do que alguma vez eu lhe daria. Que orgulho esta partilha de prancha!
A última vez que falámos foi por telefone no inverno passado, um amigo meu deu-me o número dele para combinarmos uma surfada de remada na Marina de Cascais. A sessão foi abortada por não estarem as melhores condições e desde então nunca mais falei com o António. Mas vou sabendo dele. Ai se vou. Pelos vídeos na Indonésia, pelos tubos em St. Amaro e em Carcavelos, pelas surfadas na remada em dias gigantes e, claro, pelo Tow in na Nazaré.
Sempre achei que uma onda que não conseguimos apanhar na remada não deveria ser surfada. Purismo puro, eu sei! Achava que se já existia a ciência de fazer pranchas grandes com os kgs e as medidas certas para determinada onda gigante, deveria ser dispensável o motor de uma mota. Quebrava a magia do surf. E quando surgiram surfistas medíocres, sem historial na remada a descerem ondas gigantes em tow in, confesso que ficava estupidamente irritado. E digo estupidamente porque não encontro melhor expressão. Alguém que fica irritado com a coragem dos outros, só pode ser alguém muito estúpido. E eu mergulhei nesse sentimento! Já não era purismo!
Hoje consigo admirar quem pratica tow in em condições extremas, pois não há outra forma de conseguir surfar a onda x. Se braços fortes, pulmão e guns mágicas resolvesse o problema… Mas não! Há ondas que só serão surfadas com recurso a mota de água. Não digo ponto final parágrafo, pois bem sabemos que se anda a fazer o impensável lá para os lados de Jaws, com o Shane Dorian a liderar.
A minha admiração pelo tow in (embora não pratique e seja fiel ao surf na remada) deve-se sobretudo às proezas do António. Um surfista completo, do meio metro aos 30 metros e que não vira costas a um grande swell, com ou sem motor!
Sabendo que o António não é militar e que não andou na guerra. E estando bem vivo, podia dizer que é apenas mais um maluco.
De consciência, prefiro dizer, que é um herói português!
João “Flecha” Meneses
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- Créditos fotos: André Paxiuta