O surf regressa a casa
Desde Andy Irons, em 2004 que um surfista do Havai não conquistava um campeonato da WSL. O que significa isto para o surf mundial? E para o próprio John John Florence?
"Cresci a ver Andy e Kelly a surfar e desde que comecei a competir que sonho em conquistar este título."
As palavras de John John Florence têm o peso do destino. John John tem apenas 24 anos, mas o mundo do surf conhece-o desde que ele era uma criança loura, omnipresente em todas as revistas de surf, designada como "o próximo Slater". Nascido e criado no North Shore, a um par de quilómetros de Pipeline, filho de mãe solteira, John John foi adoptado pela aristocracia do surf mundial que lhe reconheceu, desde logo, algo especial. Aos 6 anos já era patrocinado pela O'Neill e surfava Pipeline; aos 13, tornou-se o mais jovem surfista a competir no Vans Triple Crown. No mesmo ano competia no Pipe Masters.
Ironicamente, se em criança lhe chamavam o próximo Slater, há alguns anos o próprio Kelly já admitia que era John John "o melhor surfista do Mundo".
Mas o que significa a vitória de um surfista havaiano no actual contexto do surf internacional, em que o Brasil se assume como a nova potência e Gabriel Medina o melhor surfista competitivo do Mundo? Basta olhar para o currículo de ambos, no qual o título mundial do brasileiro se destacava como o grande diferenciador. E a atitude. Gabriel Medina é uma máquina de competir, habituado a varrer títulos mundiais desde as provas de juniores da ISA. Venceu a primeira prova do tour antes de John John e, naturalmente, o primeiro título mundial, em 2014.
Slater disse em tempos que "o título mundial é o mais importante para os surfistas que o querem vencer" e a verdade é que a John John faltou sempre o "killer instinct" que surfistas como Medina ou Adriano de Souza têm para dar e vender. A Florence, mais do que o título da WSL, interessava o surf. Qual a diferença entre Medina e John John? Antes de conquistar o título mundial, John John venceu o Eddie Aikau.
Se o título mundial da WSL é a prova modelo do surf de competição, o Eddie Aikau é o paradigma oposto: uma competição de ondas grandes, que só se realiza com condições especiais, em pleno coração do terreno sacrossanto do surf: Waimea Bay.
John John é o surfista que faz um aéreo incrível numa onda de um metro e ganha um heat numa prova do CT e depois vai a Waimea Bay e vence a prova mais mítica de ondas grandes, frente a todos os especialistas de ondas grandes do planeta. Esta é a definição do melhor surfista do Mundo.
O triunfo de Florence em Peniche pode ser visto como o reclamar da credibilidade do CT, que tinha sofrido um rude golpe em 2012, quando o Volcom Pro em Cloudbreak foi suspenso devido às condições. Leia-se Cloudbreak com 10 a 12 pés off shore e os "melhores surfistas do Mundo" a abdicar do protagonismo para meia-dúzia de "surfistas de ondas grandes". As excepções contavam-se pelos dedos de uma mão: Parkinson, Slater, Fanning e, claro...John John. A polémica não tardou. Será que os surfistas do "top 34" eram, de facto, os melhores do Mundo ou os melhores do Mundo em ondas pequenas?
Uma coisa é certa: John John aprendeu a vencer. Competir pode ainda não ser a sua segunda pele, mas aprendeu a domar o seu talento para caber entre as buzinas de uma bateria. A próxima década será um duelo Florence-Medina, com alguns convidados especiais pelo meio.
E finalmente, para o surf, o simbolismo: 12 anos depois de Andy Irons, 16 anos depois de Sunny Garcia, o título mundial volta ao Havai.
O surf regressa a casa.