JEAN LOUIS RODRIGUES, DIRETOR GERAL DA BILLABONG EUROPA
Uma entrevista de fundo a Jean Louis Rodrigues sobre o seu percurso inspirador e estratégia da marca Billabong.
O seu percurso de vida é inspirador. Trata-se de uma pessoa honesta, humilde, que sempre soube aquilo que queria, um líder, um apaixonado pelo desporto e pelo surf. Jean Louis Rodrigues é filho de pais portugueses e é o diretor geral da Billabong Europa. Fez questão de nos dizer que esta foi a primeira entrevista que deu, e apenas a deu por ser para um site português. É com orgulho que a partilhamos hoje e agradecemos desde já esta atenção.
Sabemos que tem origem portuguesa, mas está neste momento em França. Como foi isso?
Os meus pais são transmontanos, são de Outeiro, em Bragança. O meu pai veio para França quando era jovem e mais tarde tentou voltar para Portugal. Foi complicado, pois era uma terra em que só se apostava na agricultura... E o meu pai acabou por voltar para um país que respeita muito, França. Veio abrir lojas aqui em Biarritz. Lojas de desporto e de surf. Teve também restaurantes… A ideia era estar num local bom para viver. Éramos três irmãos e viemos com ele. Eu tinha 11 anos na altura e desde então que estamos aqui.
Agora é o diretor geral da Billabong. Como foi o seu percurso até aqui?
Depois de passar por um curso de economia e por uma grande escola de comércio, em Paris, os meus pais quiseram que entrasse na empresa da família. Não desejava isso na altura. Queria conhecer vários países, várias realidades. Fazer algo na área do comércio internacional. Era o meu desejo desde os 16 anos. E acabei por conseguir.
A primeira empresa na qual trabalhei foi a JanLuca Brasil. Quando estou a regressar de uma viagem profissional ao Brasil, comecei a conversar com a pessoa que seguia ao meu lado. Percebemos que ambos trabalhávamos com lojas de desporto. Mas a conversa não se alongou. Quando regressei a casa e mostrei ao meu pai o cartão de visita, explicou-me que se tratava do fundador da Empresa Go Sport. A primeira empresa de lojas de desporto com um conceito de loja bastante maior do que o normal. Eram lojas que tinham 250 metros quadrados.
Entretanto, entrei na Reebok nos bons anos da marca e mais tarde fui director comercial. Em 91/92, tive a ideia de fazer um Shoping Shop. Pela primeira vez uma marca falava de faturação por metro quadrado para a distribuição. A esse conceito dei o nome de Planet Reebok. A Reebok Europeia, que estava sedeada em Londres, adoptou-o. Entretanto, os americanos interessaram-se e pediram-me para ir implementar o conceito nos EUA. Nessa altura fiquei em Boston cerca de 6 meses. Fizemos então um conceito mundial.
Mas, com o surf aqui no sudoeste de França e os meus pais a viverem aqui, queria regressar a casa e fui contactado pela Quiksilver. Entrei como director comercial da marca em França. Éramos 65 empregados e fazíamos 18 milhões de euros de facturação. Isto em 1994. Em 2001 saí. Vivi 7 anos incríveis de facturação na Quiksilver, passámos de 18 a 250 milhões de euros de facturação. Tive a sorte de ser um dos líderes da empresa, não o único. Foram anos incríveis para o mundo do surf. Passou de um mercado com um tamanho relativamente pequeno para um mercado mais importante e maior. Aí tive a oportunidade de conhecer o Kelly Slater, o Robby Naish, o Jeff Hakman. Enfim histórias entre homens e uma realidade da empresa também.
Saí dessa empresa e tive várias possibilidades, uma delas era ser director geral da Nike para Espanha e Portugal, mas também fui contactado pela O’Neill. Depois tive vários contactos com a Billabong. Falei com o Derek O’Neill, fundador da Billabong Europa, que mais tarde acabaria por ser o CEO Mundial, durante 11 anos (até ao mês de Maio 2013). Naquela altura o Derek O’Neill dizia-me que “um dia terás a possibilidade de trabalhar para a Billabong”. Esse dia aconteceu em Setembro de 2008. E desde 23 de setembro que o conselho de administração da empresa pediu-me para ser director geral da Billabong para a Europa.
Qual é agora a estratégia da Billabong? Qual o enquadramento da marca no cenário do mercado do surf? Sabemos que há uma tendência das marcas em voltarem um pouco ao "core".
A nossa empresa foi fundada em 1973 por Gordon Merchant e é um pouco diferente das outras marcas de surf, com respeito pelas outras marcas. A base é a Billabong e depois temos outras marcas como a Element a RVCA, a Sector 9, etc. Essa é a primeira base da estratégia. A Billabong, não só em Portugal, sempre teve uma realidade de ficar no mundo Core.
