The Yin & Yang of Gerry Lopez – O Percurso de Iluminação Interior de Gerry Lopez
Gerry Lopez concluiu ter nascido para surfar...
O documentário inicia-se com o contraste mais gritante – Gerry, símbolo da serenidade e da elegância no surf, começa por pedir desculpa a todos a quem roubou ondas,
principalmente em Pipeline, seja dropinando seja contornando os outros surfistas para se colocar no pico
The Yin & Yang of Gerry Lopez – O percurso de iluminação interior de Gerry Lopez:
O documentário de surf está de regresso, e em força. Com o tema do percurso de iluminação interior de Gerry Lopez, um dos surfistas mais marcantes de sempre. Dirigido pelo Stacy Peralta, um celebrado realizador de documentários sobre desportos de acção, como o Dogtwon & Z-Boys, de 2001, o documentário essencial sobre o skate dos anos 70 e 80.
Cartaz do documentário
Todos os que estivemos na praia de Ribeira de Ilhas na noite de 14 de Julho, tivemos a dupla sorte de assistir à estreia europeia deste documentário bem como a uma interessantíssima sessão de Perguntas & Respostas, tudo no âmbito do Portuguese Surf Film Festival, a decorrer na Ericeira.
Gerry e Stacy na sessão de Perguntas e Respostas. Foto : Surftotal
Este documentário aborda a vida do Gerry pelo prisma original do conceito de Yin e Yang. Proveniente da filosofia chinesa ancestral, trata das duas forças essenciais que, embora aparentemente contrárias, funcionam na verdade como complementares, reforçando-se uma à outra. Deste modo condicionando e movendo-nos, consciente e principalmente de modo inconsciente, e assim construindo a nossa individualidade.
Estas forças relacionam-se em cada um de nós de modo individualizado. Assim, cada um vive a sua própria e íntima combinação. Tal como no caso do Gerry, em que estas forças relacionam-se de modos muito particulares, em contrastes que vão sendo abordados ao longo do documentário.
Este documentário aborda a vida do Gerry pelo prisma original do conceito de Yin e Yang.
O documentário inicia-se com o contraste mais gritante – Gerry, símbolo da serenidade e da elegância no surf, começa por pedir desculpa a todos a quem roubou ondas, principalmente em Pipeline, seja dropinando seja contornando os outros surfistas para se colocar no pico. Naqueles tempos, ele era reconhecido como um dos surfistas mais agressivos dentro de água. O Yin da sua serenidade fora do oceano era compensado pelo Yiang da dureza da onda de Pipeline, seja pelo perigo seja pelo crowd, à qual tinha de se adaptar. A sua agressividade contrabalançada pela procura de harmonia com as ondas : “Para dominares um spot como Pipeline, não podes ser mole, tens de ser duro”. Até para arriscar e superar quedas e lesões.
“Para dominares um spot como Pipeline, não podes ser mole, tens de ser duro”. Até para arriscar e superar quedas e lesões.
Gerry a preparar-se para o seu heat no Campeonato Norte-americano de 1969, na California
Se hoje é um lugar-comum associar o surf ao ioga, é muito graças a ele, que foi o primeiro a adoptar o Ioga não só como um caminho para serenidade mas para ajuda ao seu desempenho no surf, particularmente em Pipeline, a onda mais perigosa, onde vários surfistas já morreram. O ioga permite-lhe levar para o surf novos conceitos, como foco, concentração e disciplina. Como afirma : “Tens de estar em paz com esta onda. Para a tua mente estar activa, tens de estar calmo. A tua respiração tem de estar calma. Para acalmar a respiração, teu corpo tem de estar calmo”.
Mr Pipeline. “Sentia que tinha uma relação especial com esta onda”. Foto : Lance Trout
Outro modo de manifestação do Yin e Yang na sua vida é o deixar-se levar pelas oportunidades.
“Ia por onde a vida me levava”
Outro modo de manifestação do Yin e Yang na sua vida é o deixar-se levar pelas oportunidades – “Ia por onde a vida me levava”. Nasce em Honolulu (Hawaii), em 1948, começa a surfar ainda criança, levado pela Mãe. Vai surfando, embora sem grande entusiasmo até que em 1966, aos 18 anos, viaja para a California, para a universidade. Lá começa a perceber, numa experiência quase mística, que afinal tinha nascido para ser surfista.
Abandona a universidade e regressa ao Hawaii para se dedicar totalmente ao surf. O mundo do surf da altura estava em ebulição com a “Shortboard Revolution”, que se traduzia na procura de pranchas mais manobráveis, mais leves, e especialmente mais curtas, dos 10” dos longboards clássicos para os 7” das pranchas de alto desempenho da altura. As pranchas eram desenhadas e fabricadas à mão pelos próprios surfistas. Gerry junta-se a este movimento, e ao descobrir que as suas pranchas eram apreciadas, decidiu criar a sua própria marca, Lightning Bolt. Sinal do espírito da época – afinal, estamos em 1970 – esta marca foi inspirada por um amigo que descrevia o especial prazer que tinha sentido a fumar um cigarro de marijuana.
Com estas pranchas mais curtas e manobráveis o tubo torna-se a manobra mais progressiva do surf. É o primeiro a enfrentar os tubos de Pipeline com pranchas mais curtas e desenhadas à medida para aquela onda, as famosas “Pipeliners”, distinguidas pelos “tails” estreitos para melhor penetrarem na parede da onda, ganhando assim estabilidade. Rapidamente as pranchas Lightning Bolt tornam-se as mais procuradas no Hawaii e na California.
