"BAÍA DOS COXOS É UM LOCAL DE CULTO DO SURF EM PORTUGAL"
Por que razão não se fazem campeonatos nos Coxos? Esta e outras questões, numa entrevista exclusiva com Tiago Matos, da Associação dos Amigos da Baía dos Coxos.
Tiago Matos, membro da Direção da Associação dos Amigos da Baía dos Coxos, esteve à conversa com a SurfTotal, sobre os motivos que levaram à criação da AABC, bem como os princípios por que se rege. O objectivo principal: preservar um local mágico e único para a prática do surf em Portugal.
De onde surgiu a ideia da Associação dos Amigos da Baía dos Coxos?
A "associação" já existe informalmente desde o princípio dos anos 90, mas a ideia de criar uma Associação como pessoa jurídica surgiu da necessidade de se proteger a Baía dos Dois Irmãos, vulgarmente conhecida pela Baía dos Coxos, de quaisquer actividades que pudessem por em causa: a sustentabilidade e integridade daquele local, a sua onda, o seu património natural, ecológico e ambiental, nomeadamente a sua flora, fauna, as falésias, caminhos e demais ordenamento. A constituição da Associação resultou de reuniões inicialmente promovidas pelo José Gregório juntos dos demais elementos fundadores da Associação, devido à crescente pressão por parte de entidades, quer públicas e quer privadas, que demonstravam interesse e realizar actividades e projectos que eram susceptíveis de pôr em causa a sustentabilidade da Baía dos Coxos.
Quais os princípios desta associação?
Os princípios da Associação são públicos e constam do artigo 4º dos seus estatutos e são basicamente aquilo que foram mencionados na resposta anterior: defender e preservar no seu estado natural o património da Baía. Para que as futuras gerações encontrem a Baía exactamente da mesma maneira que nós a encontramos.
Quem faz parte dela e quais as funções que ocupam?
Actualmente, os membros dos órgãos sociais são: na Assembleia Geral: Pedro Moreira Rato, Nick Uricchio e Alexandre Cabral; na Direcção da Associação: Tiago Matos, José Gregório, José Pires de Lima, Paulo Marques da Costa e Lourenço Katzenstein, Suplentes: Clive Chadwick e Nuno Almeida; e no Conselho Fiscal: Miguel Dray, Luis Roseiro e Pedro Miguel Amaro. Os associados fundadores da associação são: José Gregório, Miguel Dray, Pedro Moreira Rato, Jorge Henriques, Tiago Matos, Henrique Mata, Paulo Marques da Costa, Jorge Cardoso, Miguel Fortes, Luís Roseiro, José Pires de Lima, Clive Chadwick, Nick Uricchio, Filipe Henriques, Pedro Bicudo, Pedro Miguel Amaro, Tiago Oliveira. Juntamente com muitos outros surfistas que são associados, apoiam e estão por detrás do espírito que levou à constituição da associação, que não vou enumerar sob pena de me esquecer de alguém.
É possível fazer um campeonato nos Coxos? Porquê?
Em relação aos campeonatos nos Coxos, a sua realização contraria frontalmente os princípios defendidos pela Associação, sendo esta posição por nós defendida há muito tempo (mais de 20 anos), como é sobejamente conhecido no meio do surf. As razões que nos levam a ter esta posição de não realização de campeonatos nos Coxos justificam-se pelo facto de considerarmos este local como uma referência e um local de culto do surf em Portugal. Pretendermos preservá-lo e mantê-lo para que as gerações vindouras possam encontrá-lo, pelo menos, no mesmo estado de conservação em que tivemos a felicidade e a oportunidade de o encontrar, isto é: livre de campeonatos, concertos, eventos, estradas, construções, roulotes, apoios de praia, escolas, etc. A onda dos Coxos é das poucas ou únicas ondas relativamente próxima de zonas urbanas que mantém esse estado único de preservação do seu ecossistema natural, sendo essa preservação, juntamente com a qualidade da onda, as razões da sua valorização enquanto onda de eleição e enquanto local de atracção para todos aqueles que a querem, e podem, desfrutar no seu estado original. São estes dois pontos principais que caracterizam a identidade dos Coxos, que a tornam um local de excepção e constituem a sua grande mais-valia para a comunidade de surf portuguesa e estrangeira. Para nós, estas características da Baía dos Coxos e esta posição dos seus frequentadores habituais (locais) são um factor de valorização daquela Baía para o Concelho de Mafra e para o País.
"Coxos são uma referência e um local de culto do surf em Portugal. Pretendemos preservá-lo e mantê-lo para que as gerações vindouras possam encontrá-lo, pelo menos, no mesmo estado de conservação em que tivemos a felicidade de o encontrar"
Há espaço para várias formas e conceitos de promoção das ondas Portuguesas e das ondas da região da Ericeira. Consideramos que as posições que defendemos para a Baía dos Coxos são aquelas que melhor defendem os interesses da comunidade local e do Concelho e que permitem a coexistência na zona da Ericeira dessas várias perspectivas de valorização da faixa costeira. A verdade é que tendo em conta a existência de outras ondas de qualidade mundial na zona da Ericeira, com melhores condições para acolher as infraestruturas e o habitual público que assiste aos campeonatos de surf, não faz sentido pôr em risco e sobre forte pressão um ecossistema já de si frágil, da Baía dos Coxos. Mais, com a globalização e a massificação que caracterizam hoje em dia o surf, optar por outra via que não esta implicaria corrermos o risco de abdicar de um local único, de um espírito e uma maneira de estar num conceito que ainda preserva a essência e a alma original do surf. Com a agravante da irreversibilidade que isso implicaria.
