Porque razão as temperaturas da agua do mar subiram em Portugal e o que se espera do surf este Inverno 2023/24?
Questões de Lineup na Costa Continental Portuguesa...
Estivemos à conversa com o meteorologista Surftotal Bruno Lampreia que nos explica de uma forma clara e sucinta questões que todos nós temos sobre a temperatura da agua do mar assim como as últimas ondulações XXL que tem vindo a atingir a Costa Portuguesa.
Questões do line up:
Surftotal: Entre meados de setembro e meados de outubro tivemos ondulações constantes acompanhadas de ventos fracos predominantes do quadrante sul que trouxe águas acima dos 20 graus e curiosamente a norte de Portugal a água esteve mais quente do que no centro de Portugal continental. Essas condições permitiram surf com fato de verão, ou mesmo sem fato. Qual a razão desta situação ter ocorrido?
Bruno Lampreia: Durante esse período e de momento o Atlântico Norte encontra-se particularmente ativo, sendo que a temporada de ocorrência de furacões e tempestades de intensidades bastante significativas se estendem desde 1 de Junho a 30 de Novembro, neste âmbito e durante o período em questão, observaram-se sucessivas baixas-pressões que nas suas diferentes posições nos proporcionaram ondulação e correntes de superfície mais quentes que o usual, além disto o mês de Setembro já por si só foi ligeiramente mais quente que o normal, sendo mesmo denominado de “quente e chuvoso”.
Figura 1 - Temperatura do ar e precipitação no mês de Setembro (período 1941 - 2023
Ver boletim: Boletim Clima Setembro 2023
Posteriormente de acordo com dados do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, o mês de outubro começa também com valores de temperatura altos, sendo que o valor médio da temperatura máxima do ar em Portugal entre 1 a 12 de Outubro foi de 30.6°C, constituindo assim a “sétima onda de calor do ano” conforme se pode ler no relatório desta onda de calor no relatório de acompanhamento de 13 de Outubro de 2023.
Esta onde de calor teve a duração máxima de 19 dias, em cerca das 55 % das estações meteorológicas e duração superior a 14 dias, quanto à abrangência espacial, em 85 % das estações meteorológicas ocorreu onda de calor, pela sua extensão espacial e temporal pode ser considerada a mais significativa observada no outono, desde 1941, seguida da onda de calor de outubro de 2017. Ver relatório.
Quanto às ondulações tivemos bastante ação no Norte Atlântico com tempestades bem definidas como a BABET, ALINE e BERNARD (bem como outras anteriores com menores intensidades e/ou mais afastadas) que imprimiram ondulações de relevante significância conforme registos do Instituto Hidrográfico reporta:
Os valores máximos da altura da onda observados foram os seguintes:
. Leixões registou 15,8 metros, na manhã do dia 20 de outubro;
. Nazaré registou 11,7 metros, na manhã do dia 20 de outubro;
. Sines registou 11,5 metros, na manhã do dia 20 de outubro;
. Faro registou 9,9 metros, na tarde do dia 22 de outubro.
É um fenómeno que tem vindo a acontecer todos os anos, mas nunca nos 24 anos de existência da SURFTOTAL detetamos tao longo período com a água do oceano a esta temperatura, qual a explicação para esta situação e se é um fenómeno que se espere de forma recorrente?
De acordo com dados climatológicos a situação global apresenta um padrão de aquecimento gradual, ao longo dos últimos anos, daí que estas situações sejam suscetíveis de ocorrerem com maior incidência. No entanto, não aderindo a uma premissa alarmista de aquecimento global, importa esclarecer que o clima nunca foi estático e que as suas mudanças são de prazo mais alargado que o estado do tempo, daí que nos são menos percetíveis, importa agora aferir se esta situação será um caso pontual ou se uma tendência se manterá de futuro.
Existem outras alturas do ano em que esta situação possa ocorrer?
Sim, pontualmente durante o inverno podemos ter situações em que a localização da baixa-pressão a Sudoeste de Portugal Continental, gera ondulação, correntes e circulação atmosférica de Sul, trazendo assim temperaturas acima do normal para a época.
No entanto, longe de uma vaga de calor ou mesmo de boas condições para o surf, esta situação é caracterizada por mar de Sudoeste de temporal, com valores para a Costa Oeste de ondulação entre os 3 e 4 metros com períodos compreendidos entre os 9 a 10 segundos, sendo comum atingirem 7 metros em caso de aproximação de superfícies frontais associadas a depressões muito intensas. Na Costa Sul os valores médios verificados são mais baixos, apresentando ondulação de 2 a 3 metros de altura com períodos compreendidos entre 7 e 8 segundos.
Imagem IPMA in Caracterização Climática da Costa, Características da agitação marítima da Costa de Portugal.
E de repente o estado do tempo muda e passamos de um calor de 30 graus para temperaturas abaixo dos 20, ondulações gigantes muita chuva e ventos muito fortes por que razão isto está a acontecer?
De uma forma simplista e sucinta, voltámos à “normalidade”, o período do Outono e inverno é marcado pela passagem de baixas pressões que afetam o estado do tempo e condições de mar, estas baixas pressões formam-se na zona da Costa Leste dos Estados Unidos, estendendo-se até ao Mar Labrador e deslocam-se para Leste sobre o Norte Atlântico em direção às Ilhas Britânicas e por vezes descendo mais a Portugal Continental, estas tempestades ganham intensidade consoante a temperatura do oceano e imprimem ondulação.
Dado o percurso destes centros tempestivos e a propagação radial da ondulação produzida, é normal que Portugal Continental, dada a sua posição geográfica bastante exposta ao oceano, seja um “wave magnet” conforme se diz na gíria do surf, portanto grande parte da ondulação gerada é suscetível de impactar na Costa Portuguesa. Estas baixas-pressões, não só precisam de passar sobre Portugal Continental para produzirem mau tempo, como também possuem associados sistemas frontais que se estendem para Sul e produzem condições de chuva nebulosidade e vento.
Nos últimos meses, conforme já referido anteriormente, o Atlântico Norte está mais ativo e isso deve-se ao aumento da temperatura da superfície do oceano, de acordo com o programa Copernicus que estuda alterações climáticas, reporta que este verão os valores de temperatura da superfície do oceano atingiram valores recorde com cerca de 1.36 °C acima da média.
Na sequência deste fenómeno, as baixas-pressões são mais intensas com vento muito forte a gerar ondulações bastante grandes, o mau tempo também se faz sentir, fruto dos sistemas frontais associados e do que se analisa de momento nas cartas meteorológicas, a situação manter-se-á assim para os próximos dias com previsões da passagem de sucessivas baixas-pressões no Atlântico Norte.
O que é expectável que aconteça para o inverno após este Outono?
De acordo com as previsões sazonais do IPMA, prevê-se precipitação com valores acima dos normais para a época entre 5 a 10mm em novembro, aumentando para 5 a 15mm em dezembro nas zonas Norte e Centro. Quanto a valores de temperatura média do ar, espera-se um aumento sobre todo o território de Portugal continental de 0.5 a 1.0°C entre Novembro e Dezembro.
Por Bruno Lampreia
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