O Futuro do Surf em Portugal: "Só com formação estruturada e mais liberdade no free surf é que o surf português pode evoluir"
Clube de Surf do Norte - De academia privada a clube federado....
No âmbito do Fórum Surftotal, que visa refletir sobre o estado atual do surf competitivo e formativo em Portugal, a escola de Sebastião Furtado – agora transformada no Clube Surf do Norte – partilhou a sua visão sobre o papel das escolas, a cultura do surf e o futuro da modalidade.
De academia privada a clube federado:
Em 2025, o projeto deixou de ser uma academia privada para dar lugar ao Clube Surf do Norte, refletindo uma mudança estratégica:
"Acreditamos que a formação desportiva no surf deve acompanhar o modelo das restantes modalidades — através dos clubes."
A nova estrutura conta com uma Academia interna que integra valores como o compromisso, a disciplina, o respeito pela natureza e o crescimento através da superação pessoal.
Competição: ferramenta essencial na formação do carácter:
Para o clube, a competição é fundamental na motivação e desenvolvimento emocional dos jovens:
“Faz parte da vida. Ensina a lidar com desafios, a superar medos e a crescer como indivíduo. A escola de desporto pode formar muito mais do que atletas: forma caráter.”
Cultura de surf ameaçada por conforto e excesso de orientação:
Apesar da evolução técnica, o clube considera que a cultura do surf está a perder-se nas novas gerações:
“Hoje em dia, o surf é demasiado cómodo. Os miúdos vêm vestidos de casa, não fazem free surf, só treinam com treinador. O verdadeiro espírito do surf — a aventura, a partilha e o convívio — perdeu-se.”
A aposta no free surf como ferramenta criativa e de autonomia é apontada como uma prioridade para resgatar a essência do surf.
Papel das escolas no circuito competitivo e educação parental:
Para além de formar, os projetos de base deveriam assumir um papel mais ativo nas convocatórias competitivas:
“Só com meritocracia — em que os atletas são convocados pelo esforço, dedicação e evolução — conseguimos fazer a diferença e elevar o nível do surf português.”
O clube reforça ainda a necessidade de educar os pais:
“É ótimo que os pais estejam presentes, mas é essencial perceberem que têm um papel de suporte — não de treinadores. É importante confiar na estrutura técnica e fomentar uma cultura desportiva saudável.”
A escola tem alguma ligação com clubes federados? Porquê?
Para o ano de 2025, fizemos algumas alterações ao nosso projeto. Deixámos de ser uma academia privada, transitando para um clube, criado de raiz - o Clube Surf do Norte.
Esta mudança veio no seguimento da nossa visão de que a formação desportiva no surf, deve acompanhar o modelo de todas as outras modalidades desportivas - os clubes.
O nosso projeto de formação integra a vertente Academia do nosso clube. Para esta regemo-nos pela missão de passar os princípios e os valores da cultura do treino em conjunto com a cultura do Surf, respeitando as várias idades, níveis técnicos e de adaptação ao mar.
Através do treino, formamos miúdos que assumem compromissos, definem objetivos, dedicam-se, organizam-se e são disciplinados afim de os atingir.
Usamos o surf para eles se desafiarem, enfrentando o medo e superarem se. Sensibilizamo-os perante a natureza, através da aventura que faz parte da vida de qualquer surfista verdadeiro.
Que papel atribui à competição na formação dos jovens surfistas?
A competição é fundamental para o desenvolvimento e motivação dos miúdos. Estes são competitivos por natureza e gostam de ser postos à prova, naquilo que treinam e se dedicam.
As competições podem e devem ser adaptadas ao nível, experiência e idade dos jovens surfistas.
A competição faz parte da vida e quanto mais ferramentas emocionais os miúdos possuírem, maior será o sucesso no futuro. Seja qual for a área profissional que optem. É nesta vertente de formação do carácter de cada indivíduo que a escola do desporto pode contribuir, e muito, para o futuro dos jovens.
Acha que a cultura de surf está a ser corretamente transmitida às novas gerações?
Na maior parte das escolas e projetos de formação existentes em Portugal, acho que não.
O surf, hoje em dia, é, na maioria das vezes, uma experiência demasiado cómoda. Os miúdos vêm vestidos de casa, fazem a aula e voltam de fato, para o despirem na banheira em casa com água quente. Quando o mar está mau, não praticam e só fazem surf nas aulas, com treinadores.
O free surf é raro ou inexistente. São poucos miúdos que têm o seu grupo de amigos que fazem surf e combinam free surf entre eles, onde se vive a aventura, a partilha e o convívio que representa o que foi o Surf para todos nós, a sua verdadeira cultura.
A meu ver, o free surf é também fundamental para explorarem novas manobras, novas trajetórias e diferentes abordagens à onda. Este é o momento de arriscar manobras que nunca tentaram ou completaram.
Penso que os projetos de formação deveriam de promover mais esta vertente do surf, junto dos miúdos e mostrando aos pais como pode ser seguro deixarem os seus filhos irem para o mar, começando por dias de mar pequeno e sempre com surfistas na água.
O free surf é o que diferencia o surf das outras modalidades, caso contrário o surf é apenas treino e competição. Se os miúdos tiverem aptidão, estão motivados pois têm bons resultados. Caso não tenham grande aptidão, é o convívio e a aventura que os vai motivar a fazer surf e prolongará a sua motivação para praticar este desporto.
Considera que as escolas poderiam ter um papel mais ativo no circuito competitivo?
Os projetos de formação podem e devem ter um papel mais ativo no circuito competitivo. Deveriam de ser estes a convocar os seus atletas para as competições, só assim haverá meritocracia no surf. Só assim todos os miúdos percebem que se devem dedicar e esforçar para serem convocados. Só assim os miúdos com talento se dedicarão tanto como os sem talento. Só assim mais surfistas portugueses irão para outro nível.
Com todas as condições que temos em Portugal, é no treino e na formação que temos de fazer a diferença para potenciar mais jovens e conseguirmos estar num lugar de destaque a nível mundial.
Para além disso, a educação dos pais, através da passagem de uma cultura desportiva deve acontecer mais.
Os pais de hoje em dia querem estar mais presentes e isso é extremamente positivo, pois investem e apoiam mais no desenvolvimento dos seus filhos. Contudo devem ser educados afim de perceberem qual o seu papel e de que forma podem potenciar o desenvolvimento do seu filho.
Hoje em dia assistimos muito a momentos na praia nos quais os pais pressionam os miúdos, reclamam notas ou resultados e questionam os treinadores. Isto não é bom para o desporto. As escolas ou clubes devem mostrar que cada agente tem o seu papel no desporto e todos são importantes.
Esta entrevista integra o Fórum Surftotal: O Futuro do Surf em Portugal, uma iniciativa editorial que pretende reunir vozes influentes do surf nacional — desde clubes e escolas a marcas, atletas, dirigentes, pais e treinadores — para refletir sobre o momento atual da modalidade e os caminhos possíveis para o seu crescimento sustentável. Ao longo das próximas semanas, publicaremos contributos diversos que ajudarão a construir uma visão partilhada sobre os desafios e oportunidades do surf em Portugal.
Se representa uma entidade do surf nacional e gostaria de participar neste fórum, escreva-nos para info@surftotal.com.