Anúncio da Lightning Bolt, de meados dos anos 70, com quatro dos surfistas mais importantes do North Shore, da esq. para a dir., Jeff Hakman, Rory Russel, Gerry Lopez, Reno Abellira.
Em meados dos anos 70, Gerry Lopez era o surfista mais popular, aparecendo em todas as revistas, em todos os filmes de surf. Todos queriam fazer tubos como ele. E Pipeline torna-se no padrão com que todas a outras ondas eram medidas e avaliadas.
Embora também aqui se manifestassem os contrastes. Por um lado, afirmava que apenas estava interessado no estilo de vida, e o que queria era surfar e trabalhar pouco; Mas por outro, a marca de que era co-proprietário era a maior e a mais procurada em todo o mundo, graças precisamente à promoção à volta do seu nome.
Gerry e Lightning Bolt. Uma das mais icónicas da revista
a marca Lightning Bolt acabou por perder a autenticidade e a força que tinha junto dos surfistas mais dedicados (o “core”), e fechou.
Mas Gerry consegue manter a sua reputação intacta.
Vítima do excesso de comercialismo, banalizada pelos licenciamentos, a marca Lightning Bolt acabou por perder a autenticidade e a força que tinha junto dos surfistas mais dedicados (o “core”), e fechou. Mas Gerry consegue manter a sua reputação intacta.
Afasta-se da ribalta e numa sugestão do famoso realizador de filmes de surf Jack McCoy, conhece a Indonesia. É um dos primeiros a surfar Uluwatu e Grajagan. Reconhecendo que tinha encontrado a melhor onda da sua vida , fez desta o seu “santuário cósmico”, onde levava uma vida simples e espartana : surfava sozinho o dia inteiro, nos intervalos praticava Ioga e comia uma única refeição por dia, ao entardecer (“dieta zen”).
Regressou à ribalta mediática, mas de um modo muito surpreendente – via Hollywood. Em 1978, John Milius, na altura um guionista em ascensão graças a filmes como “Dirty Harry” (que lançou Clint Eastwood), convidou-o para participar do Big Wednesday (em português,” Os Três Amigos”), como consultor para as cenas de surf, e onde aparecia também em algumas cenas. Esta oportunidade lança-o para outros papéis em filmes, sendo o mais conhecido aquele em que contracenou com Arnold Schwarzenegger no filme “Conan, O Bárbaro”, de 1982.
Durante a rodagem do Big Wednesday. Da esq. para a dir. , Gerry Lopez, John Milius, Jean-Michel Vincent
Farto dos excessos do estilo de vida de Hollywood,à volta de álcool e drogas, Gerry abandonou a carreira de actor de cinema e foi viver para a ilha de Maui (Hawaii) onde, durante os anos 80, se dedicou ao surf, windsurf e ao “shape” de pranchas. Casou-se e tiveram um filho.
Na primeira metade dos anos 90, transformou radicalmente a sua vida, mudando-se para o interior do Oregon, estado do Noroeste dos Estados Unidos, fazendo fronteira com o Canadá. Para ele, o oceano passa a ser o Yin e a montanha o Yang. Nesta zona montanhosa, a quatro horas do mar, torna-se fã de snowboard. No filme, explica um pouco essa decisão aparentemente tão insólita, considerando que “ser surfista é a coisa mais egoísta deste mundo” , acrescentando então que o snowboard podia ser praticado em família.
"Todos vivemos por pouco tempo. Tens de encontrar paz interior, e de seguida partilhá-la com outros,
contribuindo para a felicidade de outras pessoas. Deste modo, encontrarás o teu verdadeiro objectivo de vida, o verdadeiro sentido da vida”.
Hoje em dia, mesmo vivendo tão longe do mar, Gerry continua ligado, seja a “shapear” pranchas, ou a praticar kite-surfing e stan-up paddle. Iniciou-se no surf em pranchas de foil, aos 70 anos ! Encontrou no oceano a fonte para a preservação da sua juventude. Também é professor de Ioga muito procurado. Estas ocupações têm-no levado por todo o mundo.
Curiosamente, há um contraste na vida dele que o filme não aborda, e que é a atitude perante a competição profissional. Através da descrição do Shaun Tomson (um dos pioneiros do surf profissional, campeão do mundo em 1977), percebe-se que era muito competitivo, mas mais no sentido da ganância por ondas. Neste documentário não se vêem referências a ter sido Pipeline Masters duas vezes, em 1972 e 1973, nem a quaisquer outras competições em que tenha participado. Uma resposta poderá ter a ver com a relutância como abordava a competição, tal como terá afirmado : “O surf é como uma dança. Quando estás a tentar esmagar os teus oponentes afastas-te dessa experiência”.
Gerry conclui o documentário com uma mensagem que resume a sua vida, e que é poder ser útil para todos nós : “Todos vivemos por pouco tempo. Tens de encontrar paz interior, e de seguida partilhá-la com outros, contribuindo para a felicidade de outras pessoas. Deste modo, encontrarás o teu verdadeiro objectivo de vida, o verdadeiro sentido da vida”.
Aloha
*por Pedro Quadros
Nota : Este filme será exibido novamente no encerramento do Portuguese Surf Film Festival . Aproveitem e apreciem este hino ao surf, ao nosso estilo de vida.
Ver abaixo link para o trailer :