*Entrevista da autoria de Pedro Quadros.

Surf Total (ST) – Olá Hugo, apresenta-te um pouco.

Hugo Rocha (HR) – Sou o Hugo Rocha, tenho 42 anos. Nasci em Lisboa. Atualmente vivo na Silveira, perto da praia de Santa Cruz. Quando tinha 11 anos, numa brincadeira com amigos a saltar para comboios em movimento, caí mal, fui sugado pelo comboio em aceleração, e perdi a parte inferior da perna direita, abaixo do joelho. 

 Hugo Rocha - Click por FPS

ST – Como é chegaste ao surf adaptado ?

HR – Através do Hugo Maia, capitão da minha equipa de basquetebol em cadeira de rodas, em Alcoitão. Ele já fazia surf, embora sem pernas, e despertou em mim o interesse pelo surf.

Como não tinha dinheiro para comprar uma prancha de surf, contactei vários surfistas, pedindo se me podiam oferecer uma. Na altura, o único que respondeu foi o Pedro Almendra, que me prometeu que, quando regressasse da temporada na Indonésia, me ofereceria uma prancha. E cumpriu a promessa.

Mas entretanto, como em casa não me calava com o surf, os meus filhos juntaram-se, fizeram-me uma surpresa, e compraram uma prancha. Naquela altura, Outubro de 2019, fazia surf de joelhos, pois ainda não tinha a prótese adequada para água salgada.

ST – Quando é que passaste para o surf em pé ?

HR – O Christian de Barros, a pessoa que fabricava as minhas próteses, ofereceu-me a prótese para poder surfar. Entretanto, conheci o Nuno Vitorino, que me convidou a vir a um evento da SURFaddict – Associação Portuguesa de Surf Adaptado.

ST – Em que ano ?

HR – Setembro de 2020. Neste evento conheci a Teresa Abraços, que me convidou para surfar com ela. E assim, fizemos o primeiro treino, em Ribeira de Ilhas.

Hugo Rocha - Click por FPS

"Quando tinha 11 anos, numa brincadeira com amigos a saltar para comboios em movimento, caí mal,

fui sugado pelo comboio em aceleração,

e perdi a parte inferior da perna direita, abaixo do joelho...."

ST – Quando é que começaste a pensar em competir ?

HR – Via outros, como o Nuno Vitorino e a Marta Paço, a surfar e a competir. Já estava habituado à competição no basquetebol em cadeira de rodas. O sentir a adrenalina do treino, da superação, do lutar contra o tempo. Queria desafiar outros surfistas, que já o eram antes dos seus acidentes. Tornei-me, portanto, surfista.

ST – Como eram os teus treinos ?

HR – Acordava de madrugada para vir de casa, em Vila Franca de Xira, para treinar na Linha do Estoril ou na Costa da Caparica, às 7:00. De seguida, ia trabalhar em Cascais. E à noite ainda ia treinar basquetebol em cadeira de rodas.

ST – Qual foi a tua primeira competição ?

HR – Foi em Pantin (na Galiza), em Julho de 2021. Fui com apoios da Câmara Municipal de Torres Vedras e da Betano. Já estava a morar na Silveira, e tinha-me federado na Associação Sealand Santa Cruz. Neste campeonato aconteceu uma coisa engraçada – deixou de haver ondas, o campeonato teve de ser cancelado, e os prémios foram divididos equitativamente por todos os competidores.

Hugo Rocha - Click por FPS

"Em Abril deste ano fui convidado para estar presente na sessão de observação da FPS

em Viana do Castelo."

ST – Porque se mudaram para a costa oeste ? Para estares mais próximo do mar ?

HR – Sim. Comprámos uma casa, que temos estado a recuperar desde então.

ST – És tu que fazes as obras todas sozinho ?

HR – Sim, com a ajuda da minha mulher, a Cristina, e dos nossos 3 filhos. Tem de ser assim, pois não temos dinheiro para mais.

ST – Mais tarde regressaste aos treinos com a Teresa Abraços ?

HR – Sim, a partir de Outubro de 2021. Ela foi comigo ao estágio da Federação Portuguesa de Surf em Viana do Castelo. Embora depois tenha ficado uns tempos parado, por causa da casa, e também porque fui operado a duas hérnias abdominais. Recuperei e comecei a treinar no ginásio e no mar com a Teresa.

Hugo Rocha - Click por FPS

"No primeiro campeonato, o Europeu, fiquei em terceiro lugar, na minha categoria, Stand 2.

Mas no da Para Surf League, que aconteceu logo a seguir, fiquei em segundo..."

ST – Conta-nos um pouco dos teus últimos sucessos em competição.

HR – Em Abril deste ano fui convidado para estar presente na sessão de observação da FPS em Viana do Castelo. Entretanto, a minha mulher ofereceu-me a inscrição no campeonato da Para Surf League na Corunha. Logo que soube que o Campeonato Europeu, organizado pela European Surfing Federation, ir-se-ia realizar no mesmo local, nos dias anteriores, telefonei ao Tiago Prieto (selecionador nacional de para-surfing), para perguntar se podia ir com a seleção nacional, pois queria muito vestir a camisola de Portugal. A Federação aceitou, pagando-me a inscrição e oferecendo as refeições.

ST – Mas a viagem e a estadia foram por tua conta, certo ?

HR – Sim, e como não temos muitos recursos, eu e a minha mulher dormíamos no nosso carro.

ST -Uau ! Até parece que regressámos ao espírito do surf dos anos 80 e 90 !

HR – Nos últimos dois dias, já dormimos melhor, numa carrinha toda preparada, que o Luis, do Quenlla Surf Clube, nos emprestou. Foi de uma simpatia incrível ! Reparou que eu estava a competir e que dormíamos no carro. Mesmo sem nos conhecer, deu-nos a chave da sua carrinha, e disse que lá ficaríamos mais confortáveis. 

ST – Conta-nos então quais foram os teus resultados.

HR – No primeiro campeonato, o Europeu, fiquei em terceiro lugar, na minha categoria, Stand 2. Mas no da Para Surf League, que aconteceu logo a seguir, fiquei em segundo. 

Hugo Rocha - Click por Teresa Abraços

"Estou a treinar e a preparar-me para o meu próximo campeonato,

em Pantin (na Galiza), dia 26 de Agosto. .."

ST – E com diferentes níveis de concorrência.

HR – Sim. No Europeu eramos apenas três. Mas na Para Surf League eramos oito, pois já incluía os franceses, que não tinham participado no Europeu. Neste segundo campeonato, fiquei à frente do que tinha ficado em segundo no Europeu, o que me deixou ainda mais contente. Estou muito feliz com ambos os resultados e ansioso por mais.

ST – E agora ?

HR – Estou a treinar e a preparar-me para o meu próximo campeonato, em Pantin (na Galiza), dia 26 de Agosto. Vamos novamente os dois, a Cristina e eu.

ST  – E vão dormir novamente no carro ?

HR – Lá terá de ser.

ST – Por fim, conta-nos os teus projetos para o futuro ?

HR – Acabar a casa. Evoluir no surf e na competição. Ir ao Campeonato do Mundo.

Quero agradecer muito à Teresa Abraços, à SURFaddict – Associação Portuguesa de Surf Adaptado, ao ginásio OEnergy, de Torres Vedras. E, principalmente, ao Hugo Cartaxana, da SPO.