Em alguns países o número de resgates realizados por surfistas é superior ao realizado pelos nadadores salvadores terça-feira, 21 janeiro 2025 05:55

Em alguns países o número de resgates realizados por surfistas é superior ao realizado pelos nadadores salvadores

Diz Joel Oliveira, Doutorado pela Universidade de Vigo em Espanha, em Segurança Aquática no Surf...

 

Conta-nos o teu percurso estes últimos anos, o que significado se passou na tua vida profissional?

Sou professor de Educação Física há mais de 20 anos e estive também em regime de acumulação, como docente no Ensino Superior, entre 2016 e 2023. No entanto, muita coisa mudou a nível profissional nos últimos anos.

O programa de Doutoramento realizado na Universidade de Vigo em “Treino em Segurança Aquática na Educação e no Desporto (Surfing)”, mudou realmente a minha vida a nível profissional. Durante aqueles 4 anos, conheci pessoas incríveis, muito capazes, muito competentes, muito solidárias, que realmente trabalham em equipa. Tive a sorte de trabalhar e aprender com os melhores do Mundo no que ao resgate e segurança aquática diz respeito.  Desde logo o Professor Catedrático Roberto Barcala Furelos, que foi o Diretor da minha tese e que é um craque em todas as temáticas do salvamento aquático, tanto na área de investigação, como no âmbito do ensino. Ele é sem sombra de dúvidas a minha maior referência, o meu mentor, acreditou sempre em mim, mesmo nos momentos mais difíceis. Existe muita paixão pelo salvamento aquático na equipa REMOSS da Universidade de Vigo e isso produz muitos resultados. Tive também a sorte de conviver e aprender com o Doutor David Szpilman, a grande referência mundial no salvamento aquático para surfistas, e que é responsável pelo programa Surf Salva no Brasil, que desde final da década de 90, educa e treina surfistas para prevenir e atuar perante o afogamento. Assim, depois de terminar o doutoramento, os convites e iniciativas nunca mais pararam. Desde logo, entrei na equipa da Surfing Medicine International, uma organização mundial sem fins de lucro, presente em 36 países e em 5 continentes, com a missão de tornar o surf seguro e saudável para os surfistas e toda a comunidade. Dentro desta organização, estive responsável por organizar a Conferência Mundial de Medicina do Surf em 2023 em Valdoviño, Espanha, onde coordenei o workshop em resgate aquático e simulação, com a participação de dezenas de surfistas médicos de todo o mundo. Entrei também para a equipa de Socorrismo SEMES, Sociedade Espanhola de Urgências e Emergências, e estamos presentes em muitos congressos, cursos e outras iniciativas, principalmente em Espanha. Surgiu também o convite para lecionar no programa de doutoramento em Ciências do Desporto na Universidade de Vigo, bem como no Instituto de Estudos Médicos de Barcelona, onde leciono atividades incluídas na unidade curricular de Medicina aquática e subaquática, num curso de Mestrado. Colaboro também com a rede World Surf Cities Network e fui convidado como orador oficial para o encontro anual de 2024, que se realizou em Agosto, no Peru e no Chile. Em representação da Surfing Medicine International, tive a oportunidade de apresentar um curso online de salvamento para surfistas, que lançaremos brevemente e também organizamos um workshop em Surf Rescue, em Arica, Chile, para toda a comunidade local de surfistas. Esta é uma rede fantástica, representada por cidades de todo o mundo, com pessoas que realmente querem mudar as políticas e os paradigmas das suas comunidades, no que à segurança diz respeito.

 

" 70% a 80% dos afogamentos nas praias de todo o mundo ocorrem devido aos agueiros"

 


Os surfistas a nível global continuam a ser dos principais responsáveis pelo salvamento de pessoas nas praia/agueiros de todo o mundo?

Baseado em evidência científica, a resposta é sim. Muitos artigos científicos foram publicados em revistas de alto impacto, sobre esta temática, nos últimos 10 anos. Estudos realizados na Austrália, Nova Zelândia, Portugal, Espanha, França, Países Baixos, Alemanha e Reino Unido apontam para números extremamente elevados de salvamentos realizados pelos surfistas.  Em alguns países o número de resgates realizados pelos surfistas é superior ao realizado pelos nadadores salvadores. Até porque, entre a 70% a 80% dos afogamentos nas praias de todo o mundo ocorrem devido aos agueiros. Estima-se que a comunidade de surfistas a nível mundial, seja superior a 20 milhões. Estes surfistas frequentam as praias vigiadas e não vigiadas durante todo o ano, conhecem bem este tipo de correntes, estão no local certo à hora certa, ou seja, dentro de água, local onde ocorre o afogamento e mais importante, possuem um objeto de flutuação, a prancha de surf, que poderá ser muito útil no momento do socorro. Por tudo isto, o surfista desempenha um papel fundamental na redução de mortes por afogamento em todo o mundo.


