SOMOS EMBAIXADORES DE ONDAS E MUITO MAIS...
Fica com uma crónica da autoria de João “Flecha” Meneses.
As perguntas eram simples demais. Enfrentei-as com um desabafo que deixava a complexidade dona e senhora da conversa, ou talvez do monólogo. Estaria eu a responder àquela figura de pele enrugada, com olhos brilhantes, fruto de uma terceira idade que ainda lhe permitia desfrutar de um passeio à beira mar, olhando as ondas e os surfistas em Sto. Amaro de Oeiras, ou estaria a perder-me em todas as minhas dúvidas, em todos os meus sonhos, ou pior, em todas as minhas frustrações?
O que é que o leva a estar dentro de água com este frio? Não tem medo de se afogar? Dá-lhe prazer? É um desporto diferente, não é?
Estava perante alguém que tinha sede de saber, não era um simples curioso, era algo mais do que isso. Eram pertinentes todas aquelas questões, encaixavam-se perfeitamente naquele cenário e pediam transparência. Entendi que a resposta não podia ser meramente técnica e precisa. Se o fizesse, estaria a enterrar todos os meus sentimentos, todo o amor que dei e recebi do surf, estaria a fechar-me a um diálogo que libertar-me-ia momentaneamente de uma realidade estúpida em que todos estamos mergulhados.
Senti-me um verdadeiro embaixador. Falei-lhe do surf para além do desporto, das decisões que temos de tomar ao longo do nosso percurso e da importância do elemento surf na escolha das mesmas, uma constante, uma ponte entre a invisibilidade dos sentimentos e a visibilidade das atitudes. Falei-lhe das viagens que fiz em busca das ondas e das que estão por fazer, das amizades que o mar alimenta, da sensação mágica de fazer um pôr-do-sol. Falei-lhe também do etnocentrismo saudável que é característico dos surfistas, “o Surf é o melhor desporto do mundo!”, há frase mais etnocêntrica?
A conversa estava a ficar longa, o cabelo tinha secado e o frio abraçava-me o corpo, quando repentinamente surge mais uma questão…
Para que serve isso preso à prancha?
Então veio-me à memória um surfista mexicano que conheci na praia de Zicatela, em Puerto Escondido, que me dizia surfar sem leash, não pelo facto de a prancha se poder partir mais facilmente estando presa na zona de impacto, ou de dificultar-lhe a vida como uma âncora nos dias grandes, mas simplesmente porque a magia de uma surfada resume-se a esperar pela onda perfeita, remar, dropar, entubar e sair para gritar. “Para isso não preciso de leash”, disse-me.
Expliquei muito sucintamente ao curioso (curioso não, algo mais do que isso) quais as funções do leash e despedi-me cordialmente. Enquanto despia o fato, pensei que nem sempre precisamos de estar presos à prancha para surfar, tal como não devemos deixar que a vida nos aprisione.
É preciso alguma quantidade de liberdade para sonhar. E o surf dá-nos essa dose.
João “Flecha” Meneses