O Paulo Martins fez um grande trabalho em Portugal, tivemos mais ou menos as mesmas ideias em vários outros países, mas a nossa ideia foi sempre termos uma realidade não só histórica, mas também com a parte da distribuição, tanto ao nível de imagem, como ao nível de representação e ajuda no mercado do surf. O que posso dizer, é que a Billabong tem ainda hoje em dia 4 etapas do WCT e isso quer dizer muito. A segunda parte dessa realidade é que durante vários anos, quando o mercado estava com crescimentos incríveis, fomos sempre a marca que teve menor número de clientes. Quer dizer que demos sempre muita atenção à parte de distribuição. Não quer dizer com isso que tudo o que fizemos foi bom mas a estratégia foi essa. Agora, o que temos visto com isso é que falta uma coisa importante.
Nesta empresa sempre existiu uma Tech Division, parte das pessoas da nossa empresa fazem a parte de surf desde sempre. São os fatos de surf, pranchas, enfim, e essa parte é importante. E isso quer dizer que quando falamos de estratégia nos nossos seminários de vendas, por exemplo, começamos sempre por essa parte.
A nível estratégico hoje em dia a Rip Curl foi a primeira marca a dizer que é preciso voltar atrás se desejamos ser core. Nós, Billabong, somos um bocadinho diferentes, sempre fomos, e houve inclusive muitas conversas quando falávamos de certas lojas em determinados locais e percebíamos que não era possível facturarmos por exemplo 50.000 euros, e essa loja comprava apenas 3, 4 ou 5 mil euros. Essa é a realidade.
A Billabong é uma empresa cotada, isso não faz que de alguma forma haja pressão no alcance de "números" cada vez maiores?
Sim, claro que há pressão de números. Tivemos um crescimento brutal, pelo facto de comprarmos várias marcas e várias lojas e por isso atingimos quase 1.600 milhões de dólares de facturação no Mundo. O facto de haver uma cotação é uma realidade que dá uma certa pressão. Mas nunca ouvi - e há 5 anos que estou nesta empresa - “vocês têm de facturar ou senão...”.
Existe segmentação de produtos Billabong para diferentes tipos de lojas?
Temos produtos técnicos que podem ser exclusivos para lojas core… Temos hoje uma estratégia que estou a reforçar cada vez mais: um bom produto tem de estar a um preço na boa distribuição no momento X. Tudo isso tem de ter um equilíbrio, com uma estratégia bem pensada, tanto a nível da estratégia marketing como à estratégia de distribuição.
Esse é o grande equilíbrio e tem sido o meu trabalho há 5 anos. É o que tenho procurado assegurar e é o que vou continuar a assegurar, porque penso que é essa a direcção e a maneira de distribuir produtos em mercados que são diferentes com consumidores diferentes, com realidades de preços diferentes, com concorrência e distribuição diferentes... Diria que cada País e que cada realidade interna a cada país, tem de ser uma parte importante da estratégia da empresa sobre esse País.
Por falar em país, qual o peso ou importância da Billabong Portugal no cenário da Billabong Europa?
Qual a percentagem em termos de negócio que representa na Europa? O Paulo é uma pessoa que tem uma ideia muito clara do que o mercado nacional necessita. Tem sido muito leal com o nosso grupo. Há mais de 18 anos que trabalha com todas as marcas do Grupo. Temos uma relação pessoal importantíssima, mas isso não quer dizer que estejamos sempre de acordo. Ainda assim, desde o primeiro minuto que procuramos tomar boas decisões a favor do nosso Grupo, e a pensar na distribuição no mercado nacional português. Ele é um grande profissional, está rodeado de pessoas profissionais e uma estratégia que nós sempre apoiámos e ajudámos. Hoje em dia está à vista o resultado da liderança do Grupo no mercado português, com todo o respeito que tenho à Quiksilver.
O Paulo também viu o mercado ter essa mudança que houve entre a core shop e a realidade do mercado dos centros comerciais, mas simultaneamente teve sempre muita atenção em vender os nossos produtos, tanto nas lojas multimarca assim como nas Ericeira’s ou lojas Billabong. Portanto, diria que é um bom exemplo da boa estratégia de marca e nos diferentes sectores de distribuição.
A percentagem do valor que Portugal representa hoje em dia… não lhe vou dar fatos mas vou-lhe dizer que per capita, Portugal é o que detém a facturação mais alta de toda a Europa. Gostaria imenso que o mesmo modo de distribuição e realidade, assim como o mesmo respeito, fosse como o que temos em Portugal.
Há alguma estratégia de posicionamento de preço dos produtos da Billabong, agora que surgem muitas marcas que buscam um conceito de surf e que vêm com produtos mais baratos como por exemplo a Deeply?
Há uma realidade hoje que é a realidade de mercado. Há duas maneiras de o ver, há o facto de a marca que referiu e que é um distribuidor importante em Portugal, e que de facto vem canalizar as vendas que as marcas históricas, e que nós, nos nossos investimentos temos. Há outra realidade que é a económica dos nossos países e que mudou muito desde há 5 anos. O que fizemos foi ficar na nossa realidade de posicionamento de mercado com as nossas marcas, mesmo que as nossas margens hoje sejam em percentagem de venda do produto mais importantes que as de um distribuidor vertical como é essa marca. A verdade é que nós temos custos completamente diferentes, temos campeões, 4 do WCT.
O que desejamos é ser uma marca global, com credibilidade, produto atractivo mas com grande qualidade. E ser representativos do mundo do surf e vistos como um dos líderes das tendências. Na nossa estratégia tínhamos uma t-shirt vendida a 25 euros. Hoje temos marcas concorrentes a vender a 9,90 euros. O que nos fez focar na qualidade e ao mesmo tempo dar uma resposta de qualidade a esse preço. Nunca vamos fazer é uma guerra de preços, enquanto eu cá estiver.
Estamos cá desde 1973, começámos numa garagem e hoje estamos em 150 países do mundo. Vai haver nos próximos meses, uma estratégia mundial que vamos apresentar em Janeiro. É a primeira entrevista que dou nesse sentido. O mercado do surf mudou muito desde há 5 anos, era estúpido da nossa parte achar que era igual. Muitas lojas fecharam. Temos ajudado muitas em investimento.
O mercado online é cada vez mais importante? Qual a percentagem que representa na marca?
Hoje representa 7,5% da facturação europeia. É pouco. A base é mais nos 20%, muitas das marcas de desporto é de 18 a 20%. Estamos abaixo disso. Hoje em dia, vê-se que a percentagem de venda na Alemanha é muito mais alta do que em Portugal ou Espanha. À frente estão a Inglaterra e a Alemanha a nível europeu. Mas depende de cada país. Tenho duas filhas de 18 e 20 anos, e hoje em dia há o Facebook, isso tudo, são coisas muito importantes. Hoje em dia vemos o quarto onde vamos dormir na Austrália pela net. Penso que temos feito muito nesta área nos últimos eventos em Portugal.
Qual é o perfil do atleta Billabong?
O exemplo perfeito é o Joel Parkinson que contratámos quando tinha 12 anos. E tenho uma grande sorte de o conhecer muito bem. Estive no Havai, em Dezembro passado, quando foi campeão mundial. Tenho imenso respeito pelo Kelly Slater, que é alguém fora de série, um competidor incrível, e tem sido uma pessoa que deu muito à Quiksilver, mas também ao mercado do surf em geral. Um perfil? Tem de ser uma pessoa que represente os valores da empresa: humildade, respeito pelo oceano e ambiente, são pessoas totalmente integradas nas nossas empresas. Não é preciso pedir ao Joel ou ao Taj para virem cá a visitar a nossa sede e falar com o pessoal, pois eles vêm de forma natural.
Vão existir novos produtos técnicos?
Hoje em dia estamos a trabalhar e investir nessa parte. O que desejamos é que os produtos técnicos - há testes que são feitos com os nossos campeões – sejam os melhores para responder à necessidade da pessoa que vai usar o produto. Nesse momento não se pensa em preços. Essa é a nossa realidade nos produtos técnicos. Se o mais pequeno detalhe não está completo e funcional, o produto não sai para o mercado.
Qual é a importância da publicidade online em detrimento da tradicional ou há um equilíbrio?
A realidade é um pouco diferente. E tem a ver com o local onde o nosso consumidor vai buscar a informação. As redes sociais de que falámos, o facto de hoje em dia se tirar uma foto e se mandar pelo instagram para um amigo que está no Brasil ou no Japão... De facto, tentamos sempre ter uma realidade de representação nos vários sectores em correspondência ao que desejamos enviar como mensagem.
O facebook é uma forma de publicitar, mas não invalida que a informação seja transmitida por uma entidade credível. Os sites da especialidade. Concorda?
Totalmente, temos uma pessoa que a única responsabilidade é ver se esses filtros funcionam bem e que nada atinja as nossas marcas.
Quer dizer algo mais?
Tive a grande sorte nesta vida de entrar neste mundo, aprendi muito com as pessoas certas. Uma delas não vejo há uns anos, o Jack O’neill. Disse-lhe mesmo que nunca pensei ter a possibilidade de estar sentado ao seu lado. Nunca pensei que o mundo do surf se tornasse tão grande. E tive essa grande sorte de falar com essas pessoas todas. Não interessa se faço surf ou não, mas se tive a possibilidade de chegar a este posto, é porque tenho um grande respeito pelo mundo do surf.
Quando cheguei fui a primeira pessoa a liderar o departamento de vendas na Quiksilver França, mas eu não vinha do mundo do surf. Na altura perguntei se precisavam de uma pessoa que faça surf? Olharam para mim e disseram-me que precisavam de uma pessoa com conhecimento de mercado. Isso foi em 1994. Tenho tido sorte e uma grande paixão.
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- Créditos fotos: Arquivo Pessoal Jean Louis Rodrigues