O que pode ser feito para que esses salvamentos sejam ainda mais eficazes?

Na realidade, os surfistas estão sempre prontos ajudar, e em situações menos graves, muitas vezes conseguem resolver a situação, evitando que a vítima se afogue. No entanto, quando a situação é mais complexa, sobretudo se a vítima está inconsciente, serão necessárias manobras de reanimação. É aqui que reside o maior problema, sem treino em resgate e reanimação, será muito difícil conseguir agir de forma eficaz e assertiva, e as consequências poderão ser graves para a vítima. Além disso, por falta de conhecimento, os surfistas podem passar de resgatadores a vítimas, ao não avaliaram previamente o risco, podem colocar-se numa situação muito complicada. Como em todas as áreas, o treino é fundamental, sendo por isso extremamente importante que todos os surfistas realizem um curso de resgate e reanimação, para que estejam preparados na hora de atuar. Esse momento vai chegar, mais cedo ou mais tarde, devemos por isso estar preparados.

 

"Seria também extremamente importante, o treino mais exaustivo do suporte básico de vida,

ventilações e compressões torácicas."


Relativamente a formação nessa área de salvamento, e por seres uma pessoa que inclusive dá formação, os profissionais do ensino do surf em portugal estão devidamente habilitados para fazer um CPR ou uma ressuscitação a uma pessoa em situação de afogamento?

Na sua grande maioria, penso que não. Durante o curso de treinador de Surfing, necessário para a obtenção da cédula de treinador, este conteúdo é abordado, mas de forma muito superficial e breve. Para ser eficaz, era importante não apenas uma abordagem teórica, mas uma maior carga horária com componente prática, que permitisse a todos, a aprendizagem e realização de técnicas de resgate com diferentes pranchas de surf, de uma vítima inconsciente. Seria também extremamente importante, o treino mais exaustivo do suporte básico de vida, ventilações e compressões torácicas. Utilizando as novas tecnologias, como os manequins com feedback, é muito fácil a orientação do aluno através da tentativa erro, encontrando a técnica mais eficaz para realizar as manobras de forma efetiva.


Como estamos comparativamente aos restantes países europeus mais evoluídos nesta situação?

Em relação à Europa, penso que estamos na vanguarda. A par de Espanha, e talvez devido ao crescente mediatismo do surf em ambos os Países, são cada vez mais as iniciativas, que visam dotar os surfistas das ferramentas necessárias a atuar perante uma situação de emergência aquática. O tema está cada vez mais em cima da mesa, e já todos perceberam que a segurança é fundamental para o crescimento sustentado do desporto. Claro que se nos compararmos com a Austrália, ou mesmo com o Brasil, ainda temos um longo caminho à nossa frente, pois esses países começaram o processo de preparação há muito mais tempo. Mas o objetivo é chegarmos lá. Portugal é cada vez mais um destino de Surf de excelência, recebemos imenso turismo relacionado com o surf. É importante que as entidades que regem os desportos de ondas em Portugal, percebam que é de uma importância fulcral, preparar os surfistas como agentes de proteção e segurança nas praias. Só assim teremos comunidades costeiras seguras, sendo por isso primordial que estas entidades apoiem iniciativas, que permitam que todos os surfistas sejam capazes de realizar um resgate de uma vítima inconsciente.

 

"Teremos uma nova direção na Federação Portuguesa de Surf,

seria importante repensar a estratégia de prevenção

e preparação dos surfistas para afogamento..."


Sabemos que vais dar uma formação em breve para profissionais de surf, queres falar sobre isso?

Estarei na Ericeira nos dias 23 e 24 de Janeiro, a convite do Ericeira Surf Clube, a dar um curso de segurança aquática e resgate para surfistas, acreditado pelo IPDJ. Esta formação completamente baseada em evidência científica, destina-se aos treinadores de Surfing do clube e será extremamente importante, para que todos os participantes conheçam as técnicas e diretrizes atuais, no que ao salvamento aquático para surfistas diz respeito. Sendo a Ericeira, o Centro do Surf em Portugal, classificada com reserva mundial do surf e pertencente às cidades mundiais do surf (WSCN), a formação e preparação dos seus treinadores irá com certeza fortalecer e aumentar os níveis de segurança em toda aquela comunidade costeira.


Algo mais a dizer?

 Para terminar, e uma vez que brevemente teremos uma nova direção na Federação Portuguesa de Surf, seria importante repensar a estratégia de prevenção e preparação dos surfistas para afogamento. Era muito relevante que, todos os Treinadores de Surfing que exercem essa profissão em Portugal, frequentem um curso de especialização em segurança aquática e resgate para surfistas. Essas formações devem repetir-se ao longo tempo, permitindo que estes estejam treinados e preparados a todo o momento. Estes profissionais trabalham nas praias durante todo o ano, podendo atuar e ajudar  a diminuir o número de afogados em Portugal.

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