O Futuro do Surf em Portugal - A Visão de Miguel Gomes, Presidente da ASCC
A Surftotal dá continuidade ao fórum de reflexão sobre o estado atual do surf competitivo e formativo em Portugal com uma entrevista ao presidente da ASCC .....
.... — Associação de Surf da Costa de Caparica — uma das entidades mais ativas na formação de jovens atletas em Portugal. Com um percurso ligado ao desenvolvimento de jovens talentos e à organização de eventos na emblemática Costa de Caparica, Nuno tem acompanhado de perto os desafios enfrentados pelos clubes, treinadores e atletas nacionais. Após ter participado em 2024 e sido pioneiro com a ASCC no Mundial de Clubes de Surf na Austrália, recentemente, a ASCC lançou um comunicado público que alerta para a estagnação do surf competitivo em Portugal e para a necessidade urgente de repensar estratégias e modelos. Nesta entrevista à Surftotal, Nuno Gomes partilha a sua visão sobre o presente e o futuro do surf nacional, apontando caminhos para devolver ambição e sustentabilidade à formação desportiva em Portugal.
Surftotal: A ASCC manifestou recentemente uma preocupação clara com o futuro do surf competitivo em Portugal. O que motivou este comunicado?
O nosso comunicado surge como reflexo de uma observação atenta à realidade dos últimos dois anos. Sentimos que o surf, enquanto desporto competitivo, tem vindo a perder vitalidade e projeção. Não se trata apenas de resultados ou presença nos grandes palcos internacionais, mas de um sentimento geral de estagnação, de falta de rumo e de desmotivação dos clubes, que são a base de tudo.
Surftotal: Mas temos atualmente atletas como o Frederico Morais, a Teresa Bonvalot, a Kika Veselko ou a Yolanda Hopkins a representar Portugal com grande destaque. Como se explica esse contraste?
É verdade, esses atletas são o presente e representam, com mérito, o surf nacional. Mas todos — ou quase todos — passaram por clubes e por eventos promovidos por clubes, como foi o caso do Guilherme Ribeiro, da Mafalda Lopes, do Francisco Ordonhas, do Martim Nunes, da Kika, do Jaime, do Afonso Antunes, entre muitos outros que participaram em campeonatos da ASCC quando eram juniores. Mas o ponto é que, sem clubes, não há continuidade. O problema está no que vem a seguir: se os clubes não tiverem apoio e estrutura, não haverá uma nova geração para seguir-lhes os passos. Valorizar o presente é essencial, mas temos de preparar o futuro.
Surftotal: Que papel estão a desempenhar os clubes neste contexto?
Um papel cada vez mais inglório. São os clubes que formam atletas, mas estão a ser sistematicamente esquecidos. As escolas de surf cresceram muito, mas, muitas vezes, estão mais preocupadas com o lucro imediato do que com a formação desportiva. Defendemos que todas as escolas deveriam estar integradas em clubes federados. Isso criaria uma ponte entre a iniciação e a competição. Mesmo para quem pratica surf sem competir, o orgulho em representar o clube da terra permitiria uma progressão natural e estruturada.
Surftotal: E quanto à organização de campeonatos? Os regionais ainda têm relevância?
É óbvio que têm relevância, mas o problema é que este formato está obsoleto. Existem muitas categorias, mas há zonas do país onde não há atletas suficientes para as preencher, o que gera desequilíbrios. Consideramos que o modelo atual deve ser repensado. Uma possibilidade seria obrigar os clubes a realizarem campeonatos intersócios, cujos resultados dariam acesso a uma finalíssima nacional, através de um sistema baseado em estrelas e critérios definidos, como a qualidade dos eventos e o número de atletas federados por região. Seria apenas necessário definir os critérios — e caberia à FPS decidir quais deveriam ser utilizados. Esta poderia ser uma das muitas soluções para o surf nacional. Tal medida revitalizaria o circuito e obrigaria os clubes a serem mais ativos, reforçando a base competitiva.
Em zonas onde não existam muitos atletas, poderia considerar-se a possibilidade de juntar vários clubes e organizarem, em conjunto, um circuito intersócios regional. Outra opção seria repensar o circuito Lightning Bolt. Existem muitas possibilidades — basta parar para refletir e pôr os clubes a trabalhar.
Surftotal: O que espera, então, a ASCC do futuro?
Esperamos uma reflexão profunda por parte das entidades que lideram o surf em Portugal. É urgente valorizar os clubes, rever a estratégia nacional de desenvolvimento competitivo e criar condições para que os jovens atletas portugueses possam sonhar alto. Não queremos apenas ser o campo de treinos da elite internacional. Queremos estar lá, a competir de igual para igual.
Surftotal: Uma última mensagem?
A base do surf competitivo está nos clubes. Se continuarmos a ser ignorados, o surf nacional corre o risco de definhar. O talento existe, e o mar também. Falta vontade e visão estratégica. Estamos prontos para fazer parte da solução e esperamos que nos seja dado o espaço necessário para contribuirmos, cada vez mais, para a mudança.
Esta entrevista integra o Fórum Surftotal: O Futuro do Surf em Portugal, uma iniciativa editorial que pretende reunir vozes influentes do surf nacional — desde clubes e escolas a marcas, atletas, dirigentes, pais e treinadores — para refletir sobre o momento atual da modalidade e os caminhos possíveis para o seu crescimento sustentável. Ao longo das próximas semanas, publicaremos contributos diversos que ajudarão a construir uma visão partilhada sobre os desafios e oportunidades do surf em Portugal.
Se representa uma entidade do surf nacional e gostaria de participar neste fórum, escreva-nos para info@surftotal.com.