Quem pode fazer parte desta associação?
Todos aqueles que comunguem destes princípios, espírito e serem aceites pela comunidade local e pela Direcção da nossa Associação.
O que a associação já fez até agora para proteger e defender os interesses da Baía mágica?
Há uns valentes anos atrás, e antes de a associação ser constituída formalmente, começamos por sinalizar todos os agentes envolvidos neste nosso "mundo" do surf em relação às nossas posições, tendo inclusive alugado um avião que se passeou sobre o campeonato que se estava a realizar na Ericeira, com uma faixa a dizer que não queríamos campeonatos nos Coxos. Estamos a falar dos anos 90, do século passado... Na primeira década deste século, na sequência da demonstração de interesse para realização de campeonatos nos Coxos, enviamos cartas para a ASP/WSL a comunicar a nossa total discórdia com a realização desses campeonatos, pelas razões que acima mencionamos. Destaco que a nossa posição foi respeitada pela ASP/WSL e por toda a comunidade Internacional. Recentemente, para protecção e defesa não só da Baía dos Coxos, mas também da faixa costeira da região da Ericeira, e tendo por base os princípios e ideias que foram referidas nas perguntas anteriores; em 2010 e em conjunto com o Município de Mafra e apoiada por várias entidades locais, preparamos e promovemos a candidatura junto do "Save The Waves" para a atribuição do Estatuto de Reserva Mundial de Surf à Ericeira, a 1ª na Europa e a 2ª no Mundo.
Actualmente, estamos a trabalhar para ajudar o Município de Mafra numa iniciativa pioneira em Portugal e na Europa para criar uma área protegida, por via da criação de uma Reserva Nacional, que tenha como foco a protecção da Baía dos Coxos, a sua onda e a orla costeira envolvente. Esta iniciativa tem o intuito de conservar este património e disponibilizá-lo para o usufruto de todos de uma forma verdadeiramente sustentada e duradoura, à semelhança, do que já existe na Tapada de Mafra, Berlengas, Arrábida, parque natural de Sintra, etc. Estamos ainda a trabalhar nesta altura numas novas placas sinalizadoras para a nossa Região e para Reserva Mundial de Surf, com uma sinalização original no surf mas parecida com a já utilizada nas pistas de neve. Estamos também a promover recolhas de lixo e vamos tentar juntamente com o Município de Mafra iniciar planos de florestação.
Qual a tua opinião sobre o localismo em geral e nos Coxos em particular?
Para mim o "localismo" não é mais do que saber respeitar e ter regras de boa conduta e educação perante um local e perante quem vive e frequenta determinadas zonas e localidades. Tendo eu mais de 50 anos, fazendo surf há quase 40, e tendo a oportunidade de ter viajado, e viajar, por todo o mundo para fazer surf, posso garantir que o "localismo" que existe na Baía dos Coxos é bastante saudável, apesar de por vezes, como em todo o lado, haver algumas situações menos agradáveis. Ao contrário de muitos outros sítios, a postura dos locais dos Coxos é acolhedora para quem vem de fora e quer usufruir desta onda, existe um espírito de entreajuda para quem não conhece a onda, os perigos existentes, as zonas de entrada e de saída rochosas e a forma de estar dentro de água. Agora... há regras, verdadeiros costumes de saber estar e de comportamento que são, ou deveriam ser, sobejamente conhecidas por todos os surfistas. Por exemplo: se eu for surfar para um local qualquer onde exista cultura de surf onde existam pessoas a viver e a surfar lá, a cuidar do local e a protegê-lo, não me passa pela cabeça entrar na água e ir directamente para o pico, dar a voltinha aos locais ou a outros surfistas que estão à espera de ondas e a ter uma postura de tentar apanhar as ondas todas.
Para quem vem de fora, há que saber estar dentro de água, cumprimentar quem lá esteja, saber esperar pela sua onda, perceber quem são os locais que provavelmente surfam ali há dezenas de anos, ter atenção para não se colocar à frente nem atrapalhar os outros surfistas que vêm na onda e saber se têm capacidades técnicas e físicas para estar naquele determinado local e com aquelas condições de mar. São estes comportamentos que tentamos incutir e ver respeitados nos Coxos e, quando há surfistas que não os respeitam, temos uma postura construtiva explicando o que achamos que está errado e aquilo que é o comportamento correcto. É isso que tem permitido a sã convivência entre os surfistas dentro de água nos Coxos.
Entrevista: Bernardo Seabra