O surf como veículo de desenvolvimento de uma marca
Uma curta reflexão, por Pedro Quadros...
O WQS, circuito de qualificação para o World Tour, estará de regresso a Portugal de 11 a 23 de Maio, com duas provas, uma em Santa Cruz a outra na Costa da Caparica. Para além de serem as primeiras provas em Portugal (e na Europa) desde 2019, estas duas têm outra coisa em comum, o mesmo patrocinador principal, a Estrella Galicia, marca de cerveja originária da Galiza.
Trata-se de uma marca centenária, propriedade de uma empresa familiar com mais de 100 anos, com sede na Galiza, posicionada como cerveja artesanal, que está a entrar em força em Portugal. Originalmente uma marca circunscrita àquela província espanhola, arrancou há alguns com um programa de expansão ambicioso. Inicialmente nacional e actualmente internacional. E aqui é que esta marca se torna interessante para nós surfistas, ao recorrer ao surf como veículo principal de desenvolvimento e promição da marca em Portugal.
Para muitos surfistas que se consideram “puristas” (eu próprio gosto de alimentar uma certa tendência para isso) o envolvimento de marcas exteriores ao surf (ainda por cima, marcas de bebidas alcoólicas) será mais um sinal de exploração comercial e de apropriação do universo cultural do surf. Sentimento compreensível.
No entanto, quando se olha para a história do surf constatamos que a comercialização do surf sempre esteve presente. Os primeiros passos do surf competitivo foram sustentados por uma marca de vodca – Smirnoff - que entre 1969 e 1977 patrocinou o Smirnoff Pro-Am. Realizado no Hawaii, foi durante esses anos a competição mais prestigiosa e com maior premiação. Ainda hoje o Smirnoff de 1974, realizado em Waimea Bay, e vencido pelo Mark Richards, é considerado como uma das competições mais espectaculares de sempre, graças às ondas enormes.
Regressando à Estrella Galicia – é curioso ver que esta é também um dos patrocinadores da equipa Fórmula 1 da Ferrari. Segundo os “press-releases”, um dos objectivos é associar o universo artesanal do tipo de cerveja que fabrica ao “artesanato” híper-preciso e super-sofisticado da Fórmula 1. Ora, a mesma associação pode ser feita ao surf, pois a produção de pranchas ainda hoje é largamente artesanal, embora cada vez mais sofisticada com o recurso a tecnologias como o CAD (desenho auxiliado por computador) e os robots de “shape”.
Nós surfistas com alguma frequência somos (ou pelo menos somos percepcionados como sendo) pioneiros de modas e de novas tendências. Particularmente no segmento das cervejas artesanais, em que os surfistas não são só consumidores entusiastas mas também produtores. O caso mais interessante é o do Mick Fanning (3 x Campeão Mundial) que no processo de preparação da sua reforma da competição fundou uma marca de cerveja artesanal de que ele era a “cara” e que vendeu em 2019 num negócio que terá feito dele um milionário com um valor patrimonial líquido muito interessante.
Uma marca exterior ao surf pode portanto envolver-se no surf numa relação harmoniosa entre os seus objectivos de marketing e o território cultural do surf, rico e aberto embora frequentemente também preconceituoso e conservador, procurando e abordando os pontos comuns. Para além disso, e como em qualquer relação, a permanência, o tempo aplicado, são essenciais àquela harmonia. Conto ver novamente a Estrella Galicia nos WQSs nacionais do próximo ano, acompanhada de outras marcas que saibam também tirar proveito dos valores imaginários do surf, como a juventude eterna, uma certa irreverência saudável, um hedonismo simples, fruto do contacto direto com o mar e com o sol. Citando o Jacques Séguéla, famoso publicitário dos anos 80, tirando proveito do poderoso valor acrescentado imaginário do surf.
*Por Pedro Quadros
Francisco Spínola com o diretor de Marketing da Estrella Galicia
Por WSL