Diogo Cruz Diogo Cruz sábado, 20 maio 2017 11:20

"CONTA-NOS COMO FOI" - A EXPERIÊNCIA DE UM PORTUGUÊS NA SURF SNOWDONIA

"Conta-nos como foi" é uma nova rúbrica Surftotal que pretende partilhar experiências e vivências que têm o potêncial de ser uma mais valia para os nossos utilizadores.

Nesta primeira edição Diogo Cruz, surfista de Cascais que já acompanhou de perto e colaborou com a Kelly Slater Wave CO, conta-nos como foi a sua ida à famosa Piscina de ondas artificiais de nome Surf Snowdonia no Reino Unido.

A EXPERIÊNCIA DE DIOGO CRUZ  NA SURF SNOWDONIA:

*Por Diogo Cruz

 

"No passado Domingo, 7 de Maio, para comemorar os 28 anos decidi experimentar o único parque de ondas comercial da Europa, o famoso Surf Snowdonia no UK, que utiliza a tecnologia “Wave Garden”.
Apanhei o avião até Manchester e aluguei um carro até ao local do parque, situado numa vila chamada “Dolgarrog” em pleno Parque Nacional de North Wales, a 1h30m. do aeroporto. A sensação de chegar ao parque pela primeira vez é indescritível. De repente, no meio da montanha, há um lago enorme com ondas de quase 1 metro, a quebrar ordenadas, sem qualquer restrição!
O parque reserva-se online através do site, onde é possível reservar as ondas por cada hora que queremos estar a surfar nos vários níveis (Avançado, Intermédio ou Iniciante). Durante essa hora, na zona avançada, só estão no lago um máximo de 6 pessoas (3 em cada lado) a apanhar ondas connosco, pois a onda quebra para ambos os lados. Também é possível fazer glamping no local e a reserva é também efectuada online.
A tecnologia cria a onda a partir do centro do lago. Existe algo parecido com uma “pá” que se desloca ao longo do lago que cria a onda para ambos os lados e, cada surfista, pode apanhar 1 em cada 3 ondas geradas. Depois de a onda do nível avançado ser gerada, as ondas secundárias provenientes dessa onda são utilizadas para os níveis intermédios e iniciantes aprenderem a surfar. É uma forma inteligente de tirar proveito do efeito de refracção das ondas e de rentabilizar o custo da operação.



A minha maior preocupação estava relacionada com a flutuação da prancha, eu estava a surfar com uma Polen 5’10” com um volume de 20 e muitos litros e estava preocupado que, ao utilizá-la num lago onde a água não é salgada, a prancha perdesse muita flutuabilidade. Fiz esta questão aos responsáveis do parque que me responderam que, efectivamente para surfar ali é importante utilizar uma prancha com um volume um pouco maior que o volume que utilizamos na nossa prancha habitual de mar mas, se compensarmos em velocidade, o problema nem chega a existir. Foi o que eu acabei por fazer e, efectivamente, não senti qualquer perda de flutuabilidade.
Em relação à onda em si, por cada hora, o lago gera 34 ondas em cada lado. O que dividido por 3 surfistas, dá cerca de 11/12 ondas por hora surfadas, no nível avançado. A parte mais estranha de surfar no lago é que, ao contrário do mar, em que fazemos o take-off para o sítio onde queremos ir, aqui o take-off é feito na direcção contrária para o sítio onde a onda é gerada e só depois do take-off é que re-ajustamos para surfar a onda. A onda é sempre surfada em direcção ao centro do lago (rede) mas a onda em si tem uma corrente que nos afasta da rede. O que faz com que o take-off tenha de ser feito “a favor” da corrente mas, depois disso, o surf é “contra” a corrente, em direcção ao centro do lago. Na prática é quase como se fosse uma onda “estática+dinâmica”, pois nunca chegamos ao centro do lago, devido à corrente contrária que nos afasta.


Em termos de potencial técnico do parque, esta é ainda a Versão 1 do Wave Garden (recentemente foi lançada a V2, o WaveGarden Cove) mas penso que o grande potencial a extrair será, não só dos surfistas amadores que querem passar um bom fim-de-semana com a família e amigos a fazer free-surf sem o stress de apanhar um mau swell, correntes e crowd (e tubarões) mas também, a nível competitivo, o de ter algumas selecções ou equipas a treinar manobras específicas numa manhã, que demorariam semanas a aperfeiçoar no mar. Em termos de evolução do surf, penso que vai contribuir bastante para uma melhor performance dos atletas num período de tempo altamente reduzido. Pois a variável “onda” deixa de existir e tudo é concentrado na performance do atleta.

 


Sobre a viabilidade deste tipo de parques como negócio, com a informação que já consegui obter até hoje (cheguei também a conhecer o projecto do Kelly Slater Wave Company enquanto era apenas um protótipo em pequena escala num laboratório em Los Angeles), penso que têm de se alinhar três factores para que consigam ser um sucesso:


 1.    Estarem inseridos numa cidade onde exista uma cultura jovem forte com procura por desportos de acção e aventura e que esteja a uma distância relativamente grande do mar, pois o custo de oportunidade é bastante grande para este tipo de parques. As pessoas (a procura) podem fazer surf no mar com um custo de 0€, em vez dos 46€ a 58€ por hora que custa um WaveGarden (dependendo do dia da semana). Uma cidade tipo Madrid por exemplo seria uma excelente opção, pois o mar encontra-se a 400km de distância. Existe também um modelo em que as pessoas locais podem comprar um “passe mensal” para irem surfar as vezes que quiserem; 

  

 2.    Fazerem parte de uma estrutura de lazer maior que providenciasse: shopping, restaurantes, zona de eventos, cultura e toda uma base que traga a procura ao local de uma forma massificada e que maximize as fontes de receitas. O surf é ainda um desporto de nicho e, se uma família for para o parque, eventualmente o pai e o filho poderão querer ir fazer surf o dia inteiro, mas a mãe pode não ter tanto interesse e preferir ir fazer compras ou ir ao cinema. Mais uma vez, Madrid tem um excelente exemplo de aplicação deste conceito, com um centro comercial nos arredores da cidade chamado Xanadu, que tem uma pista de neve artifical para Ski e Snowboard integrada no centro. Seria interessante existir a possibilidade de “acrescentar” um surfpark a esta estrutura já existente e dar mais uma opção de escolha (oferta) ao volume de pessoas (procura) que frequentam aquele local; 

  

  3. Custo Energético. O maior problema até agora, prende-se com o facto de a factura energética destes parques ser ainda muito elevada. Conheci uma pessoa que trabalha na equipa de Engenharia do Surf Snowdonia que me disse que, por cada hora em que a onda está a funcionar, consome 100€ de electricidade. Este modelo é insustentável se o parque se alimentar de electricidade da rede. O que faz sentido, e o parque do Kelly Slater já o faz, é existir uma estrutura de energia renovável a alimentar o parque. Seja ela eólica, solar ou hídrica. Penso que, a partir do momento em que este problema seja resolvido, apesar do custo inicial do parque ser mais elevado, pois poderá implicar a compra e instalação de turbinas eólicas e/ou painéis solares, etc. tornará o modelo viável no longo prazo, pois retira a maior fatia dos custos de estrutura do P&L.


Se estes três factores forem “resolvidos”, penso que estão reunidas as condições mínimas para que o modelo de criação de parques de ondas artificiais seja um sucesso e um negócio rentável no longo prazo, de uma forma sustentável. Penso que se poderá cumprir o sonho que o Kelly Slater me disse uma vez de “querer democratizar o acesso ao surf, mesmo em países sem mar”. "

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