O que faz uma boa escola de surf? Entrevista com Renato Paço, fundador da Soul Spot
A Surftotal esteve à conversa com o fundador da Soul Spot Escola de Surf, Renato Paço.
A Soul Spot é uma escola de surf e bodyboard - e também um café - na Praia Grande. A Surftotal tem uma das suas câmaras instaladas na Soul Spot, que podes consultar aqui para ver as ondas e o surf na Praia Grande em directo. Conversámos com o fundador da escola, Renato Paço, sobre o que define uma boa escola de surf, qual o aspecto mais gratificante de trabalhar como instrutor, e qual o futuro das escolas de surf.
De onde vêm os alunos que chegam à Soul Spot? De que estão à procura, e o que os faz ficar?
Vêm muito da força da palavra que se espalha aqui na zona local. A Soul Spot já tem 22 anos, e tenho muitas famílias que já me conhecem, e esses alunos vêm para cá. Depois há o mercado internacional. Há aqui famílias belgas, alemãs, holandesas, que dei aulas aos filhos deles e agora estou a começar a dar aulas aos netos. O que os faz ficar aqui é também todo o meio envolvente, o bar, a atmosfera. O facto de eu ser o melhor português no ranking em Drop Knee não é o mais importante, mas ajuda a dar alguma credibilidade nos mercados nacional e internacional. Mas o que faz com que os alunos fiquem aqui, volto a repetir, é mesmo o ambiente.
"O que define a nossa atmosfera é a cultura de praia. Tudo aqui respira surf."
Além da aprendizagem do desporto em si, o que define a atmosfera e o lifestyle numa escola de surf? Que aprendizagens te interessa passar aos alunos?
O que define a nossa atmosfera é a cultura de praia. Tudo aqui respira surf. A alimentação do bar é à base de sumos naturais, açaís, saladas. As pessoas que estão aqui ganham hábitos e comportamentos ao longo dos anos que definem a cultura do surf – a maneira de vestir, falar, estar. Eu tenho uma frase que costumo dizer que é “life is a beach”. Com essa filosofia, é como se a Soul Spot não tivesse que andar à procura de resultados. Isso acaba por ser o mais importante de passar aos alunos e às pessoas que passam por aqui. Mesmo com esta nova geração do surf, que é muito mais focada e mais regrada. Isso interessa passar aos alunos, mas os valores principais são a amizade, a união, o altruísmo.
Na tua opinião, o que é que uma escola de surf precisa para não ser “só mais uma escola”?
Há várias circunstâncias que ajudam muito a diferenciar uma escola. Com 16 anos comecei a fazer surf e bodyboard. Entrei no mundial de bodyboard, que era aqui na Praia Grande. Comecei a ter resultados, e nunca pensei ficar o melhor português na categoria de Drop Knee. E todas estas circunstâncias acabam por ser o trunfo principal para que isto não seja só mais uma escola. O envolvimento com a Câmara de Sintra e de Cascais, os actores e actrizes que passaram por aqui… Normalmente as escolas estão só focadas nos resultados dos atletas. E o surf e o bodyboard é um lifestyle que vai muito além disso.
Além do mais, a Soul Spot conta com o apoio da Hanamisushi, da Prime International School, da Decathlon Sintra, e da Autokuatros, que acrescentam muito valor à experiência da escola.
Alunos da Soul Spot
Qual é a qualidade número um que procuras nas pessoas com quem trabalhas?
Honestidade, e uma atitude activa perante o meio envolvente, na maneira como dá aulas, a interacção com os alunos, a maneira como se prepara o material, como lida com as pessoas.
"O que eu gosto mais é sentir que as pessoas começam do zero e têm uma evolução brutal"
Qual é a parte mais satisfatória ajudar alguém a dar os primeiros passos no surf ou no bodyboard?
É veres que essa pessoa está-se a divertir e a evoluir. Apareceu aqui um homem alemão com 75 anos que começou agora a fazer surf. Nunca pensei que se conseguisse pôr em pé, e no outro dia ele cortou a onda. O que eu gosto mais é sentir que as pessoas começam do zero e têm uma evolução brutal. É incrível como as pessoas conseguem fazer coisas que nunca pensaram que conseguiriam.
O mundo do surf está em constante e rápida mudança. Como é que uma escola de surf se reinventa para se adaptar? No caso da Soul Spot, que já tem mais de 20 anos de existência, quais são as maiores diferenças entre o início e os dias de hoje?
Há 20 anos atrás, a Soul Spot estava muito focada na competição. Com o decorrer dos anos, houve uma insatisfação por parte dos encarregados de educação, que sentiam falta de poder monetário e apoios. Embora ainda haja objectivos muito parecidos, os treinos hoje em dia são muito mais técnicos. Há 20 anos atrás não era assim. Ao longo dos anos isso foi mudando, e eu acho muito bem. Temos que ir evoluindo para patamares de satisfação superiores e investir numa parte mais técnica, por exemplo com a vídeo análise. O caminho do surf no futuro, pensando nos Jogos Olímpicos, será cada vez mais um processo sistemático, com uma regulação de hábitos na parte da alimentação, física e mental. Isso vai definir o surf e o bodyboard. A parte mental está muito pouco desenvolvida no surf. Temos atletas excelentes no free-surf que na competição não conseguem fazer grande coisa. Acho que essas são as grandes diferenças. Há 20 anos o surf era um desporto alternativo, e hoje em dia é um desporto de massas. A filosofia da Soul Spot é muito importante, e se há uma filosofia forte, não temos necessariamente que nos reinventar.
"Há zonas em Portugal onde basicamente não há ondas, e há pessoas a pagar balúrdios para ter aulas."
Como imaginas o mercado das escolas de surf a evoluir nos próximos anos?
Acho que existe uma fatia de mercado gigante de surf e bodyboard que vai para além da competição e que não é propriamente baseada na qualidade das ondas. Há zonas em Portugal onde basicamente não há ondas, e há pessoas a pagar balúrdios para ter aulas. Não sei se é bom ou mau, mas tenho pessoas que vêm aqui, tiram uma foto com uma prancha de surf, remam um bocadinho e dizem que fizeram surf. Existe um mercado à volta disso. Nós vemos muita gente a andar com roupa de surf e não é surfista. Claro que para mim o mais importante é a qualidade do produto, que são as ondas. Mas acho que o futuro do surf vai passar